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Pecuária

Rebanho de fino trato

Pesquisadores produzem bovinos mais precoces para o abate e para a reprodução

Novilhos ganharam peso mais rápido com alimentação e pastagem controladas

Eduardo Cesar

O Brasil possui o maior rebanho bovino comercial do planeta, com cerca de 167 milhões de cabeças de gado, e é o país líder em exportação de carne. São posições de liderança que não demonstram exatamente uma excelência nesse setor. Apesar do sucesso, a produtividade do rebanho brasileiro ainda deixa a desejar. Enquanto nos Estados Unidos e países europeus o gado de corte já está pronto para o abate com menos de 2 anos de idade, no Brasil os animais são abatidos, em média, com 3,5 anos para atingir o peso exigido pelos frigoríficos [de 240 quilos (kg) a 330 kg].

São distorções como essa que levaram duas dezenas de pesquisadores de quatro instituições de pesquisa mergulharem de cabeça num projeto financiado pela FAPESP e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Depois de cinco anos, eles alcançaram alguns bons resultados, entre eles o abate de animais com 244 kg de peso de carcaça (esqueleto com a carne) em um ano e quatro meses e também conseguiram reduzir o tempo do início do primeiro parto das novilhas, de até 4 anos, para a média de 29 meses. São ganhos econômicos para a pecuária que ainda não estão totalmente mensurados. Os pesquisadores estão na fase de coleta e análise de dados.

Outra contribuição é o software Ração de Lucro Máximo gerado a partir de um modelo matemático desenvolvido pelos pesquisadores. Com ele, o produtor descreve o animal e entra com os dados dos alimentos. A partir daí, o programa dá orientações sobre a dieta ideal para a produção de um bovino com as características desejadas. Cerca de 300 criadores, empresas agropecuárias e fábricas de rações já utilizam o programa.

Ciclo completo
“Fizemos um amplo projeto de produção animal, que envolve melhoramento genético, reprodução, nutrição, sanidade, pastagem e genética molecular”, afirma o coordenador do projeto, o engenheiro agrônomo Maurício Mello de Alencar, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, sediada na Fazenda Canchim, no município de São Carlos, em São Paulo. “Vários pesquisadores brasileiros já haviam tratado dessa questão, mas normalmente em trabalhos que focavam fases isoladas do sistema de produção. A novidade desse projeto é que ele procura avaliar o ciclo completo de vida do gado, do momento do nascimento até quando ele está pronto para o abate.”

Os pesquisadores avaliaram animais de diferentes grupos genéticos nascidos do cruzamento de vacas da raça nelore com touros da mesma raça e de outras como canchim, angus e simental. O nelore é um zebuíno (Bos taurus indicus) de origem asiática que domina a pecuária nacional. Estima-se que mais de 80% do rebanho brasileiro seja constituído de animais desta raça e mestiços surgidos a partir dela. Canchim, por sua vez, é uma raça criada no Brasil a partir de zebuínos nelore, indubrasil e guzerá, com touros da raça charolesa, de origem européia (Bos taurus taurus). Ela foi criada no início dos anos 1950 e tem como característica a precocidade de ganho de peso dos novilhos. O angus e o simental também são animais de origem européia.

“Procuramos utilizar raças que representam tipos biológicos distintos para produzir animais diferentes e, a partir daí, poder estudar a fundo suas características”, afirma Alencar. No total, foram usadas no experimento 600 vacas nelores. Com os cruzamentos, feitos por inseminação artificial ou monta natural, procurou-se unir as melhores características das raças zebuínas, conhecidas por sua rusticidade e por se adaptarem facilmente às condições de clima e pastagem do Brasil, e as européias, que sob condições favoráveis de ambiente — clima ameno, baixa infestação parasitária e boa nutrição — são mais produtivas.

Os pesquisadores também decidiram experimentar modos de criação e de alimentação (manejos) diferenciados. Ao invés de adotarem o sistema extensivo de produção, com pequeno número de animais no pasto (média de uma vaca ou boi adultos por hectare), eles optaram pelo regime intensivo, com lotação de cinco cabeças por hectare. Na pecuária extensiva, a mais utilizada no Brasil, os animais ficam no pasto alimentado-se de plantas forrageiras, principalmente das chamadas braquiárias. Trata-se de um sistema que não sofre manejo, adubação ou correção adequados de solo. “Cerca de 40% a 50% dessas pastagens apresentam algum nível de degradação”, diz o agrônomo Luciano de Almeida Corrêa, da equipe de pesquisadores da Embrapa.

Para suportar um número mais elevado de animais no pasto, os pesquisadores precisaram fazer adubação e correção do solo e utilizaram outras espécies forrageiras para a alimentação do gado, como o capim-tanzânia e o capim-braquiarão. “Essas forrageiras apresentaram bons resultados no desempenho animal e na quantidade de animais por área. Dependendo da fertilidade do solo e do nível de adubação, conseguimos colocar até dez animais por hectare durante o período das chuvas”, conta Corrêa.

No período da seca, como a produção de forragem é cerca de 10% a 20% da produção total anual, é feita a suplementação a pasto com silagem de capim. Para aproveitar melhor a forragem produzida, os pesquisadores também empregaram um sistema de pastejo rotacionado. A pastagem é dividida em áreas menores, chamadas de piquetes, fazendo-se a mudança periódica dos animais entre essas marcações.

Esse sistema mostrou-se mais indicado porque garante, principalmente sob adubação intensiva, maior uniformidade e maior eficiência de pastejo do que o sistema contínuo. Além disso, o pastejo rotacionado impediu que o solo fosse compactado com o intenso pisoteio dos animais. “A compactação é eliminada pela adubação e pelo descanso do pasto por cerca de 30 dias”, conta Odo Primavesi, especialista em solos e em nutrição de plantas da Embrapa Pecuária Sudeste.

Para conferir se o manejo diferenciado estava resultando num animal com melhores características de produção, os pesquisadores avaliaram a taxa de crescimento e a composição corporal dos quatro grupos genéticos (nelore, e os cruzamentos canchim-nelore, angus-nelore e simental-nelore). Para isso, foram feitos estudos de conversão alimentar, que é a relação da quantidade de alimento ingerido pelo animal por quilograma de ganho de peso.

A composição desse crescimento foi determinada ao longo da vida do bovino. Essa análise é importante porque a composição do peso – quanto o animal ganha em músculo ou gordura – define as exigências nutricionais do rebanho. “Com essas informações, orientamos os criadores e os fabricantes de rações sobre a composição do alimento que o rebanho precisa receber”, explica o engenheiro agrônomo, especializado em bioquímica nutricional, Dante Pazzanese, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP).

Para chegar aos resultados, foram abatidos mais de 300 animais. Todos os seus tecidos (gordura, músculos etc.) foram analisados. Como os animais foram estudados em diferentes idades, foi possível fazer as curvas de crescimento para cada tecido corporal e a proporção deles no animal em cada idade ou peso. “Estabelecemos um rico conjunto de dados para determinar qual grupo genético é melhor para deposição de gordura ou de músculo e, ao mesmo tempo, geramos informações preciosas sobre a dieta alimentar de cada grupo genético”, afirma Pazzanese.

Os animais resultantes de cruzamentos com a raça angus apresentaram as maiores taxas de ganho e maior precocidade na deposição de gordura. Outro aspecto interessante é que os animais cruzados com angus depositaram gordura intramuscular (marmoreio) mais cedo, sendo que esta carne marmorizada é a que alcança os maiores preços no mercado internacional.

O experimento também mostrou-se útil para os exportadores de carne, uma vez que podem produzir um animal com as características de composição corpórea exigidas por cada país — os japoneses gostam de uma carne extremamente gorda, enquanto os americanos preferem uma carne considerada pelos nossos padrões como gorda e os europeus, uma carne mais magra. “Com os nossos estudos, definimos o peso de abate para cada cruzamento avaliado conforme o mercado para o qual ele se destina. Com isso, os exportadores de carne podem tecer estratégias para atender aos diferentes países compradores”, diz Pazzanese.

Eficiência reprodutiva
Um dos subprojetos da pesquisa refere-se à eficiência reprodutiva das vacas. No Brasil, o início da procriação é inferior à dos animais criados em países com pecuária mais desenvolvida. O objetivo dos pesquisadores, então, foi antecipar a entrada das novilhas na puberdade, a idade do primeiro parto, e reduzir o intervalo entre a primeira e a segunda cria. “Na pecuária de corte, a eficiência da produção está ligada à eficiência reprodutiva”, explica o agrônomo Armando de Andrade Rodrigues, responsável por esse subprojeto. Segundo o pesquisador da Embrapa, as vacas nelores no Brasil têm o primeiro parto, em média, aos 4 anos de idade, período considerado muito tardio. “Nos Estados Unidos e na Europa, as vacas dão a primeira cria por volta dos 2 anos”, diz.

“As duas principais variáveis que determinam a entrada da novilha na puberdade são idade e peso. A alimentação, portanto, tem um papel muito importante na redução do início da idade reprodutiva”, diz o pesquisador. “Verificamos que as fêmeas nascidas de cruzamentos de vacas nelore com touros de outras raças são mais precoces do que as nelores puras. Enquanto essas tiveram, na média, o primeiro cio aos 16,5 meses, as cruzadas de canchim e nelore atingiram a idade reprodutiva aos 14,5 meses, as filhas de simental e nelore, aos 13,4 meses, e as de angus e nelore, aos 12,3 meses”, conta Rodrigues.

Todos os animais receberam o mesmo regime alimentar. No período das chuvas, foram mantidos em sistemas de pastagem rotacional e adubada com forrageiras chamadas de capim-coastcross (Cynodon dactylon) e na época da seca os animais foram suplementados com cana-de-açúcar e uréia. Outro aspecto avaliado pelos pesquisadores foi a idade do primeiro parto. Nesse quesito, observou-se que as vacas nascidas a partir do cruzamento de angus com nelore e simental com nelore foram as mais precoces. Elas deram cria, em média, aos 29 meses.

Os animais canchim-nelore tiveram o primeiro parto aos 32 meses e os nelores puros com quase 37 meses. Os oito meses de diferença entre o nascimento da primeira cria dos animais cruzados e dos nelores puros representam um ganho considerável na eficiência reprodutiva e, ao mesmo tempo, uma substancial redução nos gastos do criador com o rebanho.

Estudo semelhante ao realizado com as fêmeas foi feito com os machos. Nesse caso, o que se buscou foram alternativas para produzir, mais cedo, carne de qualidade a partir de bovinos jovens. “Para reduzir a idade de abate no Brasil, é fundamental melhorar a nutrição dos animais, seja por meio da qualidade da pastagem, seja do alimento fornecido no cocho nos meses de seca”, explica o pesquisador Geraldo Maria da Cruz, da Embrapa, especialista em nutrição animal. O padrão médio de abate de bovinos no país é de 3,5 anos (cerca de 42 meses) e 17 arrobas (255 kg) — os frigoríficos exigem de 16 a 22 arrobas (de 240 a 330 kg).

“No nosso projeto houve uma melhora muito grande em relação à média nacional”, conta Cruz. Os bois nelores puros atingiram 16,3 arrobas (244,5 kg) aos 16 meses e os canchins-nelores chegaram a 19,3 arrobas (289 kg) com 16 meses. Já os angus-nelores estavam pesando 20 arrobas (300 kg) aos 15 meses e os simentais-nelores, 21 arrobas (315 kg) aos 16 meses.Os pesquisadores também avaliaram duas alternativas de manejo: confinar os bezerros e dar alimentação no cocho ou fornecer uma pequena suplementação no próprio pasto. No caso dos animais que foram direto para o confinamento, a média dos quatro grupos genéticos foi de 15,6 arrobas (234 kg) aos 13 meses. Entre os que foram mantidos no pasto, 16,7 arrobas (250,5) aos 20 meses. “Em todas as situações, a melhora da idade de abate é evidente.”

Genética molecular
O projeto também incluiu pesquisas genéticas com os animais dos quatro grupos. “Fizemos estudos de DNA dos animais usados como reprodutores para tentar identificar quais gerariam filhotes heteróticos ou mais heteróticos para as características desejadas”, afirmou a médica veterinária Luciana Correia de Almeida Regitano, da Embrapa. Filhotes heteróticos são aqueles que têm peso de abate, ganho diário de peso, início da idade reprodutiva ou peso ao desmame superiores às médias dos pais. Nesse estudo foram analisados dez marcadores moleculares de cerca de 730 animais.

“Trabalhamos com um número restrito de animais e marcadores moleculares, mas obtivemos bons indicativos de que existe uma relação direta entre a distância genética dos pais e a heterose dos bezerros”, afirma a pesquisadora. Assim, quanto mais diferentes forem os perfis genéticos da vaca e do touro (como diferenças raciais e de linhagens), maioré a probabilidade os bezerros terem melhor desempenho do que os pais.

Além de todos esses resultados, o projeto foi importante na difusão de tecnologias e na formação de recursos humanos. Durante os quatro anos de atividade, mais de uma centena de estudantes de cursos médios e universitários, ligados às áreas biológicas e de ciências agrárias, realizaram estágios nos vários experimentos desenvolvidos na pesquisa. Foram também realizados dias de campo e palestras para produtores.

O projeto contou ainda com os pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal e do Instituto de Zootecnia do Estado de São Paulo de Nova Odessa e de Sertãozinho, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo de Pirassununga e a colaboração da Prefeitura Municipal de São Carlos.

Projeto
Estratégias de cruzamentos, práticas de manejo e biotécnicas para intensificação sustentada da produção de carne bovina (nº 98/03761-0); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Maurício Mello de Alencar – Embrapa Pecuária Sudeste; Investimento R$ 433.333,20 (FAPESP).

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