A frase que serve de título a esta carta deveria estar entre aspas, porque não é minha, mas do engenheiro e advogado Rodolfo Costa e Silva, coordenador dos programas de despoluição do rio Tietê e de requalificação das marginais dos rios Tietê e Pinheiros. Mas aspas no título são vistas com reserva pela turma que cuida de manter uma estética visual jornalística mais apurada, porque são percebidas como elementos graficamente excessivos, quase abusivos na página. E então as deixei de lado, mas citando logo de cara o autor dessa síntese genial do que se deu com os rios da maior metrópole brasileira em seu processo de urbanização, certa de que ele generosamente me concederia a licença para esse uso restrito de sua frase e a entenderia como reconhecimento à tradução curta e certeira que fez para o vernáculo de sua compreensão de um complexo processo.
Costa e Silva é uma das personagens da reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, que me entusiasma de forma indisfarçável e de múltiplas maneiras: pelo trabalho de reportagem propriamente que contém, pelo texto, pelo refinado tratamento visual e mesmo pelo tema da área de humanidades que de, início, soava um tanto inadequado ou inusitado à capa, mas no qual resolvemos apostar. E devo logo dizer que os louros por tudo isso devem ser creditados ao nosso editor especial Carlos Fioravanti e à nossa editora de arte, Mayumi Okuyama, antes mesmo de contar que o ponto de partida desse belo trabalho foi uma exposição de 17 mapas antigos dos rios de São Paulo que pode ser vista até março no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Intitulada O tempo e as águas: formas de representar os rios de São Paulo, com curadoria de professores da USP e da Unifesp, além da equipe do Arquivo do Estado, a exposição deu início a um percurso jornalístico que explora a geografia e a história do enclausuramento dos rios em São Paulo sob ruas e avenidas, as questões urbanísticas propriamente que esse processo propõe e, finalmente, os aspectos ambientais e econômicos envolvidos no já longo e continuado esforço de despoluição dos dois maiores rios que cortam a capital paulista. Vale a pena conferir a partir da página 16.
Outra reportagem, esta na seção de ciência, que contribui largamente para o meu quantum de satisfação com a presente edição, é a que trata da pesquisa com determinados medicamentos de uso humano para controle de uma conhecida doença das laranjeiras, a clorose variegada dos citros (CVC), provocada pela famosa bactéria Xylella fastidiosa. Além de antibióticos como a tetraciclina e a neomicina, com bons efeitos, mas inviáveis dado o elevado custo que na prática um tal tratamento implicaria, agora surge como possível droga de combate à CVC a N-acetilcisteína (NAC). Ela é nada mais nada menos que o princípio ativo de um medicamente muito conhecido de fumantes e portadores de variadas afecções respiratórias que sofrem com o acúmulo de muco dentro dos pulmões e que carrega o nome comercial de Fluimucil. Faz muito sentido. Veja-se: em seu ataque à planta, a colônia de X. fastidiosa forma um biofilme que une os microrganismos invasores e permite que eles ajam como um organismo único, entupindo o xilema e impedindo a passagem de água e nutrientes das raízes para a copa das árvores. Romper o biofilme no início de sua formação pode ser a melhor forma de combater a doença e, se um mucolítico tem o poder de desentupir alvéolos, bronquíolos e brônquios etc., por que não poderia atacar esse biofilme? Vale a pena ver até onde esse raciocínio da bióloga Alessandra de Souza levou, com todos os detalhes contados a partir da página 58 por nossa editora da Pesquisa FAPESP on-line, Maria Guimarães. Explico por que gosto tanto dessa história: esta revista acompanha as peripécias da X. fastidiosa desde os primeiros movimentos para o sequenciamento de seu genoma, em 1997. E cada novo conhecimento que se agrega à biologia, fisiologia e tratamento das doenças provocadas por esse microrganismo parece trançar um pouco mais a própria história de Pesquisa FAPESP.
Boa leitura!
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