Desde setembro de 2015, quando os detectores gêmeos do Observatório Interferométrico de Ondas Gravitacionais (Ligo), situados nos Estados Unidos, registraram pela primeira vez esse tipo de perturbação na curvatura do espaço-tempo previsto por Albert Einstein (1879-1955), os eventos observados e associados à produção de ondas gravitacionais têm sido literalmente explosivos. Eles envolveram sistemas binários longínquos, situados entre 130 milhões e 3 bilhões de anos-luz de distância da Terra, compostos de dois corpos de enorme massa, geralmente um par de buracos negros ou de estrelas de nêutrons. Esses objetos celestes orbitavam em torno de um centro de gravidade e espiralavam progressivamente rumo a uma estrondosa colisão-fusão, da qual resultava a produção de ondas gravitacionais.
Em um artigo publicado em 21 de junho na revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, um trio de astrofísicos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) propõe que a detecção de ondas gravitacionais pode ser útil para descobrir e estudar formações binárias bem menos energéticas e localizadas nas cercanias da Terra, a menos de mil anos-luz de distância: sistemas compostos de uma estrela de massa parecida com a do Sol e de um exoplaneta gigante com período orbital ultracurto. Esse tipo de exoplaneta que apresenta mais massa do que Júpiter, o planeta mais massivo do Sistema Solar, encontra-se quase “colado” a sua estrela e leva aproximadamente uma hora para dar uma volta completa em torno dela. A Terra demora cerca de 365 dias (período que denominamos ano) para circundar inteiramente o Sol.
“Detectores em terra, como o Ligo, não têm resolução para registrar as fracas ondas gravitacionais emitidas por esse tipo de sistema planetário”, explica José Ademir Sales de Lima, da USP, principal autor do estudo. “Mas fizemos os cálculos e constatamos que o Laser Interferometer Space Antenna [Lisa] será capaz de medi-las em alguns casos.” Projeto coordenado pela Agência Espacial Europeia (ESA), o Lisa será o primeiro observatório espacial dedicado a medir ondas gravitacionais. Sua entrada em operação está estimada para a década de 2030. Dos cerca de 2.800 sistemas planetários conhecidos, pouco mais de uma dezena é formada apenas por uma estrela e um exoplaneta de período orbital ultracurto.
Lima e seus colegas Francisco Edson da Silva e João Vital da Cunha, ambos da UFRN, calcularam o provável nível de emissão de ondas gravitacionais de 14 sistemas desse tipo, formados por um exoplaneta de período orbital inferior a 80 minutos. No fim das contas, concluíram que apenas três deles devem emitir ondas gravitacionais em quantidade suficiente para serem captados pelo Lisa: o GP Com b, o V396 Hya b e o J1433 b. Esses exoplanetas apresentam massa de 18 a 57 vezes maior do que a de Júpiter e situam-se a uma distância da Terra entre 245 e 737 anos-luz. Por estarem extremamente próximos a sua estrela, devem ser muito quentes, sem condições de abrigar água líquida. “Como qualquer sistema binário, todo exoplaneta em órbita de uma estrela gera ondas gravitacionais. Contudo, a imensa maioria emite muito pouco e não conseguiremos medi-las”, explica Vital.
Emissão periódica
Comparado com o forte sinal liberado uma única vez pela fusão de dois buracos negros supermassivos ou duas estrelas de nêutrons, o giro de um planeta em torno de uma estrela produz uma quantidade ínfima de ondas gravitacionais, quase imperceptível. A primeira fusão de buracos negros flagrada em 2015 pela colaboração científica Ligo gerou, por alguns milissegundos, ondas gravitacionais com uma potência máxima de 3,6 x 1049 watts (3,6 seguido de quarenta e nove zeros). O Lisa será capaz de medir emissões muito mais tênues do que as registradas pelo Ligo.
Apesar de fraca, a perturbação causada pelas ondas gravitacionais produzidas por sistemas binários com planetas de período ultracurto apresenta uma vantagem observacional, segundo os autores do estudo: suas emissões serão praticamente contínuas, periódicas, em vez de ser um evento forte, porém pontual, que não se repete, como no caso dos registros do Ligo. “Por isso, poderemos acompanhar diariamente as ondas gravitacionais geradas por esses sistemas planetários”, afirma Lima. Enquanto o planeta orbita em torno da estrela, seu sinal de ondas gravitacionais será produzido a um intervalo fixo de tempo e, em tese, medido pelo Lisa. No caso dos planetas cujo ano orbital se resume a uma hora, as ondas poderiam ser registradas dezenas de vezes em um único dia de observação.
Para o astrofísico Odylio Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que faz parte da colaboração científica Ligo, dificilmente será possível descobrir novos exoplanetas por meio da detecção de ondas gravitacionais em sistemas binários mesmo depois da entrada em funcionamento do Lisa. “Os exoplanetas analisados no paper da Monthly Notices vão cair na região da curva de sensibilidade do Lisa chamada binárias galácticas insolúveis”, explica Aguiar. “Nessa região existem tantos sistemas binários na nossa galáxia que a soma de todos os seus sinais vai produzir um fundo de ruído astrofísico que, na prática, tornará quase impossível a descoberta de novos exoplanetas. Será mais fácil confirmar, por meio das ondas gravitacionais, os exoplanetas já identificados por outros métodos.” Segundo Aguiar, com o Lisa, será possível detectar somente exoplanetas que estiverem a poucos anos-luz de distância da Terra e, portanto, fora da região das binárias galácticas insolúveis. Lima e seus colegas estão a par desse problema, mas são mais otimistas com relação ao potencial das ondas gravitacionais na descoberta de certos tipos de exoplanetas.
Projeto
Llama: Um radiotelescópio para ondas mm/sub-mm nos Andes, em colaboração com a Argentina (nº 11/51676-9); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Jacques Lépine (USP); Investimento R$ 32.187.641,01.
Artigo científico
CUNHA, J. V. et al. Gravitational waves from ultra-short period exoplanets. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. 21 jun. 2018.