Trabalhos recentes promoveram alterações em circuitos genéticos relacionados ao processo mais essencial à vida das plantas, a fotossíntese, e obtiveram ganhos expressivos de produtividade em experimentos com duas grandes culturas agrícolas, a soja e o arroz. A fotossíntese transforma a energia solar em energia química, indispensável para o desenvolvimento do vegetal. A luz é captada e usada para converter água, dióxido de carbono (CO2) e minerais em oxigênio e compostos orgânicos (carboidrato e gordura). Essas reservas energéticas são o combustível para a planta se manter e crescer.
Em um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Illinois, Estados Unidos, entre os quais a botânica brasileira Amanda Pereira De Souza, a soja apresentou um rendimento no campo 33% maior do que o padrão. No caso do arroz, o aumento de produtividade chegou a 40%, segundo artigo científico produzido por uma equipe da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas (Caas). Ambos os estudos foram publicados na revista Science, o da soja em agosto deste ano e o do arroz no mês anterior, em julho.
Os dois times de pesquisadores trabalharam de forma independente, sem nenhuma relação um com o outro, e produziram variedades geneticamente modificadas de soja e arroz. Usaram uma abordagem semelhante: inseriram cópias extras de genes que já faziam parte do genoma das plantas (em Illinois foram clones de três genes e na China de apenas um). Mas miraram pontos distintos da maquinaria biológica das culturas. “A abordagem do grupo de Illinois foi mais específica e pontual, com repercussão aparentemente apenas na taxa de fotossíntese”, comenta o botânico Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), que não faz parte da equipe de nenhum dos trabalhos. “A dos chineses tem implicações em mais processos da planta, como a fixação de nitrogênio e a floração, além da fotossíntese.”
De Souza e seus colegas de Illinois introduziram na soja um grupo de três genes de Arabido-psis thaliana, planta da família da mostarda usada como modelo da biologia. Esses genes já existem na soja normal. O objetivo da operação é reforçar o genoma do cultivo agrícola com uma cópia extra dessa trinca de sequências para aumentar a produção das proteínas associadas aos genes. Essas proteínas regulam o ciclo das xantofilas, pigmentos amarelados que influenciam diretamente um mecanismo de proteção das folhas da soja (e de muitas outras plantas) quando expostas a um excesso de luz, denominado extinção não fotoquímica.
Em alta luminosidade, as plantas fazem o máximo de fotossíntese. Para evitar danos, as folhas que recebem luz em demasia dissipam o excesso de energia solar absorvida em razão da ativação da extinção não fotoquímica. Quando essas mesmas folhas entram em uma zona de sombra, devido à passagem de uma nuvem ou por terem sido encobertas por alguma parte da planta, elas não desligam imediatamente esse sistema de defesa contra o excesso de sol. Elas mantêm esse mecanismo desnecessariamente ligado por algum tempo e demoram alguns minutos para direcionar a energia recebida para a fotossíntese, um atraso que diminui a eficiência do processo. A proteção conferida pela extinção não fotoquímica é ligada e desligada várias vezes ao dia em função das condições de luz.
“Com a modificação genética, aceleramos o processo de desligamento de um mecanismo de proteção ao excesso de luz que reduz a fotossíntese quando a planta passa pela transição da exposição à luz para a sombra”, explica De Souza, primeira autora do estudo, que foi capa da revista Science na semana em que foi publicado. “Dessa forma, toda vez que há flutuação de luz nas folhas, um evento comum no campo, há um ganho de carbono pela planta devido à maior eficiência na fotossíntese.” Entre 2005 e 2015, a botânica foi bolsista da FAPESP, primeiro no mestrado, feito no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), e, depois, no doutorado e pós-doutorado, realizados no IB-USP.
A introdução das cópias extras dos três genes faz com que as folhas da soja iniciem a fotossíntese em menos tempo do que o padrão quando passam de um ambiente com excesso de luz para um de sombra. “Essa modificação genética deu certo tanto no tabaco como na soja, que são culturas bem distintas”, comentou, em entrevista por e-mail a Pesquisa FAPESP, o botânico Stephen Long, da Universidade de Illinois, chefe do grupo que realiza os estudos. Em 2016, essa mesma alteração já tinha sido testada no tabaco pela equipe de Illinois em um trabalho publicado na Science. Na ocasião, a introdução da cópia extra da trinca de genes elevou a produtividade do tabaco em até 20%.
Long é otimista com relação ao emprego da técnica, que foi patenteada pela universidade norte-americana, em outras plantas, especialmente naquelas que representam uma importante fonte de alimento para a humanidade. “Acreditamos que ela deva funcionar em cultivos cujos ancestrais são originários de hábitats abertos, nos quais as zonas de sombra eram raras”, diz o botânico de Illinois. Quarto cultivo mais comum no mundo, a soja é a primeira cultura agrícola de larga escala em que a alteração genética proposta pela equipe de Long é testada. Os ganhos de 33% de rendimento na lavoura da nova variedade transgênica de soja não alteraram suas características nutritivas. A quantidade de proteína e de óleo armazenados nos grãos do cultivo modificado permaneceu a mesma da planta comum. No momento, De Souza realiza experimentos semelhantes com a mandioca.
Estudos de longo prazo ainda precisam ser feitos para confirmar o ganho de produtividade e a segurança dos cultivos
A modificação promovida pelo grupo da Caas pode parecer de menor monta, por introduzir uma cópia extra de apenas um gene, mas essa impressão é enganosa. O único gene envolvido na alteração, o OsDREB1C, produz uma proteína de um tipo que os biólogos moleculares denominam de fator de transcrição. Essa proteína regula a ativação de outros genes, presentes em diferentes processos.
No estudo de julho deste ano, os chineses reportam ter selecionado o OsDREB1C depois de terem analisado um conjunto de 118 genes de regulação que estão no arroz e no milho. Ele foi julgado como o gene ideal para ser superativado no arroz, por meio da inserção de uma cópia a mais dele, porque seu fator de transcrição influi simultaneamente na fotossíntese e na fixação do nutriente nitrogênio presente no solo e ainda encurta o tempo necessário para o florescimento da planta. O controle desses processos pode ter uma grande repercussão na produtividade de uma planta.
Com a cópia extra do gene, a variedade de arroz conhecida como nipponbare produziu 40% a mais em experimentos de campo realizados em três lugares diferentes da China, com clima que variava do temperado ao tropical. A floração ocorreu 19 dias antes do padrão e as raízes eram mais profundas, provavelmente devido à maior fixação de nitrogênio. As folhas apresentaram um terço a mais de cloroplastos, organelas que fazem a fotossíntese dentro das células, e uma concentração 38% maior de rubisco, enzima-chave para que o processo de conversão da luz solar em energia química ocorra.
Para demonstrar que era mesmo a dose reforçada do gene OsDREB1C a responsável pelo ganho nos rendimentos, os cientistas produziram uma versão do arroz em que nenhuma cópia desse gene era funcional. Resultado: essa leva modificada do cultivo rendeu no campo menos do que a planta tradicional, sem nenhuma alteração genética. “Esse estudo nos dá a esperança de maior produtividade na cultura do arroz com a aplicação de menos fertilizantes nitrogenados e um período menor de crescimento da planta”, disse ao jornal China Daily Wan Jianmin, da Academia Chinesa de Engenharia e ex-vice-presidente da Caas, que não participou do estudo.
A introdução de cultivos transgênicos, como a soja de Illinois e o arroz chinês, sempre requer cuidados extras e a realização de estudos sobre possíveis impactos indesejados ao meio ambiente ou à saúde. Também é preciso confirmar se os ganhos de produtividade relatados nos experimentos se mantêm a longo prazo. “Acho que esse deve ser o próximo passo dessas pesquisas”, comenta o agrônomo Edvaldo Aparecido Amaral da Silva, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu, que coordena um projeto com financiamento da FAPESP sobre a qualidade das sementes da soja devido a estresse de altas temperaturas e seca. “É preciso avaliar a planta e sua produtividade em mais ambientes a fim de comparar sua performance e verificar se não existe algo que inviabilize o emprego dessa tecnologia genética. Mas o estudo do grupo de Illinois é importante e inovador.”
Além de gerar mais alimento, as plantas geneticamente modificadas talvez possam ser aliadas no combate ao acúmulo de gases de efeito estufa, em especial o CO2, captado na fotossíntese. “Modificações genéticas que melhorem esse processo podem ser úteis não só para aumentar a produtividade agrícola, mas também para estimular as plantas a retirar mais carbono da atmosfera e mitigar as mudanças climáticas”, comenta Buckeridge, do IB-USP, em cujo grupo de pesquisa De Souza desenvolveu trabalhos antes de ir para os Estados Unidos.
Modelagens matemáticas feitas pelo grupo de Illinois indicam que a soja transgênica ali desenvolvida poderia absorver cerca de 10% a mais de carbono da atmosfera em razão da otimização da fotossíntese. Com mais carbono, a planta gera biomassa adicional, inclusive mais óleo e proteína que podem ser destinados ao consumo humano e de outros animais. Os pesquisadores, no entanto, ainda não realizaram experimentos de campo para tentar medir se essa retirada extra de carbono da atmosfera realmente ocorre na lavoura.
O site da revista Pesquisa FAPESP traz uma versão resumida desta reportagem.
Artigos científicos
DE SOUZA, A. P. et al. Soybean photosynthesis and crop yield are improved by accelerating recovery from photoprotection. Science. v. 377, n. 6608. 18 ago. 2022.
WEI, S. et al. A transcriptional regulator that boosts grain yields and shortens the growth duration of rice. Science. v. 377, n. 6604. 22 jul. 2022.