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Dinâmica de fluidos

Tensão sob controle

Técnica que estabiliza pressão na interface entre óleo e água pode facilitar a extração de petróleo

eduardo cesarTentáculos fluidos: diferenças de pressão na superfície de contato entre a água e o óleo geram estruturas em forma de dedoseduardo cesar

Uma dupla de físicos teóricos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) identificou uma solução incrivelmente simples para um problema que a indústria petrolífera enfrenta há décadas: a formação dos chamados dedos viscosos, protuberâncias fluidas que surgem quando os engenheiros injetam água dentro de rochas porosas para empurrar o petróleo armazenado nelas em direção ao poço de extração.

O ideal seria que a água funcionasse como um pistão, deslocando uniformemente o líquido mais viscoso. Acontece, entretanto, que minúsculas diferenças de pressão na fronteira entre os dois fluidos tendem a se amplificar e originar rapidamente pequenos tentáculos de água, os tais dedos viscosos, que avançam no interior da massa de petróleo e empurram apenas parte dela. “A água forma canais preferenciais que varrem uma área bastante limitada do reservatório”, explica o engenheiro mecânico Márcio Carvalho, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), que pesquisa métodos de recuperação avançada de petróleo para a Chevron,  Petrobrás e Repsol. Segundo Carvalho, os dedos viscosos são um dos principais fatores que fazem com que em alguns casos se aproveite apenas 30% da capacidade de um reservatório.

As empresas petrolíferas resolvem parcialmente o problema acrescentando à água polímeros que aumentam sua viscosidade. Isso estabiliza a interface com o petróleo, reduzindo a formação dos dedos viscosos. “Mas esse processo tem um custo alto e uma logística complicada”, diz Carvalho.

Os físicos José Américo de Miranda e Eduardo Dias, ambos da UFPE, auxiliados por Carvalho e Enrique Alvarez-Lacalle, da Universidade Politécnica da Catalunha, Espanha, propuseram uma solução que, a princípio, parece ser mais prática. Em artigo na Physical Review Letters, eles verificaram que o simples controle da velocidade com que a água é injetada nas rochas pode eliminar completamente os dedos viscosos.

Para simular em laboratório a maneira como os líquidos fluem pelos poros das rochas, os pesquisadores que estudam os dedos viscosos usam um aparato conhecido como célula de Hele-Shaw, relativamente fácil de construir. Primeiro, eles preenchem o espaço milimétrico entre duas placas de vidro paralelas com um fluido viscoso, por exemplo óleo mineral. Em seguida, abrem um pequeno furo na placa de cima e, por ele, injetam continuamente um fluido menos viscoso, como a água. Logo a forma circular da bolha de água vai dando lugar a um padrão radial de dedos cada vez mais complicado. “Os dedos bifurcam, quadrifurcam e assim por diante”, explica Miranda.

ana paula camposEssa técnica é usada desde 1958, quando os físicos britânicos Philip Saffman e Geoffrey Taylor demonstraram que as equações matemáticas que descrevem a formação dos dedos viscosos nas células de Hele-Shaw são as mesmas que explicam o surgimento deles em rochas porosas. Mas foi só a partir de 2009 que diversos grupos de pesquisadores começaram a desenvolver métodos efetivos de manipular a formação dos dedos nas células.

Simples demais
Miranda e Dias investigavam a matemática por trás de um desses métodos quando descobriram uma abordagem simples de atacar o problema e reduzir o tamanho dos dedos. Os cálculos sugeriam que os dedos viscosos sumiriam caso, em vez de injetar um fluxo constante de água, como normalmente se faz, o volume injetado inicialmente fosse pequeno e aumentasse linearmente com o tempo (ver o infográfico).

“A solução podia ser uma função matemática complicadíssima, mas não”, lembra Miranda, “é simplesmente uma linha reta”. O resultado parecia bom demais para ser verdade. De início, a dupla desconfiou que as aproximações feitas nos cálculos deixassem de valer à medida que a força de injeção da água aumentasse com o tempo.

A teoria foi posta à prova no laboratório de Carvalho. Ele e Dias fizeram testes em uma célula de Hele-Shaw, controlando por computador o fluxo de água injetada. “Realmente a injeção de um volume que aumenta linearmente estabilizou a interface”, diz Miranda. Simulações por computador feitas por Alvarez-Lacalle confirmaram a solução do problema.

Os experimentos e as simulações sugerem que os dedos viscosos não devem se formar nem mesmo se a injeção de água se tornar forte demais. “Contanto que a bomba de água seja eficiente, o processo melhora com o tempo”, explica Miranda.

Esse não é o primeiro trabalho a conseguir eliminar os dedos viscosos. Neste ano, dois outros grupos de físicos publicaram métodos diferentes capazes de impedir a formação de dedos viscosos – em um deles, inclina-se a placa de vidro superior da célula de Hele-Shaw; no outro, a placa superior é substituída por uma membrana elástica. Não há, porém, uma maneira óbvia de essas abordagens serem aplicadas na extração de petróleo, como é o caso da solução proposta pelos brasileiros.

“Também há desafios tecnológicos para implementar nossa solução, como controlar o bombeamento de água”, afirma Carvalho. “Mas esses desafios podem ser superados.” Ainda que se alcance esse controle, efeitos inesperados da passagem dos líquidos pelas rochas porosas podem surgir e atrapalhar a extração de petróleo, segundo o físico Alberto Tufaile, da Universidade de São Paulo.

Evitar a formação dos dedos viscosos é importante não apenas para o mundo do petróleo e dos fluidos em geral. Diversos processos de crescimento na natureza são regidos por equações matemáticas parecidas ou idênticas às que descrevem os dedos viscosos. Miranda acredita que a solução encontrada por eles poderia ser adaptada para impedir o crescimento desordenado de cristais semicondutores na indústria microeletrônica. Ou, ainda, que possa auxiliar no planejamento da aplicação de medicamentos para evitar o espalhamento de tumores pelo corpo, uma vez que parte dos tumores cresce como uma árvore que se ramifica.

Artigo científico
DIAS, E. O. et al. Minimization of viscous fluid fingering: a variational scheme for optimal flow rates. Physical Review Letters. v. 109 (14). 5 out. 2012.

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