Na floresta amazônica, sapos às vezes cantam em lugares inusitados: dentro de formigueiros. São os sapinhos-listrados da espécie Lithodytes lineatus, cujas fêmeas depositam os ovos em ninhos de espuma dentro das galerias construídas pelas saúvas do gênero Atta. O segredo da convivência está numa substância que reveste o corpo dos anfíbios, segundo mostrou o trabalho de mestrado do biólogo André de Lima Barros no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Num experimento em que depositou 10 sapinhos-listrados na entrada de formigueiros, ele mostrou que as saúvas não os atacavam, conforme descreve em artigo publicado em outubro no site da revista Behavioral Ecology & Sociobiology. O mesmo não aconteceu com 20 sapos de outras espécies igualmente sujeitos à defesa pelas formigas: levaram em média 20 picadas dos insetos, independentemente de parentesco ou semelhanças na aparência.
Para confirmar que o escudo era algo que revestia a pele, Barros besuntou 10 sapos da espécie Rhinella major – que normalmente não convive com formigas – com um extrato da pele dos sapinhos-listrados, enquanto outros foram molhados apenas com água ultrapura, como comparação. Aqueles que receberam o tratamento passaram incólumes pelas defesas das formigas, a não ser quando saltavam em cima dos insetos. Estes, mesmo assim, eram soltos rapidamente após a primeira mordida.
É isso que permite a associação inusitada, em que todo o desenvolvimento dos filhotes – desde o ovo até a metamorfose completa – acontece dentro do formigueiro. “Acreditamos que os sapos mimetizem algum componente químico usado na comunicação entre as formigas, permitindo a coexistência”, diz Barros, visto que nenhuma espécie dessa família secreta substâncias tóxicas na pele. O biólogo pretende desvendar esses aspectos químicos durante o doutorado, que iniciou este ano ainda sob orientação da bióloga Albertina Lima.
Ele também pretende averiguar a origem do cheiro protetor. “Temos dados ainda não publicados sobre a alimentação de Lithodytes lineatus e vimos que o segundo item alimentar mais comum na dieta deles são formigas, mas não identificamos em nível de espécie”, conta. A hipótese é que os sapos assimilem as substâncias químicas obtidas pela alimentação para fazer o que seria um disfarce de formiga.
Barros não perde de vista possíveis aplicações biotecnológicas, como a possibilidade de encontrar compostos antimicrobianos na pele dos sapinhos-listrados e criar um repelente para saúvas, substituindo agrotóxicos. Quem já viu plantas serem depenadas por uma fileira de formigas carregando folhas e flores certamente aprovará essa busca.
Artigo científico
BARROS, A. L. et al. The frog Lithodytes lineatus (Anura: Leptodactylidae) uses chemical recognition to live in colonies of leaf-cutting ants of the genus Atta (Hymenoptera: Formicidae). Behavioral Ecology & Sociobiology, on-line 20 out 2016.