O estudante Ud Madeiro Pereira, de 16 anos, que mora em um sítio nos arredores da cidade de Cascavel, no Ceará, observou que muitos trabalhadores rurais de sua vizinhança tinham dificuldade de obter boa produtividade na lavoura por falta de máquinas adequadas – a maioria, sem recursos para comprar ou alugar tratores ou semeadores, seguia arando e plantando com as próprias mãos. Aluno do 1º ano do ensino médio da Escola Estadual de Educação Profissional Edson Queiroz, Pereira propôs uma solução. Ele desenvolveu, em parceria com as colegas Jamilly Lima e Ana Beatriz Fonseca, um pequeno robô sobre rodas, movido a energia solar e controlado por plataformas de automação arduíno, capaz de percorrer o solo a uma velocidade de 3 quilômetros por hora aplicando sementes. “Construímos um sistema em que é possível definir a quantidade de sementes a serem plantadas e a distância entre elas”, diz Pereira.
Com um custo de cerca de R$ 3,5 mil, o protótipo utilizou peças de sucata de carros e motocicletas e baterias usadas de notebook. Foi batizado de Vespertílio, referência a um tipo de morcego conhecido por dispersar sementes dos frutos de que se alimenta. Supervisora do projeto, Thayane Rabelo Braga Farias, professora de engenharia de alimentos e do curso técnico de agroindústria do colégio estadual, achou a ideia tão interessante que inscreveu o robô no prêmio Respostas para o Amanhã, uma iniciativa global da Samsung, voltada a alunos do ensino médio de escolas públicas de todo o país que criam soluções para problemas locais. As inovações reconhecidas pelo prêmio precisam ser fruto de experimentações científicas ou tecnológicas e gerar benefícios concretos para a sociedade.
O robô idealizado por Pereira chamou a atenção da comissão julgadora e ficou em 1º lugar na premiação de 2020, anunciada em novembro em um evento realizado pela internet, por causa da pandemia. Além dos três primeiros colocados escolhidos pela comissão julgadora, há outros três eleitos por júri popular – todos fizeram parte de uma lista de 10 finalistas, que receberam como prêmio produtos da Samsung, como notebooks, tablets e celulares. “Os jovens de Cascavel perceberam uma dificuldade nas condições de trabalho locais e desenvolveram um maquinário sustentável, feito com materiais recicláveis como peças de carros e motos”, explica Isabel Costa, gerente de Cidadania Corporativa da Samsung Brasil. O projeto já havia chamado a atenção mesmo antes da conquista. Em parceria com amigos engenheiros de sua cidade, o estudante criou uma empresa para fabricar o robô semeador em larga escala. O projeto foi aceito no processo de seleção da aceleradora de startups do governo do Ceará. “Devemos passar algumas semanas em Fortaleza trabalhando no projeto e o resto será feito por videoconferência”, diz Pereira. Questionado, disse não se considerar novo para virar empreendedor. “Temos um bom projeto, de cunho social e sustentável, que pode melhorar a vida de muita gente.”
O prêmio Respostas para o Amanhã foi lançado pela Samsung em 2010, a princípio como um projeto-piloto direcionado a estudantes dos Estados Unidos. Em 2014, a premiação ganhou uma edição brasileira, por meio de uma parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), organização da sociedade civil com sede em São Paulo que apoia o aprimoramento do ensino público. “Concursos como o Respostas para o Amanhã têm o poder de ativar o interesse pela ciência e o exercício do raciocínio lógico, o que é fundamental para o desenvolvimento dos adolescentes”, afirma Ana Cecília Chaves Arruda, coordenadora de programas e projetos do Cenpec e responsável pela supervisão técnica do prêmio.
Um dos objetivos da iniciativa é inspirar os professores das áreas de ciências da natureza, matemática e tecnologia que orientam os projetos dos estudantes. No portal do prêmio, há uma “sala dos professores”, com cursos e orientações para conectar os projetos e currículo escolar. Um banco de práticas educativas, composto por projetos realizados em edições anteriores, também ajuda a orientar os alunos. A Samsung ainda oferece ao público outra plataforma gratuita de ensino de tecnologia, o Code IoT, com seis cursos sobre internet das coisas e atividades voltadas à programação e eletrônica básica, com treinamentos on-line de seis semanas.
No ano passado, alunos de escolas do Nordeste se destacaram entre os finalistas. “Trata-se de uma coincidência. Há jovens com imensa capacidade em cada canto do país”, afirma Arruda. Um dos vencedores no júri popular foi o projeto da aluna Thafynys de Santana Melo, de Ipojuca, no interior de Pernambuco. Ela e quatro colegas se reuniram para criar um biorrepelente para ser usado em difusores elétricos. “Na região, há muitos casos de doenças como dengue, zika e chikungunya, transmitidas por insetos, e poucos têm condições de comprar repelentes”, diz Thafynys, de 16 anos, aluna do 1º ano do ensino médio. “Meu irmão de 13 anos já foi internado com dengue e para minha família foi um susto muito grande”, conta.
O grupo desenvolveu um composto à base de canela e hortelã, que se mostrou eficiente contra o mosquito Aedes aegypti, transmissor de dengue, zika e chikungunya, após uma série de experimentos com diversas plantas consideradas repelentes naturais, como o manjericão, a citronela e o alecrim. “Por concentrar ácidos que eliminam as larvas do mosquito, decidimos que a canela seria um dos principais componentes do repelente”, diz a estudante. Depois de vários testes, foi acrescentada a hortelã. O grupo de alunos realizou ensaios in vitro e, com resultados positivos, desenvolveu o produto. Agora, buscam uma instituição parceira para levar a pesquisa adiante. Como não podiam frequentar a escola por causa da pandemia, os estudantes conduziram o projeto na casa de Thafynys, onde montaram um laboratório com peças que eles mesmos desenvolveram. O destilador foi criado com garrafas PET recicladas, papelão e um cano de PVC. O difusor, onde o repelente precisava ser testado, utilizou latinhas de refrigerante recicladas. “Os alunos deram um exemplo de criatividade e dedicação”, comenta o professor Carlos José de Souza Júnior, que orientou o grupo.
Desde 2014, mais de 160 mil estudantes e 15 mil professores de 5.336 escolas já participaram do concurso. As inscrições costumam acontecer todo início de ano e são abertas inclusive para escolas rurais e de comunidades indígenas. Um grupo de 80 avaliadores, reunidos pelo Cenpec, acompanha o processo de seleção. Cada projeto é avaliado e reavaliado nas etapas iniciais por pelo menos quatro profissionais, entre pesquisadores, professores universitários e especialistas renomados. São então escolhidos 20 finalistas, que recebem mentoria do Cenpec. Uma rodada final de avaliação define os 10 finalistas.
Os estudantes que chegam até essa fase precisam fazer um vídeo de alguns minutos apresentando o projeto de forma clara e objetiva, como em um pitching, quando criadores de startups buscam convencer possíveis investidores sobre a relevância de sua criação. “Nesse ponto do processo, o objetivo não se restringe a preparar os alunos para seu futuro profissional, seja ele qual for”, diz Arruda. “Para nós, o essencial é que eles possam apresentar inovações de uma forma acessível a todos, o que exige uma boa organização do pensamento e da linguagem.” Na fase final, um comitê de especialistas e o júri popular escolhem os melhores projetos. “Assim, damos ainda mais transparência ao prêmio e abrimos oportunidades aos alunos”, afirma.
Outros projetos finalistas de 2020 foram de temas como tratamento de água e remoção de poluentes. Um grupo de alunos do Instituto Federal de Pernambuco, no Recife, utilizou um material à base de grafeno para desenvolver um processo de remoção de corantes químicos da indústria de couro que poluem os rios – o projeto ficou em 3º lugar na seleção da comissão avaliadora. “São projetos bastante diferentes entre si, que demostram a dimensão do potencial dos alunos”, diz Isabel Costa, da Samsung.
O estudante Francisco Fernando Café, de 18 anos, também se inspirou em um problema da cidade onde vive para conduzir seu projeto, agraciado com uma premiação do júri popular. Café cursa o segundo ano do ensino médio da escola estadual Tristão de Barros, de Currais Novos, no Rio Grande do Norte, que já havia se destacado em 2014 ao vencer a primeira edição do prêmio. A cidade do sertão nordestino tem temperaturas altas em boa parte do ano. “Muita gente sofre com o calor intenso”, explica Café. Junto com dois outros alunos de sua escola, ele criou uma telha térmica, feita com gesso, palha de coqueiro e pó de madeira, que conseguiu resfriar o ambiente em até 2 graus Celsius a mais do que as telhas comuns. O material é revestido com plástico derretido de garrafas PET. Tudo foi feito na residência de Café, já que os alunos estavam impossibilitados de frequentar a escola. Os estudantes construíram pequenas paredes no quintal para simular uma casa. Por cima, foram colocadas as telhas. O projeto foi sendo aprimorado até chegar à composição final, sob orientação de Vanessa Cristina de Medeiros, professora de química.
“Cumprimos o objetivo de desenvolver uma telha sustentável e mais eficiente do que as de argila, que são produzidas na região”, diz Medeiros. “Os produtos à base de argila não são bons isolantes térmicos e causam problemas ambientais, já que para a fabricação do material exige a coleta e queima de lenha para aquecer os fornos, liberando grande quantidade de gás carbônico na atmosfera”, explica. Café ainda não decidiu qual curso vai fazer. Suas opções vão de engenharia ambiental a medicina, passando por relações internacionais. “Ganhar o prêmio nem é o mais importante, e sim a oportunidade que temos de desenvolver projetos científicos com supervisão e mentoria”, conclui o estudante.
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