Conrado Wessel era apaixonado pela ciência e pela arte. Inventor nato e empreendedor obstinado, criou a primeira fábrica brasileira de papel fotográfico, no início dos anos 1920, utilizando tecnologia desenvolvida e patenteada por ele. Conquistou um mercado até então dominado por fornecedores estrangeiros e formou um patrimônio imobiliário que, obedecendo ao desejo expresso em seu testamento, foi utilizado como lastro para criar uma fundação que apoiasse atividades educativas, culturais e científicas de seis entidades e incentivasse a arte, a ciência e a cultura por meio de prêmios. A fundação foi instituída em 1994, um ano depois da sua morte, aos 102 anos.
Conrado Wessel nasceu em Buenos Aires, em 1891, filho de família tradicional de fabricantes de chapéus, em Hamburgo, na Alemanha, que imigrara para a Argentina, em meados do século 19, para se estabelecer como estancieira. No ano seguinte ao seu nascimento o pai, Guilherme Wessel, formado em física, migrou para Sorocaba e, posteriormente, para São Paulo, convidado a lecionar na recém-fundada Escola Politécnica, no bairro da Luz.
A paixão pela fotografia Conrado Wessel herdou do pai, que, paralelamente às aulas na Politécnica, adquiriu uma loja de material fotográfico onde instalou um ateliê de fotografia, na rua São Bento. Ainda jovem, Conrado Wessel ganhou dois prêmios em concursos promovidos pela Secretaria da Agricultura.
O interesse pela fotografia levou-o ao estudo da química e, em 1911, Conrado Wessel foi para Viena, na Áustria. Lá aprendeu fotoquímica na K.K. Lehr und Versuchs Antstalt, renomada escola de fotografia, especializando-se em clichês para jornais e revistas. Voltou ao Brasil, dois anos depois, certo de que o conhecimento adquirido na Europa não era suficiente para o seu “desenvolvimento técnico e comercial”, como ele mesmo observou em uma breve autobiografia. Seu projeto era ambicioso: sonhava com a criação de uma fábrica de papel fotográfico nacional.
Na época, os fotógrafos do Jardim da Luz, um dos principais locais de lazer da cidade, trabalhavam com uma câmera-laboratório: uma caixa de madeira com uma objetiva sobre um tripé. A câmera era dividida em duas partes. A inferior continha os banhos de revelador e fixador utilizados para o processamento químico de filmes e papéis. O papel utilizado era importado de fabricantes como a Kodak, Agfa e Gevaert.
Para realizar seu projeto de produzir papel com qualidade equivalente ao do importado, e a preços mais baixos, Conrado Wessel matriculou-se como ouvinte na Escola Politécnica. “Durante quatro anos fiz de tudo ali”, contou. “Desde a preparação do nitrato de prata até os estudos das diferentes qualidades de gelatinas. Da ação dos halogênios como o bromo, o cloro e o iodo sobre o nitrato de prata. Fiz inúmeras experiências misturando o nitrato de prata ao brometo de potássio, ao cloreto de sódio e ao iodeto de potássio. Cheguei à conclusão de que a mistura de uma pequena dose de iodo ao bromo dava muito melhor resultado, assim como a adição do bromo ao cloro.” Depois de centenas de experiências, Conrado Wessel chegou a uma fórmula satisfatória para o papel, cujas provas, como ele sublinhou, agradaram muito ao seu pai.
O próximo desafio era iniciar a produção. Faltavam-lhe no entanto dinheiro, máquinas e papel. As máquinas, ele adquiriu “por 8 contos e 500” de um estudante de fotoquímica que, tal como ele, tentara fundar uma fábrica de papel fotográfico. O negócio não tinha dado certo e o equipamento estava disponível. As máquinas foram instaladas num pequeno prédio de propriedade do pai, na Barra Funda, em 1921. “As fórmulas que eu havia elaborado pareciam boas, mas não poderia assegurar que seriam boas também na fabricação”, ele registrou, preocupado.
Faltava-lhe, ainda, o papel necessário para os testes, já que no Brasil não havia nenhuma fábrica que pudesse fornecer o papel baritado. O material tinha que ser comprado na França, fabricado pela Rivers, ou na Alemanha, pela Scholler. Conrado Wessel saiu à cata de um importador. “Enquanto a encomenda não chegava, estudei como pendurar o papel emulsionado para secar no pequeno espaço de que dispunha”, disse.
O acaso, ele reconheceu, ajudou-o a encontrar a solução. Conrado Wessel estava na Tapeçaria Schultz, para a qual realizava um serviço de propaganda, quando lhe chamou a atenção o sistema de cortinas que se moviam por cordinhas usadas pelos tapeceiros. Fez um croqui do sistema utilizado na Schultz e imaginou que, empregando método semelhante, poderia secar mais de 100 metros de papel.
O papel chegou e a pequena fábrica iniciou sua produção. “Foi um desastre”, resumiu Conrado Wessel. Não se aproveitou mais do que 10 centímetros dos 10 metros de papel emulsionados. Nova tentativa, nova frustração. O papel, ele descreveu, estava quase todo “eivado de pequenas bolhas e outras partículas indesejáveis”.
Enquanto “matutava” sobre o problema, mais uma vez o acaso – e o olhar arguto – trouxe a solução. Conrado Wessel foi chamado à fábrica das Linhas Correntes, no Ipiranga, para executar um serviço de clichês. Sozinho no salão de espera, reparou numa pequena máquina utilizada para passar goma no verso das etiquetas. Ele descreveu esse equipamento: “Havia uma cuba e um rolo imerso dentro dela. Com a máquina em movimento, o rolo passava uma certa quantidade da solução, deixando estrias sobre o papel, que também seguia seu curso. Eureca, pensei, meu problema está resolvido”. Mais uma vez fez um croqui e adaptou a máquina de emulsionagem ao modelo daquela utilizada para gomar etiquetas. E detalhou os resultados: “A máquina se resumia no seguinte: uma cuba de barro vidrado (naquela época não existia o aço inoxidável) cheia de emulsão e um rolo de ebonite que mergulhava nela. O papel passava entre um outro eixo fixo, regulado como o rolo. Dessa maneira, as bolhas ficavam todas na cuba. Mais tarde esse sistema foi melhorado, com mais de um rolo de ebonite, tornando impossível o surgimento de bolhas sobre o papel. Fizemos novas experiências com pleno êxito. Vamos fabricar e vender”, comemorou. Nasceu assim a Fábrica Privilegiada de Papéis Photograficos Wessel.
Conrado Wessel não imaginava, no entanto, que teria que enfrentar ainda a resistência dos fotógrafos, seus potenciais clientes. “Eles experimentaram o material, acharam bons os resultados, mas julgaram melhor continuar com o postal da Ridax, da Gevaert, apesar do preço do meu ser bem menor.” Foi nessa época que ele forjou o lema que o acompanharia por toda a vida: “Insista, não desista”.
Os negócios iam mal até que a sorte – ou talvez a história – reverteu o risco do fracasso. No dia 5 de julho de 1924, Isidoro Dias Lopes deflagrou o movimento conhecido como a Revolução dos Tenentes. São Paulo ficou sitiada, isolada do resto do país. Aos fotógrafos da Luz faltou papel importado. “Numa manhã de um dos primeiros dias de revolução apareceu um deles em minha casa e perguntou se eu tinha postais para vender”, contou Conrado Wessel. A revolução abriu-lhe o mercado. Ao fim de 29 dias de cerco, os rebeldes se renderam. O fluxo de papel importado foi restabelecido,mas a fábrica de papéis criada por Conrado Wessel já tinha, definitivamente, conquistado a clientela que lhe permaneceu fiel.
Os grandes fabricantes estrangeiros, como a Gevaert, tentaram ainda recuperar o mercado oferecendo produtos mais baratos. Conrado Wessel também baixou os preços. “Por incrível que pareça, estes postais mais baratos não foram aceitos pelos ambulantes. Nem os meus, nem os da Gevaert.” A produção brasileira cresceu, Conrado Wessel comprou um prédio maior, na mesma rua, e consolidou sua posição no mercado. Não faltaram propostas de empresas estrangeiras interessadas em parceria com a agora próspera fábrica brasileira de papéis, até que Conrado Wessel firmasse um contrato com a Kodak. Ficou acertado que a empresa norte-americana construiria uma fábrica nova em Santo Amaro, com maquinário moderno, que seria administrada por Conrado Wessel por um período de 25 anos ao fim do qual a fábrica e a patente passariam à Kodak.
Ao longo desse período, com o lucro dos negócios bem administrados, Conrado Wessel comprou imóveis nos bairros de Campos Elíseos, Barra Funda, Santa Cecília e Higienópolis, que, no futuro, se tornariam o patrimônio da fundação.
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