Imagine um tecido que pode ser 1000% esticado e mesmo nessas condições conduz eletricidade. Uma indumentária feita com esse material flexível e resistente, e ainda por cima capaz de abrigar sensores, células solares e outras tecnologias, seria o sonho de qualquer super-herói. Mas pode estar mais perto de usos mais prosaicos, como marca-passos, braços robóticos ou cabos que poderiam ser esticados até passarem de 30 vezes o comprimento original sem perder a condutividade. É o que promete o trabalho coordenado pelo físico norte-americano Ray Baughman, do Instituto Nanotech da Universidade do Texas em Dallas, em artigo publicado na revista Science desta semana (24/7).
“O material se forma espontaneamente”, afirma o físico Douglas Galvão, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que participou do trabalho. Ele mantém há cerca de 20 anos uma colaboração com o grupo de Baughman, e conta que a novidade veio da inspiração de reunir borracha e nanotubos de carbono de uma maneira especial: as fibras de borracha são esticadas e recobertas pelos nanotubos, que são condutores de energia. A surpresa foi verificar, em experimentos, que mesmo altamente esticado o material não perde essa propriedade, algo inédito no mundo dos circuitos eletrônicos flexíveis.
Galvão e seu estudante de doutorado Francisco Alírio Moura, que passou um período no laboratório de Dallas, ajudaram a explicar como isso acontece. “Enquanto ele estava lá”, conta Galvão, “participava de uma reunião atrás da outra, as ideias iam para a frente e para trás até entendermos como funciona”. A especialidade do brasileiro, que integra o Centro de Engenharia e Ciências Computacionais, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela FAPESP, é construir modelos teóricos que reproduzam as propriedades de materiais reais, pequenos demais para serem observados.
Ele comemora o sucesso com a nova criação. “Conseguimos criar um modelo simples que reproduz muito bem o comportamento observado nos experimentos”. Quando o material deixa de ser esticado, os nanotubos se organizam de uma maneira que, segundo o físico brasileiro, ao microscópio lembra uma casca de caranguejo. “Com uma magnificação ainda maior, é possível observar outra estrutura organizada”, completa.
A partir do modelo, os pesquisadores conseguem descrever o material em maior detalhe, prever como ele se comportará em situações diferentes e otimizar sua produção. Pela versatilidade e resistência, ele imagina incontáveis aplicações para as novas fibras. Que, segundo ele, poderiam praticamente ser produzidas em casa.
Artigo científico
LIU, Z. F. et al. Hierarchically buckled sheath-core fibers for superelastic electronics, sensors, and muscles. Science, v. 349, n. 6246, p. 400-404. 24 jul. 2015.