Estou desde o começo da pandemia em casa. Depois de 100 dias já não é mais quarentena, é centena. Tenho um filho, Isaac, com necessidades especiais. Ele tem saúde boa, mas o vírus H1N1 quase o matou em 2009. A assistente de enfermagem que cuidava dele deixou de vir (mas continua sendo paga) e estamos cuidando de tudo, está dando certo. Os irmãos ajudam muito. Só saio para o essencial, não queremos correr riscos.
Temos vizinhos com um casal de gêmeos da idade do meu filho mais velho. Eles estão em quarentena o mesmo tempo que nós. Por insistência da molecada tínhamos combinado de fazer um passeio no Pacaembu, com todos os cuidados. Na véspera, pai e filho foram diagnosticados com o coronavírus, depois a mulher e a filha. Estão os quatro doentes. Isso nos abalou.
Uma coisa boa nesta quarentena, para mim, foi estar mais próximo dos meus filhos. O mais velho, Eduardo, tem 16 anos. Os gêmeos, Tomás e Isaac, têm 15. Agora vejo o quanto estava distante deles. Só nas férias conseguíamos esse espaço familiar: todos em um apartamento, juntos, fazendo de tudo. Fomos uma vez a São José dos Campos para eles verem os avós, sem sair do carro. Foi difícil.
Além da família, estou trabalhando muito mais. Tem a universidade, a minha empresa, conferências, seminários on-line. Algumas pessoas dizem que estão mais eficientes. Eu trabalho mais horas, mas não acho que esteja mais eficiente. Participo de muitos comitês, subcomitês, webinars. Era para eu ter ido a San José, na Califórnia, para a Conference in Laser and Electro-optics (Cleo 2020) – a mais importante da área –, onde eu tinha sido convidado para apresentar uma palestra. Era muito importante para nosso grupo, a primeira vez que tivemos uma oportunidade assim. Fiz a apresentação aqui de casa, o congresso foi todo pela plataforma Zoom. Funciona muito bem. Em uma sala grande, com 100 ou 200 pessoas, a pessoa enxerga conforme onde está sentada. No sistema on-line não, todos veem a mesma coisa. É um espaço muito mais democrático e qualquer um pode fazer perguntas a qualquer hora pelo bate-papo.
Pela universidade estou finalizando artigos, orientando alunos e escrevendo projetos. Não podemos ainda voltar ao laboratório, o Mackenzie está fechado com poucas exceções pontuais. Uma estudante de doutorado nossa faz parte da sua tese em uma empresa em Campinas, que está funcionando. Mas para ela poder voltar, é preciso a concordância da universidade. Isso tudo está sendo montado, temos que achar a maneira de fazer. Ontem tivemos uma reunião para montar um protocolo de volta com o comitê de crise da universidade. É muita responsabilidade autorizar a volta dos estudantes. E se ficarem doentes?
Acompanhamos como é feito no mundo, por meio de grupos com os quais estamos em contato. A Universidade de Cambridge, na Inglaterra, desde o começo decidiu que os estudantes só voltariam em setembro. Em Singapura, estão revezando as pessoas no laboratório. Queremos que esse tipo de coisa aconteça aqui, com muito cuidado. Nesses dois países, no início só podia trabalhar quem estivesse envolvido em pesquisa sobre Covid-19. Aos poucos estão liberando outros projetos. Na China tudo já voltou ao normal possível.
Também estudei muito sobre a Covid-19. Queremos usar grafeno para fazer um sensor para diagnóstico usando o conhecimento que temos na área de fotônica com materiais bidimensionais. Está sendo escrito, liderado pelo Christiano de Matos. Essa doença vai longe e podem vir outros vírus. Quanto mais maneiras de diagnosticar que sejam rápidas, eficientes e de preferência baratas, melhor.
Eu não estava dando aulas no primeiro semestre. Meus colegas tiveram dificuldades, mas deu certo. No segundo semestre será a minha vez. O Mackenzie tem o aparato, mas o uso era opcional. Agora, se não funcionar, não tem aula. Estamos em uma guerra, só que o inimigo é um vírus. Não um cara armado.
Quase todos os potenciais clientes da minha empresa, a DreamTech, pararam de trabalhar durante a pandemia. Mas há setores que até aumentaram a atividade. Estamos trabalhando em projetos com duas empresas na área de tintas. Em grafeno e tecnologia de materiais, a solução nunca está pronta, ela tem que ser desenhada sob medida. Ajustamos o que temos às necessidades do cliente e depois fornecemos o material. Nossa empresa é muito pequena, mas não queremos que seja uma empresa-jabuticaba. Buscamos soluções globais. Se o mercado brasileiro estiver parado, não vamos parar por causa disso.
O lado bom da pandemia é mostrar ao mundo o valor da ciência. Tem gente que acha que está contestando os cientistas, mas estão desafiando a natureza. Os cientistas não inventam regras, o que tentamos é entender as leis da natureza para obedecê-las e controlar as coisas. Estamos esperando o quê? Uma vacina, uma maneira de combater o vírus. E isso vem dos laboratórios.
Amigos chineses me mandaram umas 200 máscaras, algumas de grafeno que a minha empresa já está comercializando. Esta última filtra muito bem e pode ser lavada. Precisamos diferenciar as máscaras, nem todas protegem do mesmo jeito, é preciso uma ação do governo para difundir essa informação.
Também sou cantor lírico, mas neste momento não estou fazendo nada de música. Tinha ensaios todas as quintas-feiras aqui em casa com o pianista Ricardo Ballestero – professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo –, criando uma teoria de como atualizar a linguagem dos concertos. Concertos de piano e voz têm um repertório clássico. São centenas de salas de concerto em São Paulo, sempre com a mesma estética: um piano e um espaço vazio. Entram duas pessoas, uma senta e a outra fica de pé. Quando isso foi concebido, não tinha televisão, internet, celular. Quanta gente consegue acompanhar um ciclo como o Winterreise, de Franz Schubert [1797-1828]? São 24 canções em alemão: “Viagem de inverno”. Por mais bonita que a música seja, quem vai ouvir? Muita gente, claro, mas é pouco em relação ao universo possível. Como ser clássico, erudito, e que alguém com 17 ou 25 anos possa curtir de forma moderna? É nisso que estamos trabalhando: como transmitir nossa arte com uma linguagem atual. Mas o projeto foi interrompido pela quarentena.
Há cerca de 10 anos, trabalhei em um projeto que se chamava 4k. A ideia era transmitir a Copa do Mundo de 2014 para os cinco continentes, em resolução 4K e em 3D. Foi a primeira filmagem do mundo de um jogo de futebol em 4K e 3D, feita por nosso grupo. Ninguém sabia fazer esse filme. Contratamos os cinegrafistas Renato Falcão, da Blue Sky, de Nova York, e Keith Collea, assistente do James Cameron, e fizemos a gravação da final do Campeonato Gaúcho de 2010. Levamos o filme para a África do Sul na Copa do Mundo de 2010 representando o Brasil numa exposição na sede da Fifa. A partir desse projeto surgiu uma ideia, que não foi concretizada: criar uma rede fotônica ligando salas de concerto. Será possível fazer um concerto distribuído com transmissões em alta definição?
Nem propus ao Ballestero fazer um ensaio assim, ele diria que estou louco. Tem um problema tecnológico que é o atraso, o delay. Somos muito puristas, um respeito absoluto a algumas formas artísticas que achamos intocáveis. Quando fazemos arte juntos, eu respiro com o pianista na frase. Essa sinergia só acontece simultaneamente. Se o delay fosse realmente constante, eu conseguiria fazer um concerto com outra pessoa tranquilamente. Há maestros que regem sempre um tempo à frente, os músicos da orquestra se acostumam com isso e não tem problema. É um desafio tecnológico e científico. Descobrir como fazer isso é um projeto bem legal.
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