O certificado da Casa Beissner & Gottlieb, de Viena, documentou no dia 8 de fevereiro de 1913 o estágio profissional obrigatório realizado por Conrado Wessel, na conclusão de seus estudos no Instituto K.K. Graphischen Lehr und Versuchsanstalt, iniciados em julho de 1911 e concluídos em dezembro de 1912 (ver o documento). O objetivo maior do inventor Wessel estava no setor de fotoquímica que o instituto mantinha, com especialização em cópias e em clicheria. Sua atenção, porém, visava ao uso do papel, à escolha do mais indicado para cada tipo de emulsão. Ele observava atentamente os processos conhecidos na época para obter o maior proveito dos recursos utilizados nos laboratórios vienenses. Tratava-se da permanente pesquisa que culminou com a descoberta de uma fórmula nova para o banho do papel em 1918.
A fórmula foi descrita na patente obtida em 1921 como “novo processo para fabricação de material photographico, sensível à luz, para o processo positivo e negativo, à base de emulsões de saes de prata ou gelatina, albumina ou collodio, servindo de supportes para estas emulsões papel, vidro, celluloide ou qualquer outro supporte que seja appropriado” e era o marco final de uma longa trajetória de pelo menos seis anos de pesquisa, mais cinco de aperfeiçoamento da descoberta e expectativa de aprovação oficial. Esse trabalho de Conrado Wessel (1891-1993) teve a ajuda de seu pai, Guilherme, e o apoio do professor de química da Escola Politécnica Roberto Hottinger.
Wessel decidiu estudar no K.K. Graphischen Lehr und Versuchsanstalt por este instituto austríaco ser avançadíssimo na tecnologia gráfica, especialmente em fotografia. Sua pretensão era aperfeiçoar-se em fotoquímica e clicheria. Quem garantiu os recursos para isso foi o pai, que considerava a clicheria um segmento de muita perspectiva, tendo em vista que em São Paulo, na época, só existiam três oficinas, todas com máquinas e processos primitivos.
Guilherme Wessel era dono da Casa Importadora de Artigos para Photographia, aberta na rua Direita, 20, em 1902, e depois transferida para a rua Líbero Badaró, 48, provavelmente em 1905. Filho de pais alemães imigrados para Buenos Aires no século XIX, Guilherme teve seus dois filhos na capital argentina, mas decidiu tentar a sorte no Brasil um ano depois do nascimento de Conrado, em 1892, inicialmente na cidade paulista de Sorocaba. Embora a família Wessel fosse uma tradicional fabricante de chapéus em Hamburgo, Alemanha, o pai de Conrado tinha fascínio por fotografia, paixão herdada pelo filho.
Em 26 de dezembro de 1908, a morte do filho mais velho, Georg Walter, auxiliar do pai na loja, leva-o a propor a Conrado assumir o lugar do irmão. O caçula, no entanto, preferiu “trabalhar no ramo fotográfico por conta própria”. Guilherme fechou o estabelecimento e encerrou a atividade comercial. Mas convenceu Conrado a ajudá-lo de outra forma: aperfeiçoar-se na Europa e trazer o equipamento para ambos trabalharem em casa, com uma clicheria avançada. Enquanto isso, com o apoio de um amigo, H. Prault, Guilherme foi nomeado fotógrafo oficial da Secretaria da Agricultura, em 1909.
Em meados de setembro de 1911, quando Conrado já estudava no K.K. Graphischen Lehr und Versuchsanstalt, casualmente estava no instituto o professor Josef Maria Eder, um especialista em química aplicada à fotografia, fundador do Instituto para Fotografia e Reprodução Técnica, hoje conhecido como Höhere Graphischen Bundes-Lehr-und Versuchsanstalt. Seu professor havia perguntado se Wessel já trabalhara com chapas secas. Ele disse que sim. Ato contínuo recebeu um original para reproduzir. Eram chapas que Wessel não conhecia, muito rápidas na secagem. Ao observá-las, calculou apenas cinco segundos para a exposição. Quando Wessel mostrou ao professor as reproduções que havia feito, Eder as viu e “disse que estavam muito boas”. A partir disso, os trabalhos mais difíceis, em especial os destinados aos livros de Eder, quem passou a fazer foi Wessel. Ganhou a confiança do professor, que o convidou a ir aos sábados ajudá-lo no laboratório.
Em 1912 ele conseguiu fazer um estágio importante em Viena concomitantemente com suas aulas durante o último semestre do curso. Suas referências no K.K. Graphischen Lehr und Versuchsanstalt lhe abriram as portas de uma das mais importantes empresas especializadas na área de mídia, gráfica e fotografia, a Casa Beissner & Gottlieb. No instituto, cabia-lhe seguir seus professores – na Casa Beissner, buscou resultados pessoais melhores, com criatividade, e ela foi seu grande laboratório. Em carta à família, datada de 14 de novembro de 1912, ele diz: “Hoje eu terminei na Casa Beissner o meu estudo em fotografia (…). Fiz algumas chapas, e ele deu ao copista para copiar, ele copiou em colloidim e saíram umas cópias regulares, porém não o que eu queria. Eu disse ao senhor Beissner que daquelas chapas obteria melhor resultado, pois que eles desejavam copiar com contrastes, então ele me disse se eu podia fazer seria de grande vantagem. Eles compraram o papel que pedi, isto é: Velox”.
O papel Velox foi escolhido por Wessel porque permitia usar luz artificial para revelar a fotografia. A escolha condizia com experiências feitas separadamente, sempre tendo em mira uma nova forma de papel fotográfico. “Fiz umas cópias que ficaram todos contentes com exceção do copista. O senhor Beissner viu-as e estava todo entusiasmado; chamou o copista e disse: ‘O senhor vê a diferença de um papel para o outro? Antes de o senhor Wessel ir embora é conveniente que aprenda como se fazem estas cópias’”, escreveu Wessel.
Depois do período em Viena, ele voltou para São Paulo, em 1914. Trazia na bagagem do navio as máquinas e instrumentos que conseguiu adquirir na Áustria, na França e na Alemanha, uma clicheria completa que aqui instalou para seu pai na rua Guayanases, 139. Wessel, no entanto, logo percebeu que precisava estudar muito mais do que o fizera na Europa. Conseguiu inscrever-se na Escola Politécnica como aluno ouvinte e a cursou entre 1915 e 1919. Lá se tornou amigo e auxiliar de laboratório de Roberto Hottinger, titular da cadeira de bioquímica, físico-química e eletroquímica do curso de engenharia química. Hottinger confiava-lhe a preparação do laboratório nas aulas práticas e o incentivava a continuar sua pesquisa.
Passado mais um ano, os resultados já eram suficientes para acreditar na fórmula. Como partilhava sempre com o pai seus trabalhos, este se preocupou em patentear o invento o quanto antes, assim que a “fórmula” original se definisse, não obstante fosse necessário ir aperfeiçoando-a. Já em 10 de novembro de 1916 seu pai consultava a empresa International Patent Agency, de Moura & Wilson, “agentes de privilégios” do Rio de Janeiro, para informar-se sobre como requerer a patente. Em 13 de novembro de 1916 a Moura & Wilson responde. A empresa se dispõe a se encarregar de requerer o privilégio desde que fossem remetidos, já preparados, “todos os papeis, como sejam relatório, desenhos, etc., mediante a quantia de Rs 220$000”. É prometido “um abatimento de Rs 30$000” sobre o preço usual.
No final de 1920 já fabricavam o novo papel com sucesso e originalidade. No dia 19 de fevereiro de 1921 foi depositado o “pedido de privilégio” no Ministério da Agricultura. E no início de maio de 1921 o ministro da Agricultura despachou favoravelmente o pedido. Em 26 de outubro de 1921 Epitácio Pessoa, então presidente da República, assinou a carta-patente do novo papel fotográfico – no mesmo ano Wessel instalou a fábrica de papéis fotográficos na rua Lopes de Oliveira, 198. A caminhada para o total sucesso do empreendimento ainda não estava terminada. O inventor teve de aperfeiçoar a produção até conseguir um papel confiável para o mercado e vencer a resistência inicial dos fotógrafos, seus clientes potenciais, o que ocorreu em definitivo a partir de 1924.
Uma vez ultrapassados os obstáculos, a produção cresceu o suficiente para que fosse comprado um prédio maior para a fábrica. Wessel começou a ser assediado por empresas estrangeiras até que em 1949 o inventor e empresário firmou um contrato com a Kodak garantindo para ela quase a totalidade de sua produção por muitos anos com o nome Kodak-Wessel. A partir de 1954 a patente passou definitivamente à companhia norte-americana. Naquele momento o pioneiro da indústria nacional já havia consolidado seu patrimônio, a raiz das ações que a Fundação Conrado Wessel desenvolve a favor da arte, da ciência e da cultura.
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