A Academia Real Sueca de Ciências anunciou nesta segunda-feira, 5, os vencedores do prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia, abrindo sua temporada de premiações em categorias científicas de 2015. O irlandês William C. Campbell, 85 anos, da Universidade Drew, nos Estados Unidos, o japonês Satoshi Omura, 80 anos, da Universidade Kitasato, e a chinesa Youyou Tu, 84 anos, da Academia Chinesa de Medicina Tradicional, na China, foram laureados por terem desenvolvido, a partir de fontes naturais, terapias que ajudaram a aprimorar o tratamento de algumas doenças causadas por parasitas que afetam principalmente as populações mais pobres. Os vencedores dividirão o prêmio de 8 milhões de coroas suecas (cerca de US$ 1 milhão).
Campbell e Omura desenvolveram uma droga, a Avermectina, que se mostrou eficaz na diminuição da incidência de duas doenças causadas por vermes, a filariose linfática (ou elefantíase) e a oncocercose, também conhecida como “cegueira dos rios”. Já a contribuição de Youyou Tu foi ter extraído um componente ativo da planta artemísia (Artemisia annua), a artemisinina, que mais tarde se revelou bastante eficiente contra protozoários do gênero Plasmodium, causadores da malária.
O valor da tradição
Nos anos 1960, enquanto os esforços de combate à malária falhavam e a doença acometia cada vez mais pessoas no mundo, a chinesa Youyou Tu, então com 39 anos, recorreu à medicina tradicional chinesa em busca de uma forma mais eficiente de combater a doença. A China estava em meio à Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung quando a pesquisadora recebeu a missão de encontrar uma droga contra a malária.
Ela, então, iniciou a leitura de antigos textos médicos chineses e passou a pesquisar remédios populares. Coletou 2 mil remédios potenciais, a partir dos quais sua equipe produziu 380 extratos de plantas. Em meio a todos esses extratos ela verificou que o obtido da A. annua poderia ser candidato a terapia contra a doença. À época, no entanto, os testes com a substância foram inconclusivos. Demorou alguns anos até a pesquisadora verificar que a artemisinina representava uma nova classe de agentes antimaláricos que rapidamente elimina o parasita logo nas primeiras fases de seu desenvolvimento.
Em 2013, a empresa de biotecnologia Amyris, com sede em Emeryville, na Califórnia, e o laboratório francês Sanofi desenvolveram um novo processo de síntese da artemisinina, que permitirá sua produção em larga escala e sem interrupção. A alteração genética de células de uma levedura fez com que ela conseguisse produzir a artemisinina com altíssimo rendimento (ver Pesquisa FAPESP nº 208). A produção tradicional depende de colheita e extração do composto da planta, sujeita à sazonalidade e flutuações do preço de mercado, o que prejudicava o tratamento da doença que mata anualmente 650 mil pessoas por ano em países pobres. A malária afeta hoje cerca de 200 milhões de pessoas. Estima-se que a artemisinina possa reduzir em 20% o índice de mortalidade da doença quando administrada com outras drogas, salvando aproximadamente 100 mil vidas por ano.
“O aspecto mais importante a ser ressaltado em relação aos premiados deste ano é o fato de os resultados de suas pesquisas terem beneficiado diretamente a população, sobretudo as mais pobres”, comenta o parasitologista Erney Plessmann de Camargo, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Variedades de bactéria
Desde a década de 1960 o microbiologista Satoshi Omura estudava um grupo de bactérias, as Streptomyces, conhecidas por produzir compostos com atividades antimicrobianas. Trabalhando no Japão, ele começou a pesquisar variedades da bactéria que pudessem servir de fonte para a produção de componentes bioativos contra microrganismos causadores de doenças. Omura isolou diferentes cepas da Streptomyces, cultivou-as artificialmente em seu laboratório e selecionou cerca de 50 com potencial terapêutico.
Trabalhando nos Estados Unidos, Campbell obteve algumas dessas culturas. Ao analisá-las e testá-las em modelos animais, ele verificou que uma delas era eficiente contra parasitas. Campbell, então, isolou e purificou seu agente bioativo, batizado de Avermectina, e o modificou quimicamente com o objetivo de obter um componente mais eficaz, a Ivermectina, que se mostrou eficiente em testes em humanos com infecção parasitária.
O trabalho dos dois pesquisadores teve impacto sobretudo nos países em desenvolvimento, onde a dificuldade de prevenir e tratar doenças parasitárias produz resultados devastadores. A filariose linfática e a oncocercose podem causar, respectivamente, inchaço das pernas e a inflamação crônica da córnea, levando à cegueira. Estima-se que o contingente de vítimas das duas moléstias supere os 100 milhões, concentrando-se principalmente na África Subsaariana, no sul da Ásia e nas Américas do Sul e Central.
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