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COVID-19

Uma barreira contra o novo coronavírus

Cabine utiliza luz UVC para esterilizar roupas e calçados e poderá ser uma ferramenta útil no combate à pandemia de Sars-CoV-2

A cabine é fruto de um projeto que uniu pesquisadores da USP de São Carlos e da startup paulista Ester

Ester

Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), no interior paulista, e da startup Ester criaram uma cabine de sanitização para descontaminar roupas e sapatos. Batizado de Ester, o módulo emprega a radiação ultravioleta do tipo C (UVC) para eliminar microrganismos, como bactérias, fungos e vírus – entre eles o novo coronavírus –, presentes na superfície de vestuários e calçados. O objetivo dos desenvolvedores é que a cabine seja instalada na entrada de ambientes fechados e previamente descontaminados, como hospitais, aviões, cinemas, salas de aula, entre outros, evitando que quem ingressar nesses locais leve microrganismos em suas roupas e sapatos.

“A ideia de criar um equipamento como esse nasceu em março de 2021 e foi motivada pela pandemia do novo coronavírus”, afirma Roberto Dotta, sócio-diretor e um dos fundadores da empresa. “Acreditamos que nossa inovação poderá reduzir riscos sanitários e ajudar as pessoas a voltarem com mais segurança às suas rotinas.” Dotta explica que o módulo Ester se diferencia de outros equipamentos semelhantes existentes no mercado por usar a luz UVC como fonte de descontaminação.

Cabines e túneis de desinfecção contra o Sars-CoV-2 já lançados geralmente borrifam nos usuários produtos químicos, como hipoclorito de sódio, dióxido de cloro, peróxido de hidrogênio e iodo. Nota técnica emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em maio de 2020, no entanto, alertou sobre o uso desses equipamentos. O órgão alegou que não havia evidências científicas sobre a eficácia e segurança desse procedimento de desinfecção e, ainda, que ele poderia causar danos à saúde caso o saneante empregado entrasse em contato com a pele, olhos e vias respiratórias.

Testes feitos nos laboratórios do IFSC-USP mostraram que a cabine Ester é eficaz em fazer a descontaminação microbiana. Com apenas 10 segundos de exposição à radiação UVC, roupas e sapatos sofreram uma diminuição de até 99,99% na carga microbiológica presente neles. Os ensaios foram realizados com uso de manequins. A cabine também foi experimentada em situações de vida real, em dois eventos realizados em São Paulo no fim de 2021. “Passaram por ela mais de 2 mil pessoas. Foi uma experiência importante para avaliar o funcionamento dos componentes do módulo”, diz Dotta.

Líder da equipe responsável pelo desenvolvimento da cabine, o físico Vanderlei Salvador Bagnato, do Grupo de Óptica do IFSC-USP, explica que os raios UVC agem diretamente na carga genética do vírus, inativando o microrganismo. “A luz UVC rompe a camada protetora do vírus e destrói seu material genético. É um dos mais potentes elementos microbicidas conhecidos”, diz o pesquisador. O projeto foi desenvolvido usando a estrutura do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF), coordenado por Bagnato. O CePOF é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP.

Ester Ilustração mostra interior da cabine, com destaque para a plataforma que protege o pescoço e a cabeça do usuário de receber a radiação UVCEster

A USP foi responsável pela concepção inicial do projeto, bem como pela criação da prova de conceito, que demonstrou sua viabilidade. O grupo do IFSC envolvido na construção da cabine foi formado por dois engenheiros, uma microbiologista e dois mecânicos. Eles ficaram encarregados de toda a parte de engenharia, do desenho e montagem da estrutura do módulo, do dimensionamento e posicionamento do sistema de luzes necessárias para prover a radiação UVC e da realização dos testes laboratoriais. O grupo liderado por Bagnato já havia criado anteriormente um rodo que emite luz UVC para descontaminar o piso de hospitais.

Inteligência artificial
Equipada com 23 lâmpadas UVC – 21 nas paredes e duas no chão –, a cabine Ester conta com um sistema automatizado e robótico que dispensa a presença de um operador humano. Para ser submetido ao processo de higienização, o indivíduo só precisa ingressar no módulo, manter-se na posição indicada e seguir as instruções do equipamento. “A Ester conversa com o usuário por meio de recursos de inteligência artificial. Durante todo o processo, o usuário recebe comandos de voz e não precisa ter nenhum contato físico com a cabine”, explica Dotta.

O processo de sanitização leva ao todo cerca de 20 segundos e, além de rápido, é simples e intuitivo. Durante o procedimento, uma plataforma cria uma barreira para a cabeça e o pescoço da pessoa, garantindo que essas partes do corpo não recebam a radiação UVC – embora não provoque câncer, como a radiação ultravioleta do tipo B (UVB), os raios UVC podem causar queimaduras. Antes do início da esterilização, sensores confirmam se esse protocolo de segurança foi cumprido corretamente. Só depois as luzes UVC são acionadas por 10 segundos. A entrada do indivíduo na cabine ocorre por uma porta e a saída por outra.

O desenvolvimento da cabine teve apoio do escritório Tiger Investments, que financia startups inovadoras e do qual Dotta é o CEO. Também recebeu apoio financeiro da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) – o valor não foi divulgado – e contou com recursos da própria startup, que investiu R$ 100 mil na prova de conceito. Outros R$ 500 mil foram destinados à finalização do produto, mais especificamente à automação, à robótica e ao design do módulo, etapas que ficaram a cargo da empresa. O projeto gerou uma patente, em nome dos inventores da USP e da Ester, relacionada à cabine e ao seu procedimento de uso.

O produto, de acordo com a empresa, está quase pronto. “Estamos na fase final de desenvolvimento, nos preparando para fazer uma etapa de aferição de resultados in loco”, diz o empresário. A startup tem uma estrutura própria de fabricação, mas está negociando com parceiros do setor fabril interessados em fazer a produção do equipamento em escala do módulo. O modelo de negócio não prevê que as cabines sejam vendidas, mas, sim, alugadas, por cerca de R$ 3 mil mensais – o valor pode variar conforme o volume locado.

Projeto
CePOF – Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (nº 13/07276-1); Pesquisador responsável Vanderlei Salvador Bagnato (USP); Modalidade Auxílio a Pesquisa – Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Investimento R$ 55.784.917,16.

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