Entrevista: Cléo Leite
Estima-se que a piramboia tenha surgido há cerca de 400 milhões de anos. O animal pertence a um grupo de peixes com pulmões que, do ponto de vista evolutivo, teria dado origem aos tetrápodes, grupo de vertebrados terrestres com quatro membros e pulmões que incluem animais como anfíbios, repteis, aves e mamíferos, como ratos, cães e primatas ancestrais do ser humano. Por possuir características muito primitivas, a espécie é considerada pelos biólogos um “fóssil vivo”.
Alongada como uma serpente, a piramboia vive em regiões pantanosas que secam nos períodos de estiagem. Alimenta-se de pequenos animais e algumas plantas. Apesar de possuírem brânquias, como os outros peixes, esses animais com frequência precisam subir à superfície para respirar. Durante as secas, ela deixa de lado sua respiração branquial e se enterra na lama, passando meses sem contato com a água, respirando apenas por meio de seu pulmão. A piramboia também tem um coração sofisticado em comparação a outros peixes, com uma divisão interna que separa parcialmente o sangue rico em oxigênio do rico em gás carbônico.
Todos esses fatores levaram um grupo internacional de pesquisadores, liderado biólogo Cléo Leite, do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), interior paulista, a analisar as características estruturais e funcionais do sistema respiratório das piramboias. O objetivo era compreender o papel do sistema nervoso autônomo — responsável por controlar funções como respiração, circulação do sangue, temperatura e digestão — na regulação da atividade cardiorrespiratórias desse peixe pulmonado.
Os pesquisadores monitoraram continuamente a frequência cardíaca, a respiração e a taxa de absorção de oxigênio do animal e verificaram a presença de variações da frequência cardíaca a cada respiração, o que gerava a arritmia sinusal respiratória. “Esse ajuste melhorava a obtenção de oxigênio a cada respiração do animal”, explica Leite.
Eles também identificaram todo um arranjo de neurônios que controlam o sistema respiratório e o coração da piramboia que é similar aos dos mamíferos, além da presença de nervos com bainhas de mielina, que garantem o rápido transporte de informação entre o sistema nervoso e o coração. Até então, pensava-se que todas essas características e mecanismos de regulação cardiorrespiratória era exclusivo dos mamíferos.
“Isso mostra que esses peixes dispõem de características estruturais e funcionais que controlam a arritmia sinusal respiratória”, explica Leite. Segundo ele, os resultados ampliam a compreensão sobre a origem evolutiva dos processos de controle cardíaco e respiratório nos vertebrados e que sistemas avançados como os dos mamíferos podem ser muito primitivas.
Artigo científico
MONTEIRO, D. A. et al. Cardiorespiratory interactions previously identified as mammalian are present in the primitive lungfish. Science Advances. v. 4, n. 2, p. 1-11. fev. 2018.