O compartilhamento de dados obtidos por laboratórios de diferentes países por meio de uma rede colaborativa tem ajudado a prolongar a sobrevida de pacientes de países da América Latina com leucemia promielocítica aguda (LPA), tipo raro e agressivo de câncer do sangue e da medula óssea. No Brasil, a troca de dados e experiências clínicas com laboratórios da Europa e dos Estados Unidos, levada a efeito por pesquisadores de várias universidades do país, conseguiu reduzir em quase 50% os índices de mortalidade precoce em pacientes com LPA, entre os anos de 2006 e 2010. Os detalhes desse trabalho em rede foram publicados na edição de janeiro da revista Blood.
De acordo com Eduardo Rego, autor principal do artigo e coordenador do projeto no Brasil, a LPA é uma variedade de câncer altamente curável em pacientes de países desenvolvidos, graças a uma terapia que combina o uso do ácido all-trans-retinóico com quimioterapia baseada em uma classe de drogas denominada antracíclicos. No estudo, Rego e sua equipe mostraram que outra droga (a daurorrubicina), da mesma classe, mais barata e facilmente encontrada no mercado brasileiro por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), pode alcançar resultados similares.
“Nosso protocolo de tratamento no Brasil é idêntico ao espanhol, que usa a idarrubicina no tratamento da LPA”, conta o pesquisador, ligado ao Centro de Terapia Celular do Hemocentro de Ribeirão Preto. “Em nosso estudo, contudo, verificamos que a daurorrubicina – outra droga da mesma família do medicamento usado na Espanha – produziu praticamente os mesmos índices de remissão completa apresentados pelos pacientes daquele país”. Assim, afirma Rego, o uso da daurorrubicina, somada ao método de imunofluorecência para detecção da proteína PML – resultado da mutação genética que dá origem às células da leucemia –, permite diagnosticar pacientes com LPA mais rapidamente, diminuindo, dessa forma, os índices de mortalidade após o diagnóstico.
Uma das características da LPA no Brasil é o elevado índice de mortalidade em decorrência de seu diagnóstico tardio, quando a doença já está em estágio avançado. Nos países desenvolvidos, onde o diagnóstico é mais rápido, somente 6% dos pacientes morrem nos primeiros 30 dias e a sobrevida global em três anos é de quase 90%. “Antes da formação do intercâmbio de dados clínicos o índice de mortalidade no primeiro mês após o diagnóstico era de aproximadamente 30%. Com a experiência e a estratégia adotadas pelo consórcio esse número caiu pela metade. Verificamos ser possível chegar a uma taxa de sobrevida de 80%”, explica o hematologista.
Esse foi o primeiro modelo de estudo em países em desenvolvimento, entre eles Uruguai, México e Chile, em forma de consórcio em hematologia. No Brasil, o estudo foi desenvolvido no âmbito de um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP, o Centro de Terapia Celular, coordenado pelo professor Marco Antonio Zago, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. A pesquisa também recebeu auxilio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Segundo o pesquisador, a LPA foi escolhida para objeto do consórcio, entre outras razões, por apresentar maior ocorrência na América Latina. Além disso, seu diagnóstico rápido e eficaz pode fazer toda a diferença para a sobrevida do paciente. “Queríamos também uma doença por meio da qual pudéssemos provar a efetividade de um método de trabalho de pesquisa em rede”, acrescenta.
Os pesquisadores pretendem ampliar a iniciativa para outros países da América Latina, como Peru e Paraguai, onde já foram iniciados os treinamentos dos profissionais de saúde para análise de dados e condução de procedimentos clínicos. “Esperamos continuar a integrar educação e networking a fim melhorar ainda mais os resultados e possivelmente ampliar esse modelo para outras doenças. Nosso próximo desafio será melhorar o prognóstico dos pacientes com leucemia mieloide aguda”, conclui.
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