Neste ano do centenário do vôo do 14-Bis, Alberto Santos-Dumont é protagonista de uma exposição que mostra um lado ainda pouco conhecido do inventor genial. O artista plástico Guto Lacaz tratou de escancarar um talento do brasileiro voador que, para o olhar do artista, é óbvio. “Santos-Dumont é um dos pioneiros do design de produto”, afirma Lacaz. “Ele projetou, construiu e pilotou 22 aeronaves sempre procurando o melhor desenho para conseguir o melhor desempenho de cada balão e avião”. Para mostrar mais essa face de seu pioneirismo, o artista montou Santos Dumont Designer no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, com reproduções de balões, aviões, hangar, desenhos e maquete da casa de Petrópolis, entre outros projetos. Todos têm a marca da ousadia do inventor.
Lacaz deu vazão a um interesse que teve início ao ler Os meus balões, de Santos-Dumont, há quase 20 anos. Como tantos brasileiros, na época o artista acreditava que o 14-Bis era sua única criação. Começou a colecionar informações e fotos de tudo o que se referia a ele. Em 1998 deu a aula inaugural de História do Design na Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), com o tema “Santos-Dumont designer”, a convite de Adélia Borges, professora da disciplina. Foi ela quem o convidou a conceber e montar a exposição no Museu da Casa Brasileira ainda em 2003, quando assumiu a direção dessa instituição especializada em design.
Lacaz tratou de providenciar uma boa retaguarda para ser fiel a Santos-Dumont. Fernando Martini Catalano, especialista em aerodinâmica e professor de engenharia mecânica da Universidade de São Paulo em São Carlos, e Henrique Lins de Barros, físico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do Rio de Janeiro, prestaram assessoria. Foram contratados marquetistas e a exposição se fez com o patrocínio da Aço Villares. Todo o trabalho resultou em uma aula sobre a originalidade de Santos-Dumont – em especial quando se fica sabendo que em cada projeto feito por ele havia sempre alguma inovação tecnológica. Podia ser um leme maior, um novo formato de balão, um motor adaptado à nacela (cesta) do dirigível ou desenhos originais para um novo avião.
Contribuições
Na sala central do museu há túneis de vento onde modelos em escala do 14-Bis e do Demoiselle voam literalmente. Uma Torre Eiffel estilizada com o balão nº 6 lembra o prêmio que o brasileiro ganhou ao provar a dirigibilidade dos balões, em 1901. Há outros aeronaves reproduzidas em escala e até a recriação do Campo de Bagatelle, de Paris, nos jardins do museu. Lá são realizadas demonstrações mecânicas dos vôos do 14-Bis, com modelos. Em uma das salas foi montada a maquete de um hangar com mais uma criação sua: a porta de correr, que exigia uma força muito menor para ser aberta. Outras contribuições de Santos-Dumont são um chuveiro original, na verdade, um balde furado pendurado acima da cabeça onde se misturavam a água fria e a quente, esta aquecida a álcool. A Encantada, casa do inventor construída por ele em Petrópolis, aparece detalhada em outra curiosa maquete aberta. A exposição vai até 16 de julho. Mais informações estão disponíveis em www.santosdumontdesigner.com.br.
Foi o interesse comum de Lacaz e Adélia que levou à exposição da obra de Santos-Dumont como um grande designer. “O conhecimento de mecânica, de tecnologia e de materiais o habilitava a materializar a solução para suas necessidades e oportunidades em objetos ou mecanismos perfeitamente originais”, escreveu ela no catálogo. “Um raro senso de elegância, por sua vez, permitia a ele ir além da praticidade para se distinguir pelo apuro das formas”.
“Design é solução”, diz Guto Lacaz. Os novos desenhos de balões e aviões que Santos-Dumont fazia eram para resolver problemas. “Ele obtinha muito sucesso porque as soluções eram sempre muito simples e corretas”. O físico Henrique Lins de Barros, um dos maiores estudiosos do aviador, confirma essa sagacidade tecnológica que levava com freqüência a projetos bem-sucedidos. “Santos-Dumont saiu do balão para o avião, o 14-Bis, sem passar pelo planador. Foi o único a conseguir”, diz Barros.
Lacaz considera o 14-Bis algo excêntrico dentro da obra do inventor. Para ele, parecia esquisito imaginar o 14-Bis voando pelo “lado errado”, e não como se voa hoje. “Sempre tive dúvidas se ele era realmente bonito”, conta. Mas, ao ver no ar a réplica feita pelo piloto Alan Calassa, de Caldas Novas (GO), o artista não teve mais dúvida: “Fiquei convencido de que o 14-Bis voa lindamente, com suavidade”. O projeto mais emblemático que reforça a idéia de que Santos-Dumont foi um pioneiro do design de produto é o Demoiselle, um ultraleve muito copiado. Ele publicou o projeto na revista Popular Mechanics em 1910 e mais de 200 unidades foram construídas por pequenas empresas ou particulares – situação ilustrada com miniaturas em formação no céu cenográfico de uma das salas da exposição -, o que o torna o primeiro avião a ser produzido em série. “É o modelo que realmente vai influenciar a aeronáutica”.
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