A redescoberta por cientistas europeus dos trabalhos do monge austríaco Gregor Mendel (1822-1884), em 1901, sobre a transmissão de características em ervilhas ampliou as possibilidades de pesquisa em uma então nova e promissora área da biologia moderna, a genética. A partir daquele começo de século, pesquisadores de várias partes do mundo se voltaram para os estudos sobre hereditariedade e variabilidade genética em espécies animais e vegetais. No Brasil, as ideias de Mendel começaram a ser disseminadas em fins dos anos 1910 por meio das atividades de ensino e pesquisa do agrônomo paulista Carlos Teixeira Mendes (1888-1950), professor da Escola Agrícola Prática de Piracicaba, à época vinculada à Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Em 1934, ela se tornou uma das unidades da nascente Universidade de São Paulo, já com o nome de Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP).
Em 1918, quatro anos após voltar de uma temporada de estudos no Instituto Nacional de Agronomia de Grignon, França, e reassumir suas funções como professor na Escola Agrícola, Mendes proferiu suas primeiras palestras sobre genética mendeliana nos cursos de agronomia e de zootecnia, este último coordenado por seu ex-aluno Otávio Domingues (1897-1972), que viria a ser um dos divulgadores das leis de Mendel no Brasil e um dos pioneiros na pesquisa de melhoramento genético de animais no país.
As aulas sobre o mendelismo e a nova ciência da hibridização baseavam-se na tese de cátedra de Mendes, apresentada em 1917 como resultado de suas pesquisas nos campos de experimentação da Esalq. Seus estudos lhe permitiram ir além dos clássicos exemplos de transmissão de características em ervilhas para tratar do melhoramento de culturas importantes para a agricultura brasileira, conforme verificou a historiadora da ciência Paula Arantes Habib, da Universidade de Brasília (UnB), ao analisar as cadernetas de aulas e livros com anotações de Mendes. “O ensino e a pesquisa envolvendo as leis da hereditariedade na Esalq podem ser compreendidos como o início da institucionalização da genética no Brasil”, afirma.
Segundo Paula, Mendes reconhecia o mendelismo como uma teoria válida para o melhoramento de plantas. Ainda assim defendia a seleção empírica como sendo a melhor maneira de desenvolver a agricultura brasileira. O pesquisador considerava essa técnica mais simples que a hibridação mendeliana, segundo ele, inviável para a criação e estabilização de variedades satisfatórias de plantas para serem cultivadas em larga escala. A seleção empírica consistia basicamente na escolha e no cruzamento das melhores sementes da colheita. Requeria, para isso, que o selecionador soubesse escolher qual a melhor semente possível do ponto de vista do fenótipo (característica que pode ser visível), e não do genótipo (composição genética). Além disso, essa técnica poderia ser ensinada facilmente aos pequenos agricultores.
Os trabalhos de Mendes na Esalq abriram caminho para que quase 10 anos depois, em 1928, a genética passasse a ser empregada pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) no melhoramento de produtos como café e milho, ou na adaptação de outras sementes, como as de trigo e cevada, ao ambiente brasileiro.
Com a criação da USP, a atividade de pesquisa em genética recebeu um novo impulso. André Dreyfus (1897-1952), médico formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, foi o responsável pela criação de um núcleo de estudos de genética na nova universidade. Sob sua orientação, formaram-se no Departamento de Biologia Geral da USP muitos pesquisadores interessados em citologia e genética, entre eles Crodowaldo Pavan (1919-2009), outro membro importante do grupo que ajudou a institucionalizar a genética no Brasil (ver Especial Crodowaldo Pavan). Anos mais tarde, Dreyfus se articularia com a Fundação Rockefeller para trazer ao país o russo naturalizado norte-americano Theodosius Dobzhansky, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, introdutor do estudo da genética das drosófilas(a mosca-da-fruta) no Brasil.
Em 1936, em um novo esforço de institucionalização da pesquisa em genética no país, a Esalq convidou o geneticista alemão Friedrich Gustav Brieger (1900-1985) para organizar um departamento de genética na instituição. Poucos anos antes, Brieger havia trabalhado no Instituto Kaiser Wilhelm, Alemanha, com Carl Correns, um dos cientistas que redescobriram os escritos de Mendel (ver Pesquisa FAPESP nº 239). Brieger aceitou o convite e, com a ajuda da Fundação Rockefeller, elaborou um ambicioso programa de pesquisa em genética das plantas e um intercâmbio com estudiosos estrangeiros. “Esses cientistas atuaram no debate científico nacional de forma a contribuir para a discussão, divulgação e institucionalização da genética no Brasil”, conclui Paula.
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