Às vezes, bons remédios para delicados problemas de saúde humana surgem de fontes inesperadas e até um tanto surpreendentes. Essa é uma entre outras conclusões possíveis da leitura da reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP. Como relata o editor de ciência, Carlos Fioravanti, pesquisas na Universidade de São Paulo (USP) acabam de demonstrar que o canabidiol, uma das substâncias mais abundantes da maconha, é capaz de deter a ansiedade de modo equivalente a alguns medicamentos sintéticos utilizados há décadas. Aparentemente, ele pode também reduzir a depressão. Outros estudos da mesma universidade trazem evidências preliminares de que o canabidiol funciona também como antipsicótico e é capaz de tornar mais leves sintomas dramáticos da esquizofrenia.
Outras pesquisas já haviam indicado alguma eficácia da mesma substância contra leucemia, epilepsia e doenças neurodegenerativas, como o mal de Alzheimer. Ora, considerando tudo isso, é irrecusável a idéia de que a maconha — normalmente tratada apenas como uma droga cujo consumo contínuo pode ter efeitos físicos e psicológicos perniciosos — se apresenta como campo vastíssimo e promissor de um ramo da pesquisa científica comprometido acima de tudo com a saúde e o bem-estar dos seres humanos — o de fármacos. E a julgar pelos resultados que têm saído recentemente dos laboratórios das universidades brasileiras e de alguns de seus melhores institutos de pesquisa, trata-se de um campo em que o país parece destinado a avançar rapidamente, seja valendo-se de plantas, de substâncias em que tem considerável know-how acumulado, como o veneno de serpentes, ou talvez mesmo de moléculas sintéticas.
Do reino vegetal, aliás, saem outras boas notícias desta edição. Por exemplo, o desenvolvimento de uma cana-de-açúcar geneticamente modificada que, quando atacada pela broca-da-cana — e só aí —, funciona como um verdadeiro inseticida, segundo o relato da editora assistente de tecnologia, Dinorah Ereno. A broca, uma das principais pragas da cultura da cana, é um inseto que penetra no interior da planta e aí vai cavando galerias internas por onde escoa boa parte do investimento dos produtores. Contra isso, genes promotores entraram na engenharia dessa nova planta com notável capacidade de defesa contra os hóspedes indesejáveis.
Vale a pena destacar também nesta edição a entrevista do antropólogo Emilio Moran, na qual ele fala de forma notavelmente viva das profundas transformações sociais que estão em gestação neste mundo em que vivemos, em decorrência das mudanças climáticas globais já em curso. Manejadas com mestria, as palavras de Moran, como dizemos na abertura da entrevista, são capazes de capturar a atenção mesmo do mais cético dos antiambientalistas para esse tema das mudanças climáticas, cada vez menos vistas como apenas aborrecidas para quem não é especialista.
Vale a pena conferir.
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