Imprimir PDF Republicar

Resenha

Um tour de force erudito

Clássico sobre jesuítas está de volta

Por 18 anos, entre 1932 e 1950, o padre Serafim Leite (1890-1969) escreveu sua História da Companhia de Jesus no Brasil. Nascido em Portugal, o historiador veio para o Brasil ainda rapaz, aos 15 anos, onde entrou para a Companhia. Por indicação do provincial, envolveu-se na escrita da sua história. Em dez volumes, mais de 5 mil páginas, desfia-se a crônica da presença dos jesuítas no Brasil, desde a chegada de Manuel da Nóbrega, nas naus que trouxeram o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, em 1549, até o ano de 1759, data da expulsão definitiva da ordem das colônias portuguesas na América.

Apesar de fundamentada em rigorosa pesquisa documental e em impressionante erudição, muito tem se alertado para as limitações resultantes na obra em razão do engajamento evidente de seu autor. A História da Companhia de Jesus no Brasil foi escrita tendo por base quase que apenas os documentos da própria ordem religiosa, o que lhe limita o alcance interpretativo. Mais ainda, em razão da posição de seu autor, mantém um formidável e confesso sentido apologético. Ao longo destes dez volumes, Serafim Leite aborda a história da Companhia nas suas mais diversas dimensões, sempre para louvar e escusar seus colegas jesuítas. Os tomos I e II nos contam o estabelecimento da ordem e sua obra no século 16. Do tomo III ao VI, relata a catequese, a atividade nos aldeamentos, as realizações intelectuais dos missionários durante os séculos 17 e 18. O recorte é espacial, sendo cada capitania tratada em capítulos específicos. O tomo VII trata de alguns aspectos mais gerais dos governos da província e do magistério nestes dois séculos. Por fim, os tomos VIII e IX trazem, em “suplemento biobibliográfico”, um levantamento minucioso dos escritores jesuítas do Brasil, com informações sobre suas vidas e indicações exaustivas de seus textos, impressos ou não. O último tomo traz os índices e sumários, exaustivos e muito eficientes. Como se vê, obra de uma vida.

Foram precisos mais de meio século para que alguém se interessasse na reedição desta obra fundamental. Com efeito, por iniciativa da própria Companhia, sua História sai agora, revisada e ampliada, em quatro volumes, num total de 2.212 páginas, acompanhada de um CD-Rom que inclui os mapas, desenhos, cartas e plantas da primeira edição. O coordenador da reedição é o Pe. César Augusto dos Santos, vice-postulador da causa de canonização de Anchieta (aquele que foi autor do hoje esquecido poema indianista De Gestis Mendi de Sa). Como na primeira, esta sai com o apoio do governo, ou melhor, da Petrobras. Pelo que consta, foi ampliada em mais de 140 fotografias, resultado da pesquisa laboriosa do fotógrafo e artista plástico David Dalmau. Para além do que cabe ao interesse da própria Companhia, é fato que o apoio é mais que justificado, uma vez que esta reedição é sem dúvida um grande serviço aos estudos históricos. A História de Serafim Leite é um esforço ímpar de erudição, uma fonte de informações, algumas delas ainda exclusivas aos membros da ordem que puderam ter acesso aos documentos de forma integral. Não obstante seu tom apologético, muito há nessas imensas páginas que nos permite melhor compreender a sociedade, a cultura, a vida, enfim, do Brasil nos tempos da colonização.

O que significa, porém, uma edição “ampliada e revista?” Cabe o julgamento a quem pôde folhear um exemplar. O que não foi o meu caso e me coloca na bizarra situação de resenhar uma obra sem poder vê-la. Triste é notar que, como a primeira edição, o livro continuará tão raro e de tão difícil acesso. Para o nosso espanto, apesar do apoio financeiro, o preço desta edição ficou um pouco salgado, para não dizer impeditivo: R$ 1.400,00. Bem, espero que, ao menos, alguns exemplares acabem nas bibliotecas públicas (Dos 1300 exemplares da edição, 750 serão doados, principalmente para bibliotecas públicas e universitárias).

Pedro Puntoni é professor de história do Brasil da USP e pesquisador do Cebrap.

Republicar