Podcast: Franco Giuseppe Dedini
Um dos mais adiantados, que já está no mercado, foi desenvolvido pelo engenheiro mecânico Júlio Oliveto Alves quando realizava seu mestrado na Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá (FEG), da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Trata-se de um sistema de tração elétrica para cadeira de rodas manual. Denominado Kit Livre, é um acessório portátil, dobrável, composto por uma roda e um motor elétrico recarregável. “Quando acoplado a uma cadeira de rodas comum, ele a transforma num triciclo motorizado, que pode atingir velocidade de até 20 quilômetros por hora (km/h), com autonomia média de 25 km”, explica Alves. “Com o Kit Livre, a pessoa com deficiência pode subir e descer o meio-fio de calçadas e andar por terrenos arenosos, irregulares e gramados, além de subir ladeiras com inclinação de até 40%.”
EDUARDO CESARA ideia de transformar uma cadeira de rodas em triciclo começou em 2009, quando Alves fazia o mestrado, sob a orientação de Victor Orlando Gamarra Rosado. Em 2012, a patente da invenção foi depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e Alves começou a pensar em um produto comercial. “Durante 2013 e 2014 meu irmão Lúcio e eu trabalhamos para desenvolver um modelo de negócios que pudesse nos garantir a distribuição do Kit Livre em todo o país”, diz. “Ainda em 2014, fundamos, em São José dos Campos [SP], a empresa Livre – Soluções em Mobilidade.”
No final desse mesmo ano, eles venceram o Prêmio Santander Empreendedorismo, no valor de R$ 100 mil. Com esse dinheiro foi possível fabricar o primeiro lote comercial e começar a fase operacional da empresa, o que ocorreu em abril de 2015. “Desde então distribuímos nossos equipamentos em 19 estados brasileiros, com vendas em nossas lojas virtual e física e em grandes redes varejistas”, informa Alves. “Até agora vendemos cerca de 250 unidades, a R$ 4.990 cada uma.” Além do Santander, a empresa conquistou outras premiações, como Acelera Startup, organizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), e o Prêmio FedEx para Pequenas Empresas, concedido pela FedEx Brasil. “É um produto que garante mais independência e autonomia à pessoa com deficiência, o que amplia sua integração à sociedade, com um desenho inovador e conforto”, diz Victor Rosado.
Dois protótipos em avaliação, também para acoplagem a simples cadeiras de rodas manuais e flexíveis, foram desenvolvidos no âmbito do Projeto Mobilidade de um grupo de professores e alunos da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (FEM-Unicamp), liderados pelo professor Franco Giuseppe Dedini. Um deles, chamado Módulo Líbero, é composto por um motor elétrico recarregável e duas rodas. Foi projetado para ser acoplado na parte de baixo da cadeira, o que faz com que ela fique com seis rodas. “São as duas rodas extras, acopladas ao motor elétrico, que vão sustentar a maior parte do peso do conjunto, facilitando o trânsito das rodas originais sobre as irregularidades e obstáculos do terreno”, explica Dedini.
Outro kit é chamado de Mochila. Mais leve e menos potente, o dispositivo é fixado na parte de trás da cadeira e, por meio de rodinhas ligadas a um motor, impulsiona o veículo. Esses kits apresentam algumas vantagens em relação às cadeiras motorizadas tradicionais, como menor peso e maior facilidade de manobrá-las e dobrá-las para transporte em automóveis. “Outra vantagem dos dois modelos é a facilidade que o cadeirante tem em acoplar ou retirar a motorização quando quiser”, diz a engenheira mecânica Flávia Bonilha Alvarenga, que fez doutorado sob a orientação de Dedini, uma das responsáveis pelo projeto do Líbero.
Os kits de motorização têm outra vantagem importante: o preço menor. “Hoje no Brasil, cadeiras motorizadas custam de R$ 5 mil a R$ 40 mil, dependendo das características e aplicações, enquanto as manuais variam de R$ 400 a R$ 6 mil”, informa Dedini. “O nosso protótipo Mochila custou R$ 1 mil e o Módulo Libero, em torno de R$ 1,5 mil. A meta de preço de venda desses produtos é entre R$ 1,2 mil e R$ 1,8 mil. Mas isso é apenas uma estimativa.”
Pesquisador da área de bioengenharia Fausto Orsi Medola, professor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac), do campus de Bauru da Unesp, está desenvolvendo um sistema de motorização um pouco diferente. Ele participa de um grupo que conta também com os professores Carlos Alberto Fortulan, da Escola de Engenharia de São Carlos (Eesc), e Valéria Elui, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, ambas da Universidade de São Paulo (USP). “O que fizemos é uma cadeira de rodas manual com assistência motorizada”, explica. “Ela é manual e tem um motor elétrico, com bateria recarregável, que pode ser ligado somente para auxiliar o usuário na mobilidade em rampas, subidas e por longas distâncias, reduzindo o esforço muscular nos membros superiores.” Para levar adiante o projeto, o grupo contou com financiamento de R$ 27 mil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
De acordo com Medola, a cadeira manual com assistência motorizada que ele desenvolveu é semelhante a modelos existentes no mercado internacional. “São conhecidas como cadeiras de rodas com assistência motorizada ativada pelo aro propulsor”, diz. “No entanto, elas têm dois motores, um em cada roda traseira, que funcionam de forma independente, amplificando a força que o usuário aplica nas rodas. A nossa proposta difere pela motorização única das rodas traseiras, o que garante condições de dirigibilidade mais próximas a uma cadeira de rodas manual convencional.” O protótipo ainda necessita de aprimoramentos para eventualmente chegar ao mercado.
Em qualquer direção
Na Universidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André (SP), o pesquisador Luís Alberto Martinez Riascos desenvolve dois projetos ousados: uma cadeira com rodas onidirecionais (que rodam em qualquer direção) e outra que sobe escadas. “As cadeiras com rodas convencionais são difíceis de locomover e manobrar em espaços pequenos ou congestionados”, diz. “Manobras simples necessitam de um espaço livre grande. Com as rodas onidirecionais, a cadeira pode se deslocar em todas as direções, incluindo movimentos diagonais e laterais. Fica mais fácil se locomover em ambientes pequenos.” Nesse tipo de cadeira, todas as quatro rodas têm o mesmo tamanho, de forma diferente das comuns em que as traseiras são maiores. Riascos explica que a cadeira usa rodas onidirecionais chamadas Mecanum wheel-45° ou Swedish-45°. “Elas têm roletes no contorno da roda com eixo de rotação a 45° em relação ao da cadeira, mas com tração no sentido transversal. Combinando adequadamente a tração das quatro rodas, é possível obter qualquer movimento ou rotação”, explica.
Além dos espaços apertados, os usuários de cadeira de rodas enfrentam outras dificuldades em seu dia a dia, como, por exemplo, escadas, meios-fios, irregularidades e buracos no terreno. “Criamos uma cadeira de rodas capaz de subir escadas, além de superar outros obstáculos”, diz Riascos. O projeto começou em 2011 e em 2012 o pesquisador recebeu financiamento da FAPESP. Essa cadeira é baseada no princípio de rodas delta ou estrela. Elas são compostas por três rodas pequenas que giram sobre um eixo comum, tornando possível a subida e a descida de degraus. “Já existe uma patente de roda estrela sem acionamento, usada em carrinhos manuais de carga”, diz. “Mas o sistema de acionamento motorizado é protegido por patente, por isso tivemos que projetar o nosso próprio modelo.” Cada roda delta tem um motor elétrico acionado de forma independente. Em superfícies planas, tem a mesma autonomia de uma cadeira de rodas convencional, cerca de três a quatro horas. “Ela tem ainda outro motor, um pouco menor, para o sistema de inclinação do banco que garante conforto e segurança ao usuário”, diz Riascos.
Por enquanto não há previsão de quando os protótipos se transformarão em produtos comerciais, nem estimativa de preço. “Eles ainda têm problemas que devem ser resolvidos, tais como controle e capacidade de fazer manobras”, afirma Riascos. De acordo com o pesquisador, já existem no mercado mundial modelos de cadeiras que sobem e descem escadas. A melhor, segundo Riascos, é a Top Chair, francesa. O problema é o preço: custa R$ 75 mil.
Há ainda a Observer, da China, e a iBOT, norte-americana, que foi retirada do mercado por problemas de segurança. “O protótipo que desenvolvemos apresenta transição instantânea das superfícies planas para escadas e vice-versa – enquanto a Top Chair tem rodas para o plano e um sistema semelhante a uma esteira dentada para as escadas”, explica. “Outra vantagem é o peso. A que construímos pesa 78 kg, cerca da metade das concorrentes – 140 kg da Top Chair, 197 kg da Observer e 131 kg da iBOT.”
Matemática do sorriso
Com o objetivo de atender um público com deficiências motoras mais severas, como tetraplégicos que só conseguem mover os músculos do rosto, o cientista da computação Paulo Gurgel Pinheiro desenvolveu um programa de computador capaz de traduzir expressões faciais, como beijo, sorriso ou levantar de sobrancelhas, em comandos de uma cadeira de rodas, como ir para frente, para trás e girar. “Dessa forma, pessoas que perderam o movimento das pernas e braços podem controlar uma cadeira de rodas motorizada”, diz.
Chamado Wheelie, o software pode ser instalado em qualquer computador. Ele utiliza uma pequena câmera 3D para capturar pontos da face, ao redor dos olhos, da boca e do nariz. “O programa utiliza quase 80 desses pontos”, diz Pinheiro. “A partir daí, ele os analisa para tentar extrair a expressão facial que o usuário possa estar fazendo.” É possível configurar um comando para cada expressão. Por exemplo, um beijo move a cadeira para frente, um levantar de sobrancelhas faz ela girar para a esquerda. “O usuário escolhe entre as expressões que consegue fazer quais são as mais confortáveis para ele e a relação que terá com o funcionamento da cadeira”, explica. Segundo Pinheiro, os modelos semelhantes no mercado internacional não apresentam a mesma eficiência. “Todas as soluções disponíveis no mundo para controlar uma cadeira de rodas sem as mãos exigem que a pessoa utilize algum sensor junto ao corpo”, garante.
O programa Wheelie foi projetado para entender o rosto de qualquer usuário. “Assim como nós humanos, ele reconhece o sorriso de alguém em tempo real, justamente porque a matemática por trás de todos os sorrisos é a mesma”, explica. Pinheiro conta que o projeto começou em agosto do ano passado. “Mesmo sem empresa constituída, desenvolvemos um protótipo simples e funcional para mostrar o potencial do programa”, explica. “Hoje, com menos de seis meses após o investimento do Pipe [Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas], nosso algoritmo classifica o dobro de expressões na metade do tempo”, assegura. “Além do apoio da FAPESP, contamos com o da Intel, por meio do Intel Innovator Program, que dá suporte a ideias inovadoras ao redor do mundo”, conta. “A empresa nos apoia em infraestrutura, divulgação e rede de relacionamentos.” A meta é ter o produto no mercado até o final de 2018. Para isso, foi criada a startup Hoobox Robotics. “A ideia é vender o software aos grandes fabricantes de cadeira de rodas que as equipariam com ele”, revela.
Projetos
1. Projeto e construção de cadeiras de rodas mais acessíveis (nº 2012/04915-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Luis Alberto Martinez Riascos (UFABC); Investimento R$ 95.161,77.
2. Wheelie e Gimme, tecnologia inovadora para dirigir cadeira de rodas (nº 2015/22624-1); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Paulo Gurgel Pinheiro (Hoobox Robotics); Investimento R$ 26.700,00.
3. Mobilidade em cadeira de rodas: Implicações do design nos aspectos cinéticos, biomecânicos e perceptivos (nº 2016/05026-6); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Fausto Orsi Medola (Unesp); Investimento R$ 90.567,00.