Em uma década, computadores, tablets e celulares sofrerão uma transformação invisível, movida a luz. Na aparência, não deverão ser muito diferentes. Mas seu funcionamento será mais rápido e consumirá menos energia elétrica graças a um novo conjunto de tecnologias para manipular a luz na escala microscópica. Novas tecnologias já estão permitindo a construção dos chamados chips nanofotônicos de silício. Assim como os chips de silício convencionais, os nanofotônicos são feitos de peças eletrônicas microscópicas. A diferença crucial é que, em vez de serem integrados por circuitos de fios metálicos, responsáveis por transmitir os sinais elétricos, os componentes do novo chip se comunicam por meio de sinais de luz, mais especificamente laser. A vantagem dos sinais luminosos sobre os elétricos é transportar mais informação mais rapidamente. Nos chips nanofotônicos, a troca de informações deve ocorrer quase sem a conversão de energia elétrica em calor.
Chips com elementos nanofotônicos já fazem parte dos programas de pesquisa de multinacionais da área de eletrônica e existem em protótipo. Quando estiverem prontos para serem comercializados, deverão beneficiar, no início, supercomputadores dos principais centros de dados do mundo. “Há ainda problemas de física básica e de engenharia para resolver”, afirma Gustavo Wiederhecker, físico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que estuda a interação da luz com materiais nanométricos. “Mas, em algum momento, o custo de produção vai baixar e a nanofotônica poderá entrar no cotidiano das pessoas.”
“Os avanços recentes da nanofotônica são impressionantes, mas nada disso é tão revolucionário quanto o laser”, explica Paulo Nussenzveig, físico da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em óptica quântica. Nussenzveig colabora desde 2012 com a equipe da física Michal Lipson na Universidade Colúmbia, Estados Unidos, tentando explorar fenômenos quânticos da luz em chips nanofotônicos. No ano passado, o grupo publicou um artigo na revista Nature Photonics demonstrando como um efeito magnético quântico poderia ser usado para guiar a luz por um canal microscópico em um chip de silício. “O laser foi a mudança de paradigma que permitiu o desenvolvimento de todas as tecnologias que o seguiram”, diz Nussenzveig, que em julho deste ano abordou os avanços recentes em sua área no workshop Light: Life & Science, realizado em São Carlos, interior de São Paulo, para celebrar o Ano Internacional da Luz, uma iniciativa da Organização das Nações Unidas para aumentar a consciência das pessoas sobre a importância da fotônica, a ciência e tecnologia do controle da luz, que permitiu a invenção do laser e das fibras ópticas que hoje conectam computadores mundo afora (ver a linha do tempo).
Luz concentrada
A invenção do laser só foi possível graças ao fim do debate histórico sobre a verdadeira natureza física da luz, encerrado no início do século XX. Novos fenômenos envolvendo a matéria (átomos e elétrons) e a luz só foram completamente entendidos com o desenvolvimento da teoria da mecânica quântica. De acordo com essa teoria, um feixe de luz é feito de trilhões de fótons, entidades elementares cuja natureza é ambígua, podendo se comportar ora como ondas, ora como partículas.
Albert Einstein calculou em 1916 que, nas circunstâncias adequadas, a presença de um fóton na vizinhança de um átomo “excitado” – isto é, prestes a emitir ele mesmo um fóton – estimularia esse átomo a emitir um fóton idêntico. Nos anos 1950, vários pesquisadores tentaram usar esse efeito para criar o chamado laser, acrônimo em inglês para amplificação de luz por emissão estimulada de radiação. O engenheiro norte-americano Theodore Maiman foi o primeiro a produzir um equipamento capaz de emitir um laser com sucesso, em 1960.
O poder do laser está na sincronia de seus fótons. Diferentemente das fontes de luz natural e artificial, cujos átomos emitem fótons em tempos, frequências e direções diferentes, os átomos de um gerador de laser emitem fótons em sincronia, com a mesma frequência e a mesma direção. Um feixe de laser usado para soldar ou cortar chapas de metal, por exemplo, emite fótons com a mesma potência que uma lâmpada caseira de 100 Watts. A diferença é que o feixe laser permite concentrar toda essa potência em uma área muito pequena.
O laser também transformou a pesquisa básica e permitiu aos físicos explorarem a chamada óptica não linear, especialidade de Cleber Mendonça, da USP de São Carlos. “Essa área trata de fenômenos ópticos que só aparecem quando a intensidade da luz é muito alta”, explica o físico.
Quando um feixe de laser muito intenso é focalizado sobre um ponto em um material, ocorre o seguinte na região próxima ao foco: as propriedades ópticas do material, tal como a sua capacidade de refletir ou refratar a luz, são transformadas pelo laser e, consequentemente, a luz do laser é transformada pelo material, alterando suas frequências de oscilação, por exemplo.
Mendonça e sua equipe na USP exploram esses efeitos não lineares para fabricar estruturas micro e nanométricas em vidros e polímeros orgânicos que os pesquisadores tentam tornar compatíveis com o silício. Já o grupo do físico Paulo Dainese, da Unicamp, investiga como os efeitos não lineares podem melhorar a manipulação da informação codificada em pulsos luminosos conduzidos por fibras ópticas.
As fibras ópticas são canais flexíveis feitos de um vidro muito uniforme e transparente, capazes de conduzir os sinais luminosos por longas distâncias quase sem perder energia. Hoje, mais de 1 bilhão de quilômetros de fibras ópticas conectam os computadores do mundo, algo que seria impossível de fazer com cabos de transmissão de sinais elétricos, que se propagam pela oscilação de elétrons em um fio de metal. Esse chacoalhar dos elétrons provoca a perda de muita energia, em geral convertida em calor – já os fótons, se comparados aos elétrons, praticamente não perdem energia nesse processo.
Dainese explica que uma única fibra óptica pode transmitir múltiplas mensagens simultaneamente codificadas em sinais de luz, graças a componentes ópticos chamados multiplexadores, que combinam feixes de luz com frequências diferentes – cada frequência de luz transmite uma mensagem. “Às vezes, em telecomunicações, é preciso passar uma mensagem transmitida por um canal de frequência para outro”, conta Dainese. “Hoje isso é feito convertendo o sinal codificado em certa frequência de luz em um sinal elétrico e depois retransmitindo-o em outra frequência de luz, mas estamos estudando maneiras de usar efeitos não lineares para eliminar essa etapa elétrica, que é lenta e cara.”
Da mesma forma que se reduziu drasticamente o custo da transmissão da informação a longas distâncias usando fibras ópticas no lugar de cabos elétricos, chegou a hora de fazer o mesmo nos chips de computador. “No passado recente, os microchips eram muito compactos e tinham apenas um único núcleo de processamento com centenas de micrômetros de extensão”, explica Wiederhecker. “Isso mudou nos últimos 15 anos com o surgimento de processadores com vários núcleos, que trabalham em paralelo.” Nesses processadores, uma tarefa computacional é dividida em partes que são executadas simultaneamente pelos diferentes núcleos.
Para manter a sincronia entre os processadores trabalhando em paralelo, os núcleos precisam se comunicar. Hoje isso é feito por sinais elétricos transmitidos por fios metálicos. “A comunicação por sinais de luz resolveria o problema da velocidade e da dissipação de calor”, diz Wiederhecker. “Mas, para isso, precisamos recriar multiplexadores, roteadores, filtros e outros componentes das redes de fibras ópticas na escala de algumas centenas de nanômetros.”
No momento, Wiederhecker e seus colegas trabalham na criação de nano-osciladores mecânicos movidos e sincronizados pela luz. “Dentro dos computadores há um cristal de quartzo que oscila acoplado a um circuito elétrico”, esclarece. “O oscilador funciona como um metrônomo, sincronizando as operações dos componentes do computador, como o processador, a memória e a placa de vídeo. Queremos construir uma estrutura nanométrica que vibre ao receber um sinal luminoso.”
Cada vez menor
Wiederhecker e outros pesquisadores estimam que essa integração microscópica da eletrônica com o laser permitirá a miniaturização de equipamentos que usam a luz para exames médicos e análises químicas. Atualmente, a maioria desses aparelhos é utilizada em laboratórios, mas o uso de chips fotônicos combinados a outras tecnologias pode permitir o desenvolvimento de equipamentos mais baratos e portáteis, que possam ser transportados para qualquer lugar.
“Alguns obstáculos ainda impedem que essa tecnologia se torne realidade, mas eles vêm sendo contornados rapidamente”, avalia Vilson R. Almeida, pesquisador que estuda aplicações da fotônica em sensoriamento biológico e aeroespacial no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e no Instituto de Estudos Avançados (IEAv), ambos vinculados ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, ligado ao Comando da Aeronáutica. Almeida participou de uma equipe internacional que desenvolveu um dispositivo composto de estruturas nanométricas em um chip de silício, capaz de transmitir luz em apenas uma direção. O trabalho foi capa da revista Nature Materials, em 2013.
Um desses obstáculos, Almeida explica, é o uso do silício como base dos chips eletrônicos e fotônicos comerciais. Apesar de transmitir bem a luz, o silício não gera nem detecta luz de modo eficiente. “Já se demonstrou que existem soluções como o uso de materiais híbridos, que estão sendo aperfeiçoados e devem se tornar disponíveis comercialmente em até três anos”, ele prevê.
Um dos nanomateriais mais promissores a serem integrados aos chips nanofotônicos de silício são os chamados pontos quânticos, especialidade do físico Lázaro Padilha, da Unicamp. Pontos quânticos são pequenos grãos, com menos de 10 nanômetros de diâmetro, feitos de diversos materiais semicondutores. Ajustando o tamanho e as propriedades do material de que são feitos, os pontos quânticos podem transformar eletricidade em luz e funcionar como potentes lâmpadas de LED microscópicas – monitores de telas planas de altíssima resolução feitos de pontos quânticos foram lançados recentemente pela indústria eletrônica. Padilha participou de um estudo publicado em 2013 na Nature Communications no qual os pesquisadores mostram como aumentar de 0,2% para aproximadamente 8% a eficiência com que os pontos quânticos convertem eletricidade em luz.
Fazendo outros ajustes, os pontos quânticos também podem realizar a operação inversa: transformar luz em eletricidade, funcionando como minúsculos painéis solares. “Costumo dizer aos meus estudantes que a célula solar e o LED são o mesmo animal, mas de ponta-cabeça”, diz Padilha. “Daqui a 20 ou 30 anos”, ele prevê, “o telhado e as janelas das casas, o capô dos carros, tudo será coberto por uma camada de materiais que funcionarão como painéis solares microscópicos de alta eficiência, convertendo a luz do sol em energia elétrica”.
Projetos
1. Aplicações de pulsos de femtossegundos em óptica não linear: espectroscopia, formatação de pulsos e microfabricação (nº 2011/12399-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Cleber Renato Mendonça (IFSC-USP); Investimento R$ 1.181.820,00.
2. Óptica quântica e informação quântica em chips de silício (nº 2011/12140-6); Modalidade Bolsa no Exterior – Pesquisa; Pesquisador responsável Paulo Alberto Nussenzveig (IF-USP); Investimento R$ 105.116,00.
3. Espectroscopia avançada em novos nanomateriais (nº 2013/16911-2); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisador responsável Lázaro Aurélio Padilha Junior; Investimento R$ 2.658.400,00.
4. Nanofotônica em semicondutores do Grupo IV e III-V (nº 2012/17765-7); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisador responsável Gustavo Silva Wiederhecker (Unicamp); Investimento R$ 1.113.640,00.
5. Processos de espalhamento de luz em microestruturas fotônicas (nº 2013/20180-3); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisador responsável Paulo Clóvis Dainese Júnior (Unicamp); Investimento R$ 1.219.080,00.
Artigos científicos
LAWRENCE, D. et al. Non-reciprocal phase shift induced by an effective magnetic flux for light. Nature Photonics. 3 ago. 2014.
FENG, L. et al. Experimental demonstration of a unidirectional reflectionless parity-time metamaterial at optical frequencies. Nature Materials. 25 nov. 2012.
BAE, W. K. et al. Controlling the influence of Auger recombination on the performance of quantum-dot light-emitting diodes. Nature Communications. 25 out. 2013.
Republicar