O uso de máscaras cirúrgicas pode, sim, diminuir o risco de transmissão de vírus causadores de doenças respiratórias. O aparato reduz a quantidade do agente infeccioso no ar expirado por pessoas contaminadas com coronavírus sazonais, que integram a família do Sars-CoV-2, causador da pandemia de Covid-19, ou com o vírus da influenza, que provoca a gripe. A conclusão foi apresentada em um artigo publicado na sexta-feira (3/4) na revista Nature Medicine. A evidência de que as máscaras são barreiras eficazes para impedir a passagem de certos patógenos surge em um momento oportuno. Atualmente, autoridades da saúde de vários países avaliam se é válido ou não recomendar o uso de máscaras pela população em meio à pandemia de Covid-19. Até o momento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aconselha que apenas profissionais da saúde, pessoas infectadas com o novo coronavírus ou familiares cuidando de doentes utilizem máscaras cirúrgicas. Um dos motivos é a crescente falta de máscaras em hospitais dos países mais atingidos pelo Sars-CoV-2. Na sexta, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos reviram sua posição e passaram a indicar que as pessoas usem máscaras ou proteção de tecido no rosto em locais públicos nos quais é difícil manter distância de outros indivíduos.
A indicação de que as máscaras contribuem para reduzir a transmissão do vírus vem de um experimento com 246 pessoas, concluído antes da identificação do Sars-CoV-2. Na Faculdade de Medicina da Universidade de Hong Kong, na China, a pesquisadora Nancy Leung convidou os voluntários a passar meia hora no interior de uma câmara que capta o ar da expiração: a Gesundheit II, desenvolvida pelo médico Donald Milton, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, um dos autores coordenadores do estudo. Dos 246 participantes, 111 com sinais de infecção respiratória viral estavam contaminados com coronavírus sazonais, vírus da influenza ou rinovírus, que provoca o resfriado. Metade dos indivíduos foi selecionada aleatoriamente para fazer o teste com máscara e metade sem.
Todos os participantes infectados apresentavam maior concentração de vírus no nariz do que na garganta. Os vírus também foram encontrados com mais frequência em aerossóis do que nas gotículas liberadas na respiração. Bem menores, os aerossóis permanecem em suspensão no ar por mais tempo e também se deslocam por distâncias maiores do que as gotículas, que tendem a pousar em superfícies próximas.
Em outro estudo, o grupo do patologista Joshua Santarpia, da Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, analisou amostras do ar, de objetos pessoais e de superfícies das instalações médicas em que 11 pessoas com Covid-19 permaneceram internadas por vários dias. O grupo encontrou material genético (RNA) do vírus em todas as superfícies e em dois terços das amostras de ar. Segundo os resultados apresentados em um artigo depositado em 26 de março no repositório medRxiv, havia RNA viral até mesmo nas amostras de ar coletadas nos corredores, possivelmente transportado quando médicos e enfermeiros saíam dos quartos. Segundo os pesquisadores, os dados sugerem que as pessoas infectadas produzem aerossóis contendo partículas mesmo quando não tossem.
Nos testes feitos em Hong Kong, as máscaras funcionaram melhor contra os coronavírus do que contra o vírus da influenza, mas não barraram a passagem dos rinovírus. Presentes em 40% dos aerossóis e em 30% das gotículas de quem fez o teste sem a proteção, os coronavírus não foram detectados nem nos aerossóis nem nas gotículas dos participantes infectados que usavam máscara. No caso do vírus da influenza, o protetor facial parece ter reduzido apenas a passagem de gotículas carregadas de vírus: eles foram encontrados em 26% das gotículas de quem não usou máscara, ante apenas 4% de quem portava o equipamento – não houve diferença significativa na quantidade de aerossóis contendo o agente infeccioso.
O estudo não avaliou se o uso de máscara impede pessoas saudáveis de se infectar, mas indica que o protetor pode limitar a capacidade de indivíduos portadores do vírus (mesmo que assintomáticos) transmiti-lo adiante. Estima-se que 80% das pessoas contaminadas com o novo coronavírus não apresentem nenhum sintoma. “Em tempos normais, diríamos que, se a eficácia não se mostrou estatisticamente significativa em estudos do mundo real, o uso não seria recomendado”, relatou Milton em um comunicado à imprensa. “Mas, no meio de uma epidemia, estamos desesperados. O pensamento é que, mesmo que diminua um pouco a transmissão, vale a pena tentar.” Segundo o pesquisador, durante o estudo verificou-se que outras medidas podem ser eficazes para reduzir a transmissão, como melhorar a ventilação de locais públicos fechados, como os supermercados, e instalar, acopladas a exautores, lâmpadas que emitem radiação ultravioleta do tipo C, que inativa vírus e bactérias. Para o pesquisador, equipamentos de proteção individual como as máscaras N95, que impedem a passagem de 95% das partículas muito pequenas, não devem ser a primeira linha de proteção. Usá-las, disse Milton, é “a última coisa desesperada que fazemos”.
Artigos científicos
LEUNG, N.H.L. et al. Respiratory virus shedding in exhaled breath and efficacy of face masks. Nature Medicine. 3 abr. 2020.
SANTARPIA, J. L. et al. Transmission potential of Sars-CoV-2 in viral shedding observed at the University of Nebraska Medical Center. medRxiv. 26 mar. 2020