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Mecatrônica

Robôs usam raios UV para desinfetar ambientes

Dotados de inteligência artificial, dispositivos podem barrar a replicação de vírus, fungos e bactérias

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESPJaci: com 1,8 m de altura, o robô gaúcho libera uma névoa de ozônio para complementar a desinfecçãoLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

A emergência sanitária provocada pela Covid-19 acelerou o desenvolvimento de dispositivos robóticos projetados para desinfetar ambientes e mantê-los livres do novo coronavírus e de outros vírus, fungos e bactérias. No Brasil, a empresa gaúcha Instor Projetos e Robótica, de Porto Alegre, e a startup pernambucana e.AÍ Tecnologias Inteligentes, do Recife, investiram nos últimos anos na criação de robôs com essa finalidade. Os aparelhos, criados em parceria com universidades, utilizam recursos de inteligência artificial (IA) e radiação ultravioleta para desinfecção. Já em operação no mercado, os modelos podem ser usados não apenas em hospitais, mas também em salas de aula, escritórios, lojas, academias, entre outros ambientes.

“Vários estudos científicos já mostraram que a radiação ultravioleta do tipo C [UVC] tem forte efeito germicida. Ela destrói o ácido nucleico de vírus e bactérias, perturbando seu DNA ou RNA e deixando-os incapazes de se replicarem e infectarem o organismo”, explica o engenheiro eletrônico Miguel Ignácio Serrano, diretor da Instor e um dos líderes do projeto Jaci.

A primeira versão do robô gaúcho, desenvolvida a partir de abril de 2020 com recursos da empresa, ainda não era autônoma e precisava ser posicionada em diferentes lugares do ambiente, sucessivamente, até que todo o recinto recebesse a luz UVC. Uma versão teleguiada, controlada remotamente, foi projetada em seguida. “Como a exposição à luz UVC é prejudicial à saúde humana, o local tem que estar livre de pessoas quando o robô estiver em ação. Por isso, vimos a necessidade de tornar a operação autônoma”, recorda-se Serrano.

Foi, então, que surgiu a ideia de fazer uma parceria com o Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde Serrano havia concluído o mestrado. Pesquisadores da unidade ficaram responsáveis pela criação de um método que permitisse ao robô explorar autonomamente o ambiente, irradiando raios UVC na dosagem necessária para desinfetar o ar, as paredes e as superfícies. A nova versão ficou pronta em outubro de 2021.

Para navegar em um ambiente desconhecido, a equipe recorreu a técnicas de robótica móvel. “O mapa do ambiente é construído por um algoritmo que recebe informações de um sensor a laser Lidar [detecção de luz e medida de distância] 2D e de três câmeras convencionais”, explica a cientista da computação Mariana Kolberg, coordenadora do projeto pela UFRGS e membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (Ieee), entidade internacional dedicada ao avanço da tecnologia em prol da humanidade. “O Lidar tem uma cobertura de 180 graus e as câmeras complementam o campo de visão do Jaci, detectando obstáculos em diferentes alturas que estão fora do alcance do Lidar.”

Entrevista: Mariana Kolberg
00:00 / 14:37

O sistema também elabora um mapa indicando a dose UVC dispensada em cada parte do ambiente. “Com o mapa é possível definir pontos com baixa irradiação. O Jaci retorna a esses locais e complementa o trabalho lançando uma névoa ozonizada, que também inativa vírus e bactérias. Todo o processo é realizado sem interferência humana”, destaca Kolberg. “Antes da pandemia, existiam outras iniciativas de robôs autônomos para desinfecção no mundo. O Jaci se destaca por combinar luz UVC e névoa ozonizada.” Uma patente internacional foi solicitada e está em avaliação.

O desenvolvimento do robô envolveu outras universidades. A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e a Unisinos, ambas em Porto Alegre, mostraram os efeitos antimicrobianos da névoa de ozônio, enquanto a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) validou a eficiência da luz UVC contra vírus. Coube à UFRGS comprovar a eficácia dos raios ultravioleta contra bactérias.

Melissa FernandesO dispositivo da startup pernambucana e.AÍ Tecnologias foi criado com a UFPEMelissa Fernandes

Oito meses depois de ficar pronto, o robô está em uso no Grupo Hospitalar Conceição, no Hospital da Unimed e no Hospital São Lucas, da PUC-RS, todos em Porto Alegre, e no paulistano Premier Hospital. Em junho, após a conclusão desta reportagem, o Jaci estava programado para começar a operar no Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

“Estamos sempre em busca de novas tecnologias que promovam a segurança dos pacientes, o aprimoramento de processos de controle de infecção hospitalar e a redução da sobrecarga de trabalho sobre os profissionais”, afirma Guilherme Rabello, gerente comercial do Núcleo de Inovação do InCor. “O robô Jaci preenche esses requisitos e pode ser um auxílio para nosso ambiente assistencial mais seguro, reduzindo custos e o tempo de limpeza manual e aumentando a segurança dos profissionais envolvidos.”

A Instor, que há 14 anos desenvolve robôs para os setores de óleo, gás e mineração, também oferece a possibilidade de locação dos robôs.

Com 80 centímetros de altura, o robô da startup e.AÍ Tecnologias Inteligentes é autônomo e também pode ser controlado via aplicativo. “Nosso dispositivo desloca-se de forma autônoma no ambiente. Isso é possível graças a sensores e métodos de IA capazes de reconhecer uma rota livre para navegação. Em 2 a 3 minutos, ele desinfeta uma sala de 25 metros quadrados”, destaca o cientista da computação Leandro Maciel Almeida, criador da startup e professor do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (CIn-UFPE).

O robô nasceu a partir de um projeto aprovado na universidade, em maio de 2020, e que teve a participação de pesquisadores do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), do Hospital das Clínicas da UFPE e do Centro Regional de Ciências Nucleares do Nordeste (CRCN-NE). “Por meio de um edital, a UFPE aportou recursos no valor de R$ 60 mil e recebeu, ao final do projeto, três unidades funcionais. O robô, batizado na época de Aurora, foi testado no Hospital das Clínicas da universidade obtendo uma redução média de 95% da carga de microrganismos no ambiente”, ressalta Almeida.

Segundo o físico Clayton Benevides, do CRCN-NE, que integrou a equipe do Aurora, o maior desafio tecnológico da iniciativa foi fazer um robô que tivesse grande autonomia, com alta dose de UVC, e fosse barato. Com o fim do projeto na UFPE, a e.AÍ Tecnologias foi criada para continuar o desenvolvimento do robô. O modelo de negócio da empresa, incubada no Parque Tecnológico da UFPE, prevê a oferta do serviço de desinfecção com pacotes mensais a partir de R$ 360, bem como o aluguel do robô e planos de assinatura. Oito robôs estão em operação. “Desde o ano passado, a empresa formalizou parcerias com mais de 30 empresas que testaram a tecnologia”, informa o cientista da computação José Gilson de Almeida Teixeira Filho, sócio-fundador da e.AÍ Tecnologias e professor da UFPE.

“Existem robôs similares operando no Canadá, nos Estados Unidos, na Ásia e na Europa. Algumas empresas estrangeiras apresentam soluções em feiras no país, mas o custo é muito alto”, informa Almeida. “O dispositivo robótico que desenvolvemos foca no baixo custo e tem como objetivo popularizar a tecnologia de desinfecção com radiação ultravioleta.” A startup pernambucana planeja lançar uma nova versão do robô em agosto deste ano.

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