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memória

Tijolo após tijolo

Estudos sobre o aquecimento global são feitos há 180 anos

REPRODUÇÃO EDUARDO CESARFolha da Noite, no dia seguinte: consulta a especialistas que trabalhavam no BrasilREPRODUÇÃO EDUARDO CESAR

As notícias sobre pesquisas relativas ao aquecimento global vêm ganhando cada vez mais espaço na imprensa, saltando das reportagens menores para assumir um lugar cativo nas manchetes. Antes que os estudos mais recentes indicassem a real gravidade da situação ambiental do planeta, o assunto só freqüentava a mídia com assiduidade quando havia grandes reuniões sobre o tema — como a Eco 92 e a de Kyoto em 1997 — ou alguma nova teoria chamava a atenção para a questão. Essas condutas não são novas no Brasil ou no mundo.

Há 50 anos o físico húngaro naturalizado norte-americano Joseph Kaplan, da Universidade da Califórnia, publicou um artigo no jornal Santa Monica Evening Outlook, de Santa Mônica, que causou alvoroço por lá e repercutiu no Brasil.

O artigo foi notícia em 10 de abril de 1957 no jornal Folha da Noite, atual Folha de S.Paulo. Dizia o texto: “… a combustão do petróleo e do óleo pesado produz gases, os quais vão aquecendo a atmosfera. Esse aquecimento determinará com o correr do tempo a fundição das calotas polares e a conseqüente elevação do nível dos mares, de cerca de 12 metros. A menos que a ciência consiga controlar a temperatura do ar dentro daquele prazo cidades como Nova York e Tóquio serão inundadas pelo mar”. O prazo citado era de 50 ou 60 anos. Ou seja, os dias atuais.

A Folha da Noite deu a notícia como manchete da página, em oito colunas — “Poderá a Terra vir a ser invadida pelos mares”, e ouviu João Dias da Silveira, catedrático de geografia física, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). Silveira disse que regiões da Sibéria, da Groenlândia e de Spitzberg, no norte da Rússia, haviam tido um aumento na temperatura da “ordem de 1,5 grau”, de 1883 a 1934. Como resultado, em algumas regiões a massa gelada teria sofrido um recuo de 40 quilômetros em direção ao norte. O pesquisador brasileiro ressaltou, acertadamente, que aqueles eram dados de partes isoladas da Terra e não permitiam conclusão sobre a previsão de Kaplan.

No dia seguinte o jornal paulistano voltou ao assunto e entrevistou o oceanógrafo islandês Ingvar Emilsson, então no Instituto Oceanográfico da USP. Emilsson, hoje na Universidade Nacional Autônoma do México, disse à época que a hipótese de Kaplan não era nova. Mas afirmou que o raciocínio do físico húngaro tinha lógica. “Observações já mostraram que tanto no hemisfério Norte como no Sul tem havido nos últimos decênios um aumento na temperatura média”, afirmou.

As ponderações de Kaplan, Silveira e Emilsson seguiam, há 50 anos, a linha evolutiva da ciência. O primeiro cientista a falar em aquecimento da atmosfera por emissão de gases foi o francês Jean Baptiste Fourier, com o ensaio Temperatura da Terra e espaços planetários, em 1827. A partir de 1859, o físico irlandês John Tyndall realizou uma série de testes em seu laboratório para tentar entender a natureza desses gases. Em 1896, o químico sueco Svante August Arrhenius demonstrou em artigo a influência do dióxido de carbono no efeito estufa.

Depois desses estudos as discussões amainaram por mais de 40 anos até o engenheiro inglês Guy Callendar publicar seus trabalhos, em 1938. Meteorologista amador, ele analisou e comparou estatísticas sobre o clima de extensas regiões. E viu que os números, de fato, indicavam o aumento da temperatura global. Em 1957, mesmo ano do artigo de Joseph Kaplan, o químico norte-americano Charles Kelling criou um mecanismo de medição de dióxido de carbono na atmosfera.

“Cada pesquisador colocou um tijolo e subiu um degrau”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. “O que sabemos sobre o aquecimento global hoje deve-se à boa ciência e aos esforços obsessivos desses e de muitos outros cientistas.”

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