Da perspectiva de um físico filósofo – ou um filósofo da física – o pensamento de Einstein ganha ainda mais profundidade. Na palestra “As contribuições e críticas de Einstein à física quântica”, no dia 8 de novembro, Silvio Chibeni, do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostrou que a contribuição do renomado físico alemão vai muito além da teoria da relatividade com que o público leigo o identifica. Ele não só foi pioneiro em formular os princípios da mecânica quântica, como também buscou melhorá-los discutindo as limitações da teoria.
Como boa parte dos avanços científicos, a teoria da relatividade foi formulada de maneira incremental por vários pesquisadores que trabalhavam no problema. “A relatividade restrita era algo que já estava mais ou menos no ar, na época. A contribuição de Einstein foi principalmente no sentido de fechar esse conhecimento, de dar uma finalização e sobretudo um enfoque filosófico diferente, que modificou a forma pela qual os assuntos estavam sendo discutidos”, contou Chibeni. Mas a partir daí o cientista alemão passou adiante do que outros pensavam e deu o pulo para explicar a relatividade geral, que tem a ver com gravitação. “Nesse caso a contribuição dele foi mais individual, quase tudo dependeu dele.”
Em termos de idéias originais, a contribuição de Einstein também foi decisiva na criação do segundo dos grandes pilares da física contemporânea, a mecânica quântica, cuja formulação final foi proposta em meados da década 1920 por dois físicos independentemente: o alemão Werner Heisenberg e o austríaco Erwin Schrödinger. Foram esses nomes que entraram para a história da ciência mais fortemente associados à mecânica quântica, mas foi o trabalho precursor de outro alemão que estabeleceu os fundamentos da teoria. “Há pouca dúvida de que sem a contribuição de Einstein esse desenvolvimento importante na física teria demorado muito mais para acontecer”, disse o filósofo paulista.
Quantização
Ele explica que é comum considerar-se que a física quântica nasceu em um artigo publicado por Max Planck em 1900, em que propôs uma fórmula na qual considerava que o processo de produção de luz fosse quantizado – em pacotes em vez de gradual. Mas na verdade a quantização só foi proposta como um aspecto físico real em 1905, num trabalho em que Einstein explicou como elétrons se desprendem de placas metálicas sobre as quais incide luz, um fenômeno conhecido como efeito fotoelétrico. Para dar conta das observações desse fenômeno feitas no final do século XIX, o físico alemão propôs que a luz tinha uma natureza granular: o que atinge o metal são pequenos pacotes de luz. Uma proposta revolucionária diante da teoria sedimentada, até aquele momento, de que a luz tinha natureza ondulatória. Só dez anos depois o norte-americano Robert Andrews Millikan conseguiu mostrar, com uma série de experimentos, que a equação proposta por Einstein para descrever aspectos quantitativos do fenômeno estava correta.
A idéia dos quanta de luz foi muito contestada entre os físicos – e continuou contestada mesmo depois que Einstein ganhou o Prêmio Nobel em 1921. “Einstein foi solitário na defesa dessa perspectiva durante muito tempo.”
Chibeni mostrou que a quantização de propriedades físicas também foi aplicada por Einstein na explicação de diversos outros fenômenos. Em 1905 ele usou a teoria para explicar o curioso fenômeno do movimento browniano, que tinha sido descrito a partir de como grãos de pólen se movem num fluido. A confirmação experimental de suas equações nos anos subseqüentes foi fator decisivo para que a teoria dos átomos fosse definitivamente aceita. Usando os mesmos princípios teóricos, em 1906 ele explicou certas anomalias no comportamento de sólidos a baixas temperaturas. Em 1924 adotou e desenvolveu a proposta de uma estatística quântica, feita pelo então desconhecido físico indiano Satyendra Bose. E por fim apoiou, nessa mesma época, a idéia bizarra – porém fundamental para a mecânica quântica – das “ondas de matéria”, formulada pelo jovem Louis de Broglie.
Mas o próprio Einstein não ficou completamente convencido com todo esse trabalho precursor. Quando a teoria final foi formulada, ele se tornou, até o fim da vida, o seu principal crítico. Embora achasse a teoria correta, afirmava que ela era incompleta. “Um indício dessa incompletude é que as predições quânticas em geral têm um caráter probabilístico e, em geral, não especificam algumas propriedades dos objetos individuais”, explicou Chibeni. Fazendo uma comparação, é como se alguém informasse a média de idade de um grupo de pessoas, mas não a idade de cada uma. O mais importante argumento apresentado por Einstein para a tese da incompletude da mecânica quântica foi publicado em 1935, em colaboração com Boris Podolsky e Nathan Rosen. Eles estudaram certos pares de objetos que foram criados juntos e compartilham propriedades físicas, mesmo se transportados para locais distantes. Se a mecânica quântica estivesse completa, qualquer ação sobre um deles afetaria instantaneamente o outro. “Para Einstein isso era inaceitável, por violar aquilo que ele chamava de princípio da localidade ou princípio da ação local, segundo o qual as ações físicas não podem ser instantâneas e atingir imediatamente objetos remotos no espaço.”
Seguindo essa linha de pensamento – que logo foi considerada dissidente pela comunidade dos físicos –, em 1952, o norte-americano David Bohm, que na época estava no Brasil, trabalhando na Universidade de São Paulo, conseguiu formular uma teoria mais completa que a mecânica quântica. Ironicamente, porém, sua proposta tinha um aspecto indesejável: justamente violava o princípio da localidade. “Quando esse fato foi notado, naturalmente surgiu a questão de saber se essa ‘não-localidade’ seria uma particularidade da teoria de Bohm ou, ao contrário, uma propriedade intrínseca de qualquer teoria mais completa que a mecânica quântica”, disse Chibeni. A resposta foi dada pelo escocês John Bell, que em 1964 provou que qualquer teoria completa e local viola certas predições estatísticas da mecânica quântica. De acordo com o filósofo da Unicamp, essas predições foram inequivocamente confirmadas em diversos experimentos realizados desde então.
Esses resultados teóricos e experimentais tiveram como ponto de partida as críticas de Einstein, que apontou rumos de investigação, o que deixa claro que mesmo criticando ele contribuiu de maneira extremamente positiva – mesmo que a teoria tenha seguido um rumo contrário ao que ele imaginava. “Ele não viveu para ver que suas críticas à mecânica quântica desembocaram num resultado que ele detestaria, ou seja, para completar a teoria quântica é preciso abrir mão da localidade”, concluiu o filósofo da Unicamp.
As contribuições e críticas de Einstein à física quântica
Silvio Seno Chibeni, físico e professor livre-docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp