Sim, sapos espirram veneno. Quando os estudantes dos cursos do Instituto Butantan perguntavam, a bióloga Marta Antoniazzi sempre dizia que não, mas agora terá de concordar. Ela própria ajudou a estudar o Rhaebo guttatus, um sapo da Amazônia, o primeiro anfíbio, ao menos no Brasil, que lança o veneno amarelado das glândulas do alto das costas quando se sente ameaçado por um possível agressor, ainda que seja apenas um biólogo.
“Nunca antes tínhamos visto esse tipo de comportamento”, diz Marta. “É só chegar perto que ele lança veneno.” O mais interessante, ela acrescenta, é que essa espécie de sapo da Amazônia “parece ter controle dos jatos de veneno”. Em seguida ela exibe um filme em seu computador em que o biólogo Pedro Fontana, com óculos de proteção, do mesmo tipo usado em metalúrgicas, primeiramente provoca um Rhaebo guttatus.
Como se avisasse que não quer ser incomodado, o sapo bate os maxilares, emitindo o som que deve afugentar os predadores hesitantes. Fontana insiste e o animal começa a se contorcer, virando um pouco de lado com a cabeça. O movimento faz com que a omoplata, o osso achatado triangular que cobre o pulmão, pressione o acúmulo de glândulas de veneno (ou glândulas parotoides), atrás dos olhos, e… vupt!
“É um veneno pedagógico”, diz Carlos Jared, também pesquisador do Butantan e coautor do estudo publicado na Amphibia-Reptilia. “Não mata o possível predador, mas, se atingir o olho, faz perder a visão por alguns dias.” Em geral, ele diz, anfíbios se defendem de modo passivo: só liberam o veneno das glândulas depois de mordidos, geralmente por aves ou mamíferos. Esse mecanismo de defesa preventivo tinha sido encontrado antes em um anfíbio caudado, a salamandra de fogo (Salamandra salamandra), que vive na Europa e lança o veneno acumulado em glândulas situadas nas costas quando se vê em perigo.
Os pesquisadores do Butantan ouviam com desconfiança os comentários de que sapos poderiam, sim, espirrar veneno porque pensavam que se tratava do fato de sapos, rãs e pererecas soltarem jatos de água armazenada na bexiga que poderia atingir os olhos, inclusive de pessoas. Mas tiveram de mudar de opinião quando Miguel Trefaut Rodrigues, professor da Universidade de São Paulo (USP), lhes trouxe Rhaebo guttatus coletados nos municípios de Jacareacanga, no Pará, e de Borba, no Amazonas, que ele próprio viu, in loco, lançando venenos.
Duas coisas estão animando os biólogos. A primeira é o fato de se tratar de uma espécie identificada há 200 anos que só agora apresenta um comportamento antes desconhecido. A outra é que essa espécie, quando vive em florestas, deve ter mantido uma habilidade primitiva, que deve ter surgido há mais de 2 milhões de anos e não foi transmitida para as espécies que vieram depois, nem para a própria espécie quando mantida em cativeiro: os Rhaebo que já estavam nos viveiros do Butantan não fazem isso.
O gênero Rhaebo é formado por nove espécies de sapos que vivem na Amazônia e América Central. Talvez as outras espécies desse gênero, também muito pouco estudadas, se defendam por esguichos antes de serem mordidas, acreditam os pesquisadores. A espécie Rhaebo blomberg é vendida em lojas de animais domésticos nos Estados Unidos e possivelmente já perdeu essa capacidade de lançar veneno na direção dos olhos dos inoportunos.
“Da mesma forma”, pondera Jared, “os Dendrobates, sapinhos bem coloridos que também vivem na Amazônia, são venenosos na floresta e inofensivos na civilização, provavelmente porque a dieta é diferente”.
Republicar