Duas empresas paulistas desenvolveram equipamentos para terapia intensiva que estão sendo vendidos para hospitais do Brasil e do exterior. Uma delas é a Timpel, cujo nome é um acrônimo do produto que criou, um tomógrafo por impedância elétrica (TIE) usado para possibilitar ventilação de precisão a pacientes que respiram com a ajuda de ventiladores mecânicos ou pulmonares. A outra é a Magnamed, que fabrica dois tipos de ventiladores pulmonares, um para unidades de terapia intensiva (UTI) e outro para transporte de emergência de pessoas com dificuldades respiratórias.
O tomógrafo da Timpel se vale da diferença de resistência a uma corrente elétrica em determinada voltagem (impedância) que existe entre as várias partes do corpo. Para fazer o diagnóstico, uma cinta com 32 eletrodos é colocada em volta do tórax do paciente e ligada a um monitor. Pulsos elétricos de baixa intensidade atravessam o corpo do indivíduo e encontram diferentes resistências no percurso. Isso permite que o médico saiba a quantidade de ar que entra no tórax e para onde está indo. “O sangue conduz bem a eletricidade”, explica o médico Carlos Carvalho, diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), que participou das pesquisas clínicas para a criação do tomógrafo.
O profissional pode observar no monitor se o ar se dirige para os dois pulmões, o que é bom, ou apenas para um, situação que pode causar complicações. É possível controlar melhor o volume, a pressão e o fluxo de oxigênio injetado, melhorando o prognóstico e diminuindo os riscos de lesão pulmonar, com a possibilidade de tratamento individualizado para cada paciente. “Cerca de 40% dos pacientes internados em UTI necessitam de respiração artificial e, desses, 40% morrem por causa de complicações causadas pelo procedimento”, informa o pneumologista Marcelo Britto Passos Amato, da FM-USP, que também participou dos estudos clínicos que levaram à criação do TIE. “Nosso objetivo é reduzir esses índices.”
Dos dois equipamentos desenvolvidos pela Magnamed, o primeiro foi o OxyMag, um ventilador pulmonar (respirador artificial) portátil para pacientes transportados em qualquer tipo de UTI móvel. “O dispositivo ajuda médicos e paramédicos a agirem de forma mais rápida em momentos de emergência”, diz o engenheiro eletricista Wataru Ueda, presidente da empresa. “O OxyMag é leve, com apenas 3,25 quilos, de fácil manuseio, com display colorido touch screen e bateria com mais de seis horas de duração. Com esse aparelho é possível ventilar pacientes neonatais com extremo baixo peso, pediátricos e adultos.”
Produto da pesquisa
O FlexiMag, por sua vez, é um ventilador pulmonar para ser usado em UTI. O equipamento capta a falta de estímulo respiratório: ao sentir que o paciente não inspirou, faz esse trabalho por ele, forçando a respiração. “O aparelho responde rapidamente à dificuldade do paciente e oferece maior controle da ventilação, porque o médico pode ver na tela o volume, a pressão e a distribuição do ar nos pulmões”, informa Ueda.
Novas estratégias em ventilação artificial começaram a ser desenvolvidas por meio de um projeto de pesquisa que teve financiamento da FAPESP, liderado por Amato, entre 2002 e 2008 (ver Pesquisa FAPESP nº 151). Essas estratégias evidenciaram a necessidade de um equipamento que permitisse a visualização em tempo real e a individualização do tratamento. “No começo não pensávamos que o trabalho iria resultar num produto”, lembra. “Quando percebemos que isso era possível, criamos a Timpel, em 2004.” Faziam parte da empresa, incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), na Cidade Universitária em São Paulo, pesquisadores da Faculdade de Medicina, da Escola Politécnica (Poli) e do Instituto de Matemática e Estatística (IME), todos da USP.
A Timpel logo fechou uma parceria com a Dixtal Biomédica, empresa especializada em equipamentos médicos hospitalares, para o desenvolvimento do tomógrafo, que durou cerca de quatro anos. “Em 2008, essa empresa foi comprada pela Philips, que não quis adquirir o projeto do TIE porque ele ainda estava em desenvolvimento”, conta Carvalho. “Conseguimos alguns investidores para a Timpel produzir o equipamento.”
Embora tenha começado a ser usado em caráter experimental por pacientes da UTI respiratória do Hospital das Clínicas da FM-USP e do InCor, em 2006, a comercialização do TIE só teve início em 2015. “Até agora no Brasil vendemos mais de 60 equipamentos para hospitais privados, públicos e universitários”, conta o engenheiro eletricista Rafael Holzhacker, diretor da Timpel. “Temos uma rede de distribuição estabelecida no Brasil. No exterior, abrimos a Timpel Medical, com sede na Holanda, para facilitar a logística e suporte próximo ao cliente. Já obtivemos a marca CE, para comercialização no mercado europeu, e temos compradores na Espanha, Alemanha, França e Suécia, além de Peru, Chile, Estados Unidos e Canadá, esses dois últimos por enquanto restritos à pesquisa, dada a restrição regulatória.” O faturamento da empresa em 2016 foi de R$ 972 mil e nos seis primeiros meses deste ano atingiu R$ 1,1 milhão.
A história da Magnamed começou na garagem da casa da mãe de Ueda, onde ficou por seis meses em 2005. Depois, em sociedade com o engenheiro mecânico Tatsuo Suzuki e o engenheiro eletricista Toru Kinjo, ele elaborou o plano de negócio. “No ano seguinte, o projeto foi selecionado para integrar o Cietec”, lembra Ueda. “Lá, fizemos a pesquisa e o desenvolvimento do produto, colocando em prática a ideia de negócio. Foram dois anos de incubação, com pesquisas financiadas por agências como FAPESP, CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e Finep [Financiadora de Estudos e Projetos].”
O fundo de investimentos de capital semente Criatec, mantido com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), fez também um aporte no negócio. Ao todo, R$ 5 milhões foram investidos na Magnamed naqueles anos. “Esse financiamento deu um novo fôlego ao negócio, que já se encontrava sem recursos para continuar o desenvolvimento dos produtos”, revela Ueda. “No fim de 2008, o OxyMag estava finalizado e a primeira fábrica da Magnamed foi montada em Cotia (SP).” O aparelho começou a ser comercializado em 2010, e o FlexiMag, em 2013.
Até agosto deste ano foram vendidos cerca de 5 mil equipamentos. “Em 2011, 70% do volume de vendas da Magnamed era de exportações”, informa Ueda. “Hoje, o quadro se inverteu: 70% das vendas de um faturamento de R$ 34 milhões em 2016 foram no mercado brasileiro.” A empresa foi a fornecedora oficial dos equipamentos de ventilação de emergência da Olimpíada do Rio de Janeiro de 2016 e exporta para mais de 50 países, especialmente para a América Latina e Sudeste Asiático.
Mercado de equipamentos
Nenhuma das duas empresas está sozinha nos respectivos mercados dos aparelhos que desenvolveram. “Temos concorrentes grandes e de peso no Brasil e no mundo”, diz Ueda. “Mas o FlexiMag tem resposta mais rápida. Já o Oxymag é muito versátil e um dos mais leves do mercado. Além disso, utiliza um sistema, patenteado pela Magnamed, que garante um melhor funcionamento, evitando falhas e reduzindo os custos de manutenção.”
No caso da Timpel, Holzhacker afirma que a empresa é pioneira no desenvolvimento do tomógrafo por impedância elétrica e possui mais de 50 patentes depositadas nos principais países do mundo, protegendo aspectos fundamentais da tecnologia. “Há outras duas companhias no mundo que desenvolveram aparelhos semelhantes, uma na Alemanha e outra na Suíça”, conta. Agora, a empresa está trabalhando para dar um grande passo para aumentar o seu mercado. Ela busca a aprovação da Food and Drug Administration (FDA), a agência federal que controla o uso de alimentos, medicamentos e dispositivos médicos nos Estados Unidos. “Dado o nível de inovação e potencial clínico do tomógrafo por impedância elétrica, desde o princípio nós tivemos um foco de internacionalização, desenvolvendo projetos de colaboração científica com centros de diversos países, incluindo os Estados Unidos”, explica Holzhacker. “O FDA é fundamental para que a Timpel consiga acessar o mercado norte-americano, que representa mais de 40% do mercado mundial.”
A dificuldade é que, como nenhuma empresa até hoje comercializou equipamento semelhante naquele país, o FDA trate o tomógrafo por impedância elétrica como uma inovação. “Por isso, a rota de aprovação é mais complexa do que seria o processo de equipamentos médicos já tradicionalmente usado”, diz Holzhacker. “Os documentos técnicos do TIE foram elaborados e submetidos, e ainda há interação com os especialistas do FDA em questões como usabilidade, entre outros itens que estão sendo resolvidos para que o equipamento seja aprovado.”
Projetos
1. Ventilador pulmonar eletrônico neonatal com ventilação de alta frequência (nº 09/52357-4); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Toru Miyagi Kinjo (Magnamed); Investimento R$ 71.643,27.
2. Aquisição de sinal com alta resolução e processamento paralelo para reconstrução de imagens em tomografia por impedância elétrica. (FAPESP – Pipe/Pappe Subvenção 2013) (nº 13/50775-9); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Rafael Holzhacker (Timpel); Investimento R$ 245.475,00.
3. Novas estratégias em ventilação artificial: Diagnóstico e prevenção do barotrauma/biotrauma através da tomografia de impedância elétrica (TIE) (nº 01/05303-4); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Marcelo Britto Passos Amato (USP); Investimento R$ 5.102.802,63.