EDUARDO CESARAo longo de uma ensolarada semana de julho, 12 mil pessoas estiveram em Campinas para participar de uma maratona científica que debateu temas estratégicos para o desenvolvimento nacional, como o futuro do etanol e os desafios da inovação. A 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi realizada entre 13 e 18 de julho na mesma cidade que abrigou, em 1949, a primeira edição do que se consagraria como o maior encontro científico da América Latina. Se o encontro de 59 anos atrás teve lugar no Instituto Agronômico (IAC), o campus da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi o cenário da reunião de 2008, que contou com 7 assembléias, 80 conferências, 55 mesas-redondas, 7 sessões especiais, 71 simpósios e 43 minicursos. Na avaliação do presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, um dos resultados positivos da reunião foi a discussão por núcleos temáticos, tais como etanol de cana-de-açúcar; conhecimento, desenvolvimento e inovação tecnológica; aquecimento global; biodiversidade e conservação; experimentação com animais de laboratório; pesquisa científica e legislação brasileira; educação para a ciência no ensino básico; e saúde pública: doenças endêmicas, entre outros.
Das 12 mil pessoas que prestigiaram o evento, 6.264 estavam oficialmente inscritas na programação científica. Desse total, 2.020 eram do estado de São Paulo. Em 2º lugar havia 375 participantes do Pará, que sediou a reunião da SBPC em 2007; seguido por Minas Gerais, com 368 inscritos. O público pôde circular por um ginásio que exibiu mais de 3 mil pôsteres com trabalhos de jovens pesquisadores e estudantes de iniciação científica, além de uma Feira do Livro, com estandes de 25 editoras, e a Exposição de Tecnologia e Ciência (ExpoT&C), que contou com mais de 60 expositores. O estande da FAPESP da ExpoT&C apresentou ao público as principais áreas de atuação, programas e projetos apoiados pela Fundação.
O núcleo temático “Etanol de cana-de-açúcar” foi um dos que mais atraíram a atenção, com palestras, conferências e mesas-redondas sobre vários aspectos do biocombustível animadas por nomes como o do botânico Marcos Buckeridge (USP), Isaías Macedo e Cylon Gonçalves da Silva (Unicamp), entre outros. Também foram concorridos os eventos do núcleo temático sobre aquecimento global, entre os quais a conferência de Carlos Nobre, meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU. O presidente do Inpe, Gilberto Câmara, fez um desabafo ao explicar os sistemas de monitoramento do desmatamento da Amazônia, que apontaram uma elevação nas áreas devastadas neste ano – e foram postas em dúvida por autoridades. Câmara disse que o tempo dará razão ao Inpe. “A relação entre poder e ciência é muito interessante”, afirmou. “Não é uma relação entre iguais, mas a desigualdade muda com o tempo. Em curto prazo, o poder tem a capacidade de prejudicar a ciência. A longo prazo, no entanto, a ciência é mais forte. A verdade aparece e nem sempre é agradável para quem tentou prejudicar a pesquisa.”
Os entraves ao desenvolvimento da ciência também foram objeto de discussão. A necessidade de criar uma legislação que regule a experimentação científica com animais foi discutida em diversas palestras e mesas-redondas. A queda do interesse dos jovens brasileiros por cursos de computação animou uma mesa-redonda “Futuro da computação e robótica”. Desde 2004, entrou em declínio a curva do número de alunos de graduação, mestrado e doutorado e total de alunos nas áreas de robótica, engenharia de software e microeletrônica. A única exceção é o doutorado em microeletrônica, em que os números não sofreram alteração. Isso apesar do crescimento da produção científica nacional em tecnologia da informação. Segundo Dante Barone, secretário da SBPC, o caráter teórico dos currículos é um fator desmotivador dos alunos. “Os conteúdos das faculdades nem sempre contemplam, em cadeiras oficiais, cursos de webdesign e linguagens específicas, o que também contribui para afastar alunos”, diz.
Aliada
Dois ministros de Estado estiveram no encontro. Carlos Minc, do Meio Ambiente, expôs os principais projetos de sua pasta e admitiu que há exageros nas exigências feitas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para permitir o acesso de pesquisadores em reservas ambientais. “A atividade científica não pode ser vista como nossa adversária. No meu ponto de vista, ela é a nossa principal aliada”, disse. O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, anunciou a aquisição de um supercomputador para simulações avançadas das mudanças climáticas globais. O sistema, que será adquirido por meio de uma parceria entre a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a FAPESP, será instalado no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), na cidade de Cachoeira Paulista, no Vale do Paraíba (leia mais na página 31). Rezende também anunciou a criação de 50 Institutos Nacionais de Pesquisa em até três anos, que substituirão os Institutos do Milênio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Segundo Rezende, está previsto o investimento de R$ 270 milhões até 2010, financiado pelo CNPq e a Finep. Serão selecionados até 30 institutos por edital para atuação nas seguintes áreas estratégicas: biotecnologia e nanotecnologia; tecnologia da informação e comunicação; insumos para saúde; biocombustíveis; energias renováveis; petróleo; agronegócio; biodiversidade e recursos naturais; meteorologia e mudanças climáticas; programa espacial; programa nuclear; e defesa nacional. Outros 20 institutos trabalharão temas gerados por demanda. De acordo com Rezende, a iniciativa representa uma fase de transição no sistema de fomento federal para ciência e tecnologia. “Os Institutos do Milênio conseguiram excelentes resultados, mas têm recursos muito limitados. Os Institutos Nacionais vão substituí-los com mais sustentabilidade”, disse Rezende à Agência FAPESP.
No encerramento do evento, o reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, elogiou a qualidade dos debates e se disse orgulhoso pela chance de a universidade abrigar a principal reunião científica brasileira. O governador do Amazonas, Eduardo Braga, participou do encerramento do evento com uma palestra sobre o sistema de ciência e tecnologia montado com sucesso no Amazonas. “Sem tecnologia não será possível implementar o desenvolvimento necessário para vencer o desafio da Amazônia brasileira”, disse Braga, ao convocar a comunidade científica a prestigiar a 61ª reunião, que será realizada em Manaus, em julho de 2009.
Republicar