Uma guinada na linha de produção e o arrojo para pesquisar e desenvolver um produto mais adequado às necessidades do mercado foram os dois principais motivos que levaram a Mextra, uma pequena empresa de engenharia especializada no processamento de metais, a alcançar a posição de liderança na fabricação de pastilhas com produtos metálicos usadas na produção das ligas de alumínio. Com sede no município de Diadema, na Grande São Paulo, a companhia deve atingir em 2004 um faturamento de US$ 6 milhões, praticamente o dobro do ano passado, com 60 funcionários. Parte dessa receita é proveniente de vendas para o mercado externo. “Aproximadamente 30% do volume de produção, estimada em 200 toneladas mensais, é comercializado para cerca de 20 clientes no exterior. Embora tenhamos 26 anos de atuação no mercado, faz apenas seis anos que criamos a linha de fabricação de pastilhas. Devemos a ela o formidável crescimento da empresa”, afirma o engenheiro metalurgista Ivan Calia Barchese, um dossócios da Mextra.
Pastilhas portadoras de elementos de liga – também chamadas de pastilhas endurecedoras – são fundamentais para a fabricação da grande maioria de produtos de alumínio, como janelas residenciais, utensílios domésticos e até asas de avião. Essa interação é importante porque o alumínio é um material naturalmente maleável e para aumentar sua resistência mecânica é necessário adicionar os tais elementos de liga.
Os mais comuns são ferro, cobre, cromo, manganês e titânio. “Feitas de pós prensados ou compactados, essas pastilhas são semelhantes às efervescentes de vitamina C em tamanho gigante (medem 85 milímetros de diâmetro e 40 de espessura e pesam cerca de 1 quilo) que, adicionadas ao alumínio em estado líquido, se dissolvem conferindo a ele novas propriedades mecânicas”, afirma o engenheiro metalurgista Lucio Salgado, pesquisador-colaborador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
Inovacão em pastilhas
Para ganhar mercado e firmar-se como líder do segmento, o pulo-do-gato da Mextra foi inovar o processo de fabricação dessas pastilhas compostas de dois elementos metálicos. No lugar de fazer uma pastilha a partir da mistura de dois pós distintos (por exemplo, de ferro e de alumínio, que é a mais procurada do mercado), a empresa investiu na pesquisa e na elaboração de um novo processo para obtenção de um pó pré-ligado, que já contivesse em sua estrutura final os dois elementos. “A partir da fusão de sucatas de aço e de alumínio e de um processo chamado atomização, produzimos as pastilhas na composição desejada e não precisamos mais utilizar pós comprados no mercado”, conta Ivan Barchese. “Desenvolvemos um produto adequado do ponto de vista ambiental, uma vez que usamos material reciclado, e com custo de produção inferior ao do vendido no mercado. Além disso, as pastilhas têm qualidade superior, porque as propriedades do pó, como tamanho e composição química do grão, podem ser mais bem controladas, já que sua fabricação é feita por nós.”
O desenvolvimento do pó pré-ligado com ferro e alumínio só foi possível com o apoio financeiro da FAPESP por meio do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). O trabalho contou com a fundamental participação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), que domina a tecnologia do processo de atomização de pós metálicos. “Atomização é um processo semelhante à pulverização. A liga metálica fundida de ferro e alumínio é pulverizada e transformada em pó, já na composição adequada”, diz o pesquisador Salgado, que foi o coordenador do projeto PIPE.
“Embora o processo de atomização seja conhecido e dominado em escala comercial desde os anos 1940, até hoje nenhuma empresa do mundo tinha feito uma liga de ferro e alumínio por esse método”, conta Salgado. Em função do ineditismo do produto em nível mundial, as pastilhas da Mextra, na proporção 90% de ferro e 10% de alumínio, e o processo de produção resultaram em patentes depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e também em outros dois países: Estados Unidos e Venezuela, onde estão os principais clientes da empresa. A Mextra deve depositar, em breve, patentes em outros países.
“O primeiro passo do processo de produção das pastilhas é a escolha da sucata, que deve ser composta de aço com teores mínimos de carbono”, diz Salgado. Também não é desejável que ela tenha impurezas de outros elementos, principalmente cobre, cromo, níquel e silício. Feita a seleção, a sucata, cuja tonelada é vendida por cerca de R$ 500, é fundida em um forno a indução (o aquecimento é direto no metal e não nas paredes do forno) e aquecida até uma temperatura da ordem de 1.700°C.
Depois que o metal toma a forma líquida, ele escorre para uma grande panela vazada através da qual se produz um filete líquido com cerca de 12 milímetros de diâmetro. Com o uso de um dispositivo chamado bocal de atomização, esse filete é bombardeado por um jato de água de alta pressão, levando à sua pulverização e produzindo o pó. “O choque da água com o filete em estado líquido leva a uma fragmentação do metal”, afirma Salgado. “Para controlar o tamanho e a morfologia das partículas, os principais parâmetros a serem observados são pressão e vazão da água, temperatura do metal líquido e diâmetro do filete”, diz ele.
De acordo com Barchese, o processo de fabricação do pó metálico por atomização está praticamente concluído. “Por enquanto, a nova pastilha de ferro e alumínio é colocada no mercado em pequena quantidade. Estimamos que já foram produzidas cerca de 20 toneladas do produto. No momento estamos adequando algumas etapas da produção para atender os clientes de forma mais ampla”, diz Barchese. A Mextra investiu cerca de R$ 2 milhões na montagem de uma planta industrial para a fabricação do pó atomizado. No futuro, a empresa terá capacidade de produzir 400 toneladas por mês da pastilha com material reciclado. “Além do produto inovador, o processo também é uma novidade, pois todo o maquinário foi desenvolvido ao longo do desenvolvimento do PIPE, que deve ser concluído em abril do próximo ano”, informa Barchese. “Acreditamos que dentro de dois anos nossa pastilha pré-ligada entrará de vez no mercado.”
Clientes no exterior
Atualmente, a Mextra tem em seu portfólio de clientes os principais produtores de alumínio do país, como as indústrias Alcoa, Alcan, Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), BHP Billiton e Valesul, uma subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce. “A Alcoa, por exemplo, só compra pastilhas de ferro produzidas por nós. Entre as várias aplicações do pó prensado que vendemos para eles está a produção de folhas finas de alumínio para embalagens, conhecidas como tetrapak. Esse é um material muito sofisticado e a pastilha empregada precisa ser de boa qualidade, caso contrário a lâmina de alumínio pode ficar com impurezas e romper durante o processamento”, explica Barchese. No exterior, a Mextra vende seus produtos para fábricas dos Estados Unidos, Canadá, México, Espanha, França, Colômbia, Venezuela, Argentina, Taiwan e países do Oriente Médio. Um contrato firmado recentemente com a Alcan visando a exportação para a Europa prevê a entrega de pós metálicos produzidos por atomização.
A parceria com o IPT para o desenvolvimento do pó atomizado foi a segunda firmada entre a Mextra e o centro de pesquisas paulista. Antes dela, a empresa já tinha recorrido, em 2000, ao Programa de Apoio Tecnológico à Exportação (Progex), promovido em conjunto com o IPT, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de São Paulo e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia. “Naquela ocasião, estávamos pretendendo disputar o mercado internacional e sabíamos que precisávamos ter um produto com qualidade e preço competitivo.
Procuramos o IPT para nos ajudar a aperfeiçoar nossas pastilhas, que naquela ocasião já eram exportadas para uma empresa venezuelana. A parceria incluía a realização de estudos de compactação das pastilhas sem perda de eficiência. Isso significa que elas não podem ser duras demais, pois nesse caso levam muito tempo para se dissolver no alumínio líquido, nem muito frágeis, pois correm o risco de se esfarelar durante o transporte”, conta Barchese. Os bons resultados desse trabalho conjunto serviram para iniciar as pesquisas visando ao desenvolvimento das pastilhas pré-ligadas de ferro e alumínio.
A Mextra foi criada em 1978 pelo engenheiro Eduardo Barchese, pai de Ivan, que decidiu colocar em prática sua tese de doutorado defendida na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) sobre a transformação de minérios em metais por meio de uma técnica chamada aluminotermia (obtenção de altas temperaturas por meio do calor gerado em reações químicas entre o alumínio em pó e óxidos metálicos). Montou uma empresa pequena focada na fabricação de metais e ligas metálicas dirigidas para os mercados de fundição e siderúrgico. Eduardo Barchese também foi professor na Poli-USP e na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI).
Aços especiais
Hoje a indústria está estruturada em três diferentes setores. A Divisão Cromo fabrica óxido de cromo verde, produto utilizado como matéria-prima na fabricação de refratários especiais e como pigmento verde na indústria cerâmica. Essa mesma divisão é responsável pela fabricação de cromo metálico, metal que a Mextra foi pioneira na fabricação no Brasil, e carbeto de cromo, ambos empregados na produção de eletrodos e aços especiais que exigem propriedades metalúrgicas superiores, tais como resistência mecânica à abrasão e à corrosão. Outro setor da empresa é a Divisão de Serviços Especiais, que oferece serviços de moagem, classificação de metais e desenvolvimento de ligas metálicas de acordo com as necessidades do cliente. Esse mesmo setor beneficia ferro ligas, manganês em escama ou pó e ligas de alumínio.
A terceira divisão é a de pastilhas de elementos de liga para alumínio. Essa linha de produtos, o carro-chefe da empresa, foi batizada de Mextral. Além das pastilhas de pó de ferro e alumínio atomizado, a empresa oferece ao mercado outras quatro pastilhas, produzidas a partir da mistura de diferentes pós metálicos (cromo, manganês, cobre ou titânio). Todas, exceto a de ferro, têm em sua composição de 10% a 25% de pó de alumínio e cada uma confere uma propriedade diferente ao alumínio. As pastilhas de ferro, por exemplo, aumentam a resistência mecânica do material à temperatura elevada, enquanto as de cromo reduzem a corrosão sob tensão. As pastilhas de manganês e cobre elevam a dureza do alumínio, ao passo que as de titânio melhoram as propriedades mecânicas em geral.
Os bons resultados comerciais da Mextra, que possui um sistema de qualidade baseado na certificação ISO 9001:2000, levaram a uma expansão da empresa, que deverá inaugurar até o início do próximo ano uma nova unidade fabril na cidade de Taubaté, na região do Vale do Paraíba, em São Paulo. A construção da fábrica, orçada em R$ 3 milhões, contou com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Quando começar a funcionar, a instalação de Diadema ficará voltada para a fabricação de pastilhas pré-ligadas de ferro e de alumínio. “Estamos otimistas com o futuro da empresa. Fabricamos um produto global e estamos certos de que, com os investimentos que temos feito nos últimos anos, iremos cada vez mais ocupar um lugar de destaque no mercado internacional”, diz Barchese.
O Projeto
Produção de pós-metálicos, pré-ligados por atomização para aplicação na fabricação de pastilhas para adição de elementos de liga em banhos metálicos de alumínio (nº 01/03209-0); Modalidade Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE); Coordenador Lucio Salgado – Ipen-Mextra; Investimento R$ 373.600,00 (FAPESP)