Um relatório sobre saúde infantil lançado pelo governo dos Estados Unidos continha estudos inexistentes em suas referências bibliográficas. Produzido pela comissão Maha (Make America Healthy Again, algo como Faça a América Saudável Novamente), o documento mencionava artigos fictícios sobre saúde mental, tratamento de crianças com asma e publicidade direta ao consumidor de medicamentos. “Fico preocupada com o rigor do relatório quando vejo que práticas de citação básicas não estão sendo seguidas”, disse ao jornal The New York Times a epidemiologista Katherine Keyes, pesquisadora da Universidade Columbia, mencionada como autora de um artigo sobre saúde mental e uso de substâncias entre adolescentes que ela jamais escreveu – e que parece também não ter sido escrito por ninguém.
Outra referência falsa envolveu um artigo que apontava excesso de prescrição de corticosteroides orais para crianças com asma. O suposto primeiro autor do estudo, o pneumologista pediátrico Harold J. Farber, disse ao site de notícias Notus que não escreveu o artigo citado nem trabalhou com os coautores listados. Ele reconheceu ter conduzido uma pesquisa sobre o tema, circunscrita a dados de 2011 a 2015 de um programa de assistência médica do estado do Texas, mas diz que as conclusões do relatório são uma “generalização exagerada” dos resultados que alcançou.
O relatório também citava um artigo supostamente publicado na revista Lancet em 2005 sobre publicidade direta ao consumidor de medicamentos. O paper não existe, mas um trabalho com conclusões semelhantes foi publicado em 2000 no Journal of the American Medical Association (Jama) – não se tratava, porém, de um artigo, mas de um texto opinativo assinado por outro especialista, Robert Kravitz.
Uma semana após a publicação do relatório, o governo divulgou uma nova versão, corrigindo a bibliografia. A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, foi questionada em uma entrevista coletiva se o relatório havia sido feito com a ajuda de algum programa de inteligência artificial generativa – há precedentes de fabricação de referências por programas como o ChatGPT –, mas encaminhou a pergunta ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos, comandado pelo secretário Robert Kennedy Jr. A porta-voz do departamento, Emily Hilliard, não respondeu à indagação e tentou minimizar o problema, classificado por ela como “pequenos erros de citação e formatação”. Ela afirmou que “a essência do relatório da Comissão Maha permanece a mesma — uma avaliação histórica e transformadora do governo federal para compreender a epidemia de doenças crônicas que aflige as crianças do nosso país”.
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