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Resenhas

Uma biografia iconográfica de Chagas

Carlos Chagas: um cientista do Brasil | Simone Petraglia Kropf e Aline Lopes de Lacerda | Editora Fiocruz, 308 páginas, R$ 70,00

Livro conduz o leitor pela história do cientista por meio de imagens

A narrativa iconográfica intitulada Carlos Chagas: um cientista do Brasil é um trabalho de fôlego das pesquisadoras Simone Petraglia Kropf e Aline Lopes de Lacerda, da Casa de Oswaldo Cruz. É rico em imagens que conduzem o leitor através da história por meio de documentos da época, cartas, fotos e notícias veiculadas pela imprensa.

A história do médico Carlos Chagas entremeia-se com a história da descoberta da doença através de documentos e fotos. O livro contém pouco texto próprio, mas necessário, como o que descreve Chagas como um dos líderes de um movimento que preconizava a intervenção do Estado na saúde pública. O Brasil era doente não porque fosse país tropical ou formado por mestiços, mas porque não havia políticas preventivas na área da saúde. Chagas, pois, além de brilhante cientista foi também um sanitarista.

Assim, o livro se subdivide em capítulos que vão desde a infância de Carlos Chagas no interior de Minas Gerais até sua intensa participação no ensino médico, na gestão da saúde, passando, é claro, pela grande descoberta da tripanossomíase americana, conhecida por doença de Chagas.

O Rio de Janeiro do final do século XIX e início do XX era tido como porto maldito e túmulo de estrangeiros. Por lá grassavam a febre amarela e a varío­la. Muitos sabem da luta empreen­dida por Oswaldo Cruz para debelar o Aedes aegypti e vacinar a população contra a varíola. Foi necessário impor a vacinação compulsória em 1904 sob a revolta de uma população amedrontada e uma imprensa que veiculava as notícias mais desencontradas.

Quando descobertas feitas por cientistas são herméticas ou incompreen­síveis para a maioria leiga, eles são acusados de insensibilidade social e incapacidade de comunicação, mas quando seu trabalho toca em aspectos sociais e econômicos imediatamente formam-se correntes contrárias, ao arrepio da verdade. Para alguns, a verdade não deveria ser proclamada se for desagradável ao poder constituído ou à ideologia predominante.

Com Carlos Chagas não foi diferente. Enfrentou poderosos inimigos no interior da Academia Nacional de Medicina (ANM). Contestava-se desde a autoria da descoberta até suas intenções de fazer conferências na Europa, onde iria turvar a imagem do Brasil, expondo suas mazelas, a pobreza, a deseducação. Chagas descobrira a doença em 1909. Um de seus desafetos, Afrânio Peixoto, em 1923, ainda dizia que o mal de Lassance não tinha importância epidemiológica.

No trabalho pode-se ver a notícia do jornal O Brasil, de 18 de novembro de 1923, provocada pela reabertura das discussões na ANM sobre quem teria descoberto a doença e seu agente onde, dentre outras, está escrito: “E que idéia ficarão fazendo de nós, dos nossos scientistas, os luminares da medicina estrangeira, ao constatarem que nem no Brasil se sabe quem fez a descoberta importante, negando-se ao médico tido como descobridor as glórias de um caso líquido?“. Essa notícia foi recortada do jornal por ninguém menos que o presidente da República Epitácio Pessoa, que fez anotação enviada a Chagas: “A mediocridade não perdoa ao talento como a treva não perdoa à luz”.

O trabalho gráfico é impecável e equiparável aos melhores livros da espécie editados em outros países. Foi feliz a ideia de apresentar o texto em português e inglês. Além de fiel aos acontecimentos, é pedagógico porque atrai a curiosidade dos que tomam conhecimento da história pela primeira vez.

Compulsando-a assoma a pergunta que parece sem resposta. Por que um homem que descobre não só uma doença totalmente nova, mas também seu agente etiológico e o vetor de transmissão não foi agraciado com o Prêmio Nobel? A Europa tinha conhecimento da descoberta. Muitos diriam que, na história desse prêmio, há muitas injustiças, explicáveis pela severa competição científica. Mas a doença de Chagas foi descoberta em 1909 e o prêmio não foi concedido de 1915 a 1918, em 1921 e em 1925. Será que nossa mediocridade teria alcançado a longínqua Estocolmo para abater o talento?

A qualidade desse belo livro faz jus à estatura de Carlos Chagas, gigante da medicina e da biologia brasileiras.

Walter Colli é professor do Instituto de Química da USP e dedica-se ao estudo do Trypanosoma cruzi e sua interação com a célula hospedeira desde 1970.

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