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Prêmio

Trio ganha Nobel de Física por técnicas que permitem registrar movimento de elétrons

Os franceses Anne L’Huillier e Pierre Agostini e o húngaro-austríaco Ferenc Krausz aprenderam a criar e controlar pulsos de luz que iluminam processos que duram attossegundos

Ill. Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach

Por terem desenvolvido “métodos experimentais que geram pulsos de luz de attossegundos para o estudo da dinâmica do elétron na matéria”, os franceses Anne L’Huillier, da Universidade de Lund (Suécia), e Pierre Agostini, da Universidade Estadual de Ohio (Estados Unidos), e o húngaro-austríaco Ferenc Krausz, do Instituto Max Planck de Óptica Quântica (Alemanha), ganharam o Prêmio Nobel de Física 2023. Cada um deles, que trabalhou de forma independente em seus estudos, vai receber um terço do prêmio de 11 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 5 milhões) referente à honraria.

As mudanças de movimento e energia dos elétrons no interior de átomos e moléculas ocorrem na escala dos attossegundos, uma parcela de tempo tão ínfima que se julgava, até algumas décadas atrás, impossível de ser medida. Um attossegundo equivale a 1 bilionésimo de 1 bilionésimo de segundo (10-18 segundo). Um feixe de luz demora cerca de 10 bilhões de attossegundos para percorrer uma sala de poucos metros. Processos tão rápidos assim são percebidos pelos sentidos humanos como instantâneos.

“A ciência dos attossegundos lida com a matéria em condições extremas, com lasers muito intensos e tempos extremamente curtos, alguns dos mais curtos na natureza”, comenta a física teórica brasileira Carla Figueira De Morisson Faria, do University College London, do Reino Unido, que faz pesquisa nessa área. “Por causa das intensidades altíssimas, os lasers ditam a dinâmica do que ocorre, e os fenômenos são induzidos em tempos muito específicos. A comunidade científica de nossa área está muito feliz com o Nobel. Esse campo tem muitas ramificações e controlar os elétrons em tempo real está se tornando uma realidade, pouco a pouco.”

Antes dos trabalhos do trio de físicos que recebeu o Nobel, o limite temporal das medições que envolviam pulsos de luz era da ordem dos femtossegundos. Essa escala era suficiente para registrar o movimento mais lento dos átomos (e de seu núcleo pesado) em uma molécula. Em 1999, o químico egípcio naturalizado norte-americano Ahmed H. Zewail (1946-2016) ganhou, sozinho, o Nobel de Química justamente por seus trabalhos que possibilitaram medir reações ocorridas dentro desse intervalo. Um femtossegundo, que equivale a mil attossegundos, é um tempo muito longo para produzir imagens nítidas, não borradas, de fenômenos ainda mais fugazes como variações na posição e energia de elétrons. Esses processos ocorrem em lapsos que variam de 1 a algumas centenas de attossegundos. Para romper essa barreira, foi preciso criar a física dos attossegundos, o campo desbravado pelo trio de ganhadores do Nobel deste ano.

“Agora podemos abrir a porta do mundo dos elétrons. A física dos attossegundos nos dá a oportunidade de entender os mecanismos que são governados pelos elétrons. O próximo passo será utilizá-los”, disse Eva Olsson, presidente do Comitê do Nobel de Física, durante o anúncio da honraria. Na eletroeletrônica, esse tipo de conhecimento pode ser útil para entender e controlar o comportamento de elétrons em um material. Na área médica, pode ser empregado para gerar diagnósticos por imagem de doenças. A química da fotossíntese, a forma como as plantas geram energia a partir da luz solar, também é outra área que pode se beneficiar de medições na escala dos attossegundos.

A partir de 1987, os trabalhos de L’Huillier, apenas a quinta mulher a receber o Nobel de Física, começaram a lançar as bases da física dos attossegundos. Sua equipe observou que a interação de um feixe de laser com os átomos de um gás nobre produzia sobretons em frequências da radiação ultravioleta, ou seja, gerava pulsos extremamente rápidos de luz em uma faixa relativamente extensa e uniforme de comprimentos de ondas menores, do ultravioleta.

O fenômeno ocorre porque, ao incidir sobre o gás, o laser causa vibrações que distorcem o campo elétrico que mantém os elétrons em torno do núcleo dos átomos do gás. Isso faz com que elétrons da camada mais externa se libertem momentaneamente do núcleo e absorvam uma quantidade extra de energia proveniente do laser que incide sobre o gás. Antes de retomar seu lugar no entorno do núcleo, os elétrons liberam a energia extra que fora incorporada durante seu passeio como um pulso de luz. Os sobretons de ultravioleta são produzidos por esses pulsos de luz. Em certas condições, a interação de diferentes sobretons pode gerar pulsos de luz cada vez mais rápidos.

Em uma série de experimentos nas décadas seguintes, a física francesa e seus colegas que ganharam o Nobel caracterizaram e aprenderam a manipular esses sobretons a fim de gerar pulsos de luz da ordem dos attossegundos, necessários para registrar movimentos e flutuações de energia dos elétrons. Na Áustria, o grupo de Krausz desenvolveu, em 2001, uma técnica que permitia medir pulsos de luz que duram 650 attossegundos. A equipe de Agostini, nos Estados Unidos, trabalhou em abordagens semelhantes que possibilitaram registrar pulsos de 250 attossegundos. “É sempre excitante ver algo que ninguém tinha visto antes”, disse Krausz, ao site do Prêmio Nobel logo após ter sido comunicado que tinha ganhado a honraria. “Foi simplesmente um momento inacreditável que nunca vou esquecer.”

Há ainda muita pesquisa e desenvolvimento a serem realizados na área da física dos attossegundos. “Ainda hoje, 30 anos depois, estamos aprendendo coisas novas. Estamos tentando aprimorar o processo para algumas aplicações. É uma física complexa, mas é isso que a torna muito interessante”, comentou L’Huillier, ao site do Prêmio Nobel.

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