Sabe-se pouco sobre a neurocisticercose no Brasil. Do ponto de vista da saúde pública, trata-se de uma doença grave que, supõe-se, afeta neste momento em torno de 140 mil pessoas no país e que poderia certamente ser evitada com algumas medidas profiláticas simples. E tanto é assim que, epidêmica em vastas regiões da América Latina, da Ásia e da África – o que sugere sua associação com subdesenvolvimento e pobreza -, a doença praticamente inexiste nos países desenvolvidos. Olhada mais de perto e no singular, a doença, parasitária do sistema nervoso central, mostra em muitos casos uma face dramática, marcada por crises de epilepsia, uma série de tristes padecimentos neuropsiquiátricos e até a morte para um número entre 15% e 25% de suas vítimas. A reportagem de capa desta edição, elaborada pelo editor especial Fabrício Marques, apresenta um amplo diagnóstico da doença no país e ainda revela uma boa novidade em meio a seu panorama sombrio: um teste barato, desenvolvido por uma equipe de pesquisadores paulistas, capaz de detectar vestígios de DNA do parasita que provoca a neurocisticercose no líquido cefalorraquiano do paciente. Com isso, os diagnósticos por imagem deixam de ser a alternativa única para decidir se alguém é ou não uma vítima de neurocisticercose e começar a tratá-la adequadamente.
A pesquisa científica e tecnológica, ainda bem, tem uma plasticidade quase infinita, o que de uma certa maneira nos permite, ao acompanhá-la, percorrer em paralelo praticamente todo o amplo espectro dos sentimentos e das emoções humanas. Assim, a reportagem que disputou com a neurocisticercose a capa desta edição, muito longe das associações com dor e tristeza, nos traz ao olfato um certo toque glamouroso e sensual, um delicioso hálito festivo, eu diria. É que um processo inovador de extração da essência de pau-rosa a partir das folhas, e não mais do tronco dessa árvore nativa da Amazônia ameaçada de extinção, garante, a par de sua preservação, a continuidade da produção do Chanel nº 5, perfume que Marilyn Monroe ajudou a transformar num dos maiores ícones da indústria cosmética francesa. Quem faz esse relato é a editora assistente de tecnologia, Dinorah Ereno, a partir da página 64. A preocupação com a preservação de espécies nativas da Amazônia, aliás, recebe um reforço considerável na reportagem apresentada a partir da página 68, em que o editor especial Marcos Pivetta relata como simulações feitas por computador indicam que a extração comercial de certas árvores nobres da Amazônia pode não ser uma atividade sustentável a longo prazo. De acordo com os dados virtualmente produzidos, duas espécies de árvore testadas, a tatajuba e a maçaranduba, demorariam mais de um século para crescer e repor a quantidade de madeira cortada.
Enquanto a tecnologia lança projeções para o futuro que recomendam cautela no manejo dos recursos naturais do país, algumas visitas ao passado propiciadas pelas pesquisas no campo das humanidades podem revelar que nem sempre as coisas foram tão dramáticas quanto pensamos nos processos de formação da nação brasileira. Por exemplo, a intervenção missionária cristã junto aos povos indígenas, em vez de apenas um choque cultural entre vencedores e vencidos, com a destruição da cultura dos últimos, talvez possa ser compreendida de forma mais sutil e complexa como um estabelecimento de relações entre culturas, onde as formas culturais aparentemente condenadas ao desaparecimento são recriadas e reinventadas para produzir novas significações. É o que relata o editor de humanidades, Carlos Haag, a partir da página 82, tomando como objeto de reportagem uma ampla pesquisa sobre missionários na Amazônia brasileira. Curiosamente, essa pesquisa antropológica torna-se neste momento de uma atualidade espantosa, quando sai de cena um papa claramente missionário, que acolhia ritualmente os diferentes em suas incursões pelo mundo, e assume o trono de São Pedro um outro que, concedendo embora importância ao trabalho missionário, o submete às questões da doutrina e da fé cristã como o grande universal ético. Boa leitura!
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