Tatiana Belinky: uma janela para o mundo – Teatro para crianças e para todos é o mais novo volume lançado na coleção Textos da Editora Perspectiva. Organizado pela professora Maria Lúcia de Souza Barros Pupo, do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), com a colaboração de Karin Dormien Mellone e Júlio Carrara, este livro reúne 18 pequenas peças teatrais dentre as dezenas que Tatiana Belinky escreveu especialmente para o público infantojuvenil numa carreira literária que já se estende por mais de seis décadas.
Criteriosamente selecionados, esses textos revelam a vasta amplitude temática das criações dramatúrgicas desta admirável escritora e toda a riqueza de seu universo ficcional. São peças escritas entre os anos 1949 e 1963, época em que ela e seu marido, o médico psiquiatra Júlio Gouveia, dedicaram-se com entusiasmo à realização de pequenos espetáculos teatrais, buscando desenvolver nas crianças e nos adolescentes uma atitude ética diante da vida e uma compreensão justa dos valores humanos. Primeiro, fundaram em 1949 o grupo teatral amador Teatro Escola de São Paulo – Tesp e com ele percorrem escolas públicas, clubes, teatros e cinemas de bairro da capital paulista fazendo apresentações teatrais aos domingos pela manhã. Depois, a partir de 1952, passam a realizar seus espetáculos na recém-inaugurada TV Tupi de São Paulo, começando com Fábulas animadas e Era uma vez, programas semanais de teleteatro infantil, e com o seriado semanal Sítio do Picapau Amarelo, baseado na obra de Monteiro Lobato. Permanecem na televisão por mais de 10 anos, ele na direção artística dos programas e ela escrevendo peças originais ou adaptando histórias diversas extraídas de contos, narrativas populares, mitos, fábulas, relatos bíblicos e de importantes obras da literatura infantil mundial.
Para a compreensão do significado do trabalho teatral que realizavam nessa época, contribuição importante é o ensaio de autoria de Júlio Gouveia, escrito em 1954, intitulado “Bases psicológicas, pedagógicas, técnicas e estéticas do teatro para crianças e adolescentes”. Este texto, pouco divulgado e nem sempre disponível, é reproduzido muito oportunamente nesta edição dedicada à dramaturgia de Tatiana Belinky.
Também nesta edição, no texto “Desde que o mundo é mundo”, Karin Mellone, autora de dissertação de mestrado sobre a obra de Tatiana Belinky, oferece ao leitor importantes referências históricas e culturais que marcam o percurso artístico e intelectual desta escritora, apresentando em separado minuciosa cronologia de sua vida e obra e um levantamento bibliográfico do que se escreveu sobre sua produção literária.
Completando a publicação vem o texto “Tecelã dos fios da ficção”, um estudo de Maria Lúcia. Partindo da noção de intertextualidade, ela analisa o conjunto das 18 peças reunidas no livro, revelando de que modo traços, marcas e elementos de diferentes obras literárias impregnam os textos dramáticos de Tatiana e como as personagens, as temáticas e os enredos de histórias já contadas ganham expressão e significados novos em suas peças.
Por fim, não posso deixar de externar minha satisfação com o lançamento deste livro em que, pela primeira vez, a obra de Tatiana Belinky é objeto de uma análise acadêmica – uma obra, aliás, que não se limita apenas à dramaturgia infantojuvenil, traduzindo-se também numa série de contos, crônicas e poesias. Confesso que, ao ler este livro, emoções antigas carregadas de afeto e de sentimentos de solidariedade irromperam em mim. Ao mesmo tempo, uma vaga lembrança de mim mesmo em meus tempos de infância e adolescência se insinuou na minha consciência. Afinal, durante anos, dirigido por Júlio Gouveia, interpretei na TV Tupi de São Paulo diversas personagens de histórias escritas ou adaptadas por Tatiana. Por exemplo, fui o Grilo Falante, de As aventuras de Pinocchio; o Tom Sawyer, de As aventuras de Tom Sawyer; e o Pedrinho, do Sítio do Picapau Amarelo. Agradeço a ela e a ele por persistirem em mim até hoje esses valores humanos, esses sentimentos fraternais e essas emoções de afeto e encantamento diante da vida.
David José Lessa Mattos é mestre em sociologia da cultura (Universidade de Paris X – Nanterre), doutor em história social (USP), professor aposentado do Instituto de Artes da Unicamp e autor de O espetáculo da cultura paulista, editora Códex, São Paulo.
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