A reportagem de capa desta edição é uma daquelas que, a par de soltar os freios à mais excitante imaginação, reafirmam a maturidade do conhecimento que hoje se produz no país. Em poucas palavras: uma equipe de pesquisadores de São Paulo, liderados pelo astrofísico João Steiner, obteve provas inequívocas de que na galáxia M 94 encontra-se um voraz buraco negro que vinha sendo insistentemente buscado nas últimas décadas por grupos de pesquisa de vários países. Mais: o buraco negro, em geral denunciado pelo brilho intenso em suas bordas, resultado da energia inimaginável que ali concentra em sua atividade ininterrupta de sorver a matéria de estrelas e nuvens de gás e poeira a seu redor, não foi achado bem no centro da galáxia, onde o procuravam, mas um pouco deslocado para a periferia da M 94, como relata com clareza exemplar o editor de ciência, Ricardo Zorzetto, a partir da página 18.
Steiner, respeitado professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), não subestima, é claro, o achado do buraco negro, que lhe exigiu três anos de trabalho insistente analisando imagens obtidas com o Gemini Norte, um dos maiores telescópios ópticos em terra. Mas ressalta com prazer especial o método que o viabilizou e que, acredita, poderá ser usado em um sem-número de outras pesquisas e campos. Digamos então, para resumir, que esse método se vale de uma estratégia estatística que consegue estabelecer relação entre dados que aparentemente não se relacionavam e, ao mesmo tempo, descartar dados redundantes – algo, sem sombra de dúvida, de valor inestimável quando se lida com uma montanha de dados, como aquela que o Gemini gerou para a pesquisa do grupo brasileiro. Vale a pena conferir.
Um outro texto desta edição privilegia o conhecimento resultante da capacidade de um pesquisador pôr à luz uma relação até então encoberta entre duas esferas distintas. Refiro-me à brilhante reportagem de abertura da seção de humanidades, da lavra do editor Carlos Haag, na qual ele aborda, a partir da página 80, estudos recentes que revelam como a escravidão no Brasil impactou Charles Darwin e influenciou aspectos fundamentais da teoria da evolução. De quebra, a reportagem se embrenha por facetas muito particulares da evolução do darwinismo no Brasil, que lhe conferem um caráter, no mínimo, muito contraditório, capaz de inscrever entre os cultores do cientista inglês no país, das últimas décadas do século XIX às primeiras do século XX, notórios conservadores, enquanto deixava na sombra os verdadeiros pesquisadores darwinistas.
Destaco também reportagem do editor de política, Fabrício Marques, a partir da página 30, que detalha um importante estudo da Embrapa sobre as vantagens do etanol de cana-de-açúcar no combate aos gases causadores do efeito estufa. Um balanço atualizado da quantidade de energia fóssil necessária para produzir o álcool combustível, que leva em conta inclusive variáveis até então ignoradas, contabiliza a larga vantagem do produto em termos ecológicos. O texto de Fabrício, entretanto, abre espaço para a ponderação de especialistas que observam que a cultura da cana ainda tem um déficit com o meio ambiente, na medida em que não conseguiu até aqui resgatar um pouco das funções dos ecossistemas que substituiu.
Em tecnologia, merece atenção especial a reportagem da editora assistente Dinorah Ereno, a partir da página 68, sobre um sensor subcutâneo bem pouco invasivo, capaz de monitorar com eficiência a pressão intracraniana, o que se faz necessário em caso de acidentes e algumas doenças. Uma curiosidade a respeito desse pequeno aparelho é que ele foi desenvolvido pelo físico Sérgio Mascarenhas, movido por um desafio de início bem pessoal.
Poderia fazer vários outros destaques, dado que esta edição de Pesquisa FAPESP parece-me particularmente rica. Há muitos temas instigantes, o que depende sempre de um conjunto de fatores e não da mera vontade dos editores, textos especialmente atraentes e um tratamento gráfico feliz, finamente conduzido pela editora de arte, Mayumi Okuyama, e que se anuncia logo na capa. Entretanto, deixo a cada leitor um espaço para a liberdade de fazer escolhas e encontrar seu percurso singular pela revista. Boa leitura!
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