Uma cortina capaz de bloquear em 94% a passagem da radiação solar incidente sobre um edifício totalmente envidraçado mostrou ser possível reduzir os gastos com energia elétrica dos aparelhos de ar-condicionado em até 60% no verão. Essa avaliação é resultado de testes de simulação realizados pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) com o novo produto desenvolvido pela VacuoFlex, empresa instalada na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A inovação da empresa foi aplicar um filme plástico metalizado sobre uma cortina, fabricada a partir de lona plástica ou tecido. “O custo de aplicação industrial do nosso produto nas cortinas é pago pela economia obtida em três meses de verão”, diz o engenheiro civil Antônio Sérgio Assunção Tavares, sócio e diretor da empresa.
Para produzir o filme metalizado, foi utilizada a tecnologia RCF (Filmes de Controle de Energia Radiante, do inglês Radiant Energy Control Films), desenvolvida na década de 1960 pela Nasa, a agência espacial norte-americana, para o controle térmico de satélites e das roupas dos astronautas. Baseada no uso de filmes plásticos com deposição de alumínio para refletir o calor incidente e impedir sua emissão no ambiente, a tecnologia, depois de guardada a sete chaves por duas décadas, tornou-se de domínio público no início dos anos 1990.
A simples deposição do alumínio não confere durabilidade para produtos destinados a usos terrestres, expostos à umidade e abrasão. Para garantir que sejam duráveis, é necessário fazer a deposição a vácuo utilizando o processo de pulverização catódica (sputtering) – um método físico de metalização que usa o gás argônio ionizado -, empregado na Europa e nos Estados Unidos em alguns produtos rígidos, como espelhos retrovisores de automóveis e lentes de óculos com propriedades anti-reflexo e antiembaçante. Aqui no Brasil seu uso ainda está restrito aos laboratórios de pesquisa. E foi do Laboratório de Filmes Finos do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, que surgiu a solução tecnológica para a fabricação dos filmes plásticos flexíveis com propriedades de reflexão e emissão de radiações, que, de acordo com a aplicação, podem ser tanto metalizados, e portanto opacos, como transparentes.
Desde 1979, quando entrou na Unicamp para fazer iniciação científica, o físico e sócio da VacuoFlex, Carlos Salles Lambert, estuda a tecnologia de deposição em alto vácuo por pulverização catódica, que é a técnica de produção do filme plástico metalizado. Esse estudo foi essencial para transformar a idéia inicial de Tavares de produzir uma cortina que bloqueasse a radiação solar em um produto com várias aplicações.
Isolante térmico
A tecnologia RCF desenvolvida pela VacuoFlex incorporou os avanços da deposição de filmes finos ao conceito original de isolamento termorrefletivo. E já resultou em um contrato de licenciamento, assinado em abril com o grupo Rentank, instalado em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, líder no segmento de galpões de lona, que atua também no transporte e armazenagem de produtos químicos e no setor de agronegócios. A empresa está fazendo investimentos iniciais da ordem de R$ 500 mil para aplicar o isolante térmico na lona de vinil de galpões de grande porte, utilizados em aviários e por empresas dos setores alimentício, siderúrgico, de operações logísticas e eventos, tanto por pequenos como para longos períodos.
A eficiência do filme RCF foi testada pelo IPT em galpões de lona, constatando redução da temperatura interna de até 7,5°C. Dessa forma, haverá uma significativa diminuição no consumo de energia utilizada para climatização do ambiente e nas perdas de produtos do setor alimentício, por exemplo. A lona plástica com o filme isolante também está sendo testada para cobrir caminhões abertos que transportam bebidas e hortifrutigranjeiros “Com a aplicação do isolante na lona, a parcela de calor irradiada para a carga é praticamente eliminada, reduzindo significativamente as perdas ocorridas no transporte de produtos”, diz Tavares. Além das cortinas e lonas de galpões, o filme plástico que controla as radiações solares ou térmicas pode ser empregado em telhados, caminhões frigoríficos, estufas agrícolas e capacetes.
A obtenção das diferentes propriedades depende da quantidade e dos materiais empregados. Nanopartículas de metais, óxidos e outros materiais são depositadas a vácuo em um filme plástico, em camadas com espessura que varia de 5 a 70 nanômetros – unidade que corresponde a 1 milímetro dividido por 1 milhão. Para conseguir produzir os filmes em rolos, uma máquina de uma empresa instalada em Campinas foi adaptada para trabalhar no processo de pulverização catódica com alto vácuo. “Nesse processo os átomos ou as moléculas penetram no substrato de filme plástico devido à energia cinética das partículas, por um processo físico e não químico”, diz Lambert. Dessa forma é possível a união de materiais que por processos tradicionais não se juntariam.
A cortina termorrefletora, destinada a barrar a radiação solar, foi o primeiro produto desenvolvido pela VacuoFlex no âmbito do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe), financiado pela FAPESP. Para avaliar a eficácia da cortina com filme RCF foi escolhido um andar inteiro de um edifício comercial recém-construído, todo envidraçado, localizado na Zona Sul de São Paulo. “O teste feito pelo IPT mostrou que as cortinas conseguem barrar a radiação solar incidente muito mais do que qualquer alternativa conhecida”, diz Tavares. “Trabalhamos inicialmente na determinação da emissividade do filme, propriedade que mede quanto de calor é irradiado por um produto”, diz Fúlvio Vittorino, do Laboratório de Conforto Ambiental do IPT. No caso da cortina, quanto mais baixo esse índice, menos calor é transferido para dentro do edifício.
Condições brasileiras
Nos testes foram feitas medições da temperatura do ar e da radiação solar incidente. “Os dados foram passados para um software que faz esse tipo de análise”, diz Vittorino. Ele se refere à última versão do programa Energy Plus, do Departamento de Energia dos Estados Unidos, utilizado para simulação de consumo de energia de edifícios. O processo de validação do software, necessário para verificar se pode ser aplicado às condições climáticas brasileiras, foi feito pelo IPT durante dois anos com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Os testes de avaliação de desempenho têm como objetivo determinar quanto um produto, aplicado em condições reais, vai melhorar o conforto térmico das pessoas e reduzir o consumo de energia elétrica do ar-condicionado. A próxima etapa da pesquisa será estender as medições a outras regiões brasileiras, para verificar como a cortina metalizada se comporta sob outras condições climáticas. “No Nordeste principalmente, onde há muito calor e se usa intensivamente o ar-condicionado”, diz Vittorino. A cortina de algodão com filme metalizado pode ser usada em salas de reuniões e em quartos de hotéis, colocada entre a vidraça e as cortinas decorativas. Uma outra versão, que está em estudos para uso em escritórios e residências, terá faixas translúcidas para deixar passar pelo menos uma quantidade mínima de luz, com pequena perda do rendimento energético.
Além da cortina termorrefletora e da cobertura para galpões, outros usos estão em testes. Um segmento que também poderá contar com o novo produto é o de criação de aves. Nas regiões mais quentes do país, nos galpões de galinhas matrizes já se utilizam telhas térmicas fabricadas com duas chapas de aço intercaladas com espuma de poliuretano expandido. Essa cobertura, que custa cerca de R$ 60,00 o metro quadrado, proporciona diminuição de temperatura, com aumento da produtividade, e redução da mortandade de aves a menos de um quarto.
Teste de campo feito na Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp em dezembro de 2004 comparou o desempenho da telha metálica com aplicação RCF na face inferior com outros dois tipos de telha, a metálica simples, sem isolamento térmico, e a térmica, feita com duas chapas de aço e recheio de 50 milímetros de espuma de poliuretano, todas colocadas em galpões de dimensões idênticas. “Vimos que a telha com RCF teve um desempenho até um pouco melhor que o da espuma de poliuretano, sem contar que o preço cai pela metade”, diz Tavares. A redução no custo de aplicação do termoisolante despertou o interesse de um fabricante de telhas térmicas, fornecedor de um projeto que prevê construir mais de 1 milhão de metros quadrados de galpões para aves no Brasil Central. Testes de campo estão sendo feitos para avaliar a viabilidade de empregar o produto nos aviários das galinhas comuns.
Filtro óptico
Foi a percepção das várias possibilidades de aplicação da tecnologia, em distintos setores, que serviu de estímulo para que Tavares e Lambert criassem a VacuoFlex. E todas as alternativas estudadas até agora têm se mostrado promissoras, como a de produzir um plástico transparente para estufas agrícolas. No caso, o produto funciona como um filtro óptico, já que impede a entrada do infravermelho da radiação solar, diminuindo a temperatura interna, ao mesmo tempo que permite a passagem da luz. Testes preliminares feitos com o filme indicaram 30% mais de luz e 30% menos de calor em relação ao plástico com tela de sombreamento, usado, por exemplo, em Holambra, cidade produtora de plantas e flores na região de Campinas.
“A indústria química pesquisa há décadas, por meio do uso de aditivos, um plástico frio que deixe passar a luz necessária à fotossíntese, mas que bloqueie o infravermelho da radiação solar”, diz Tavares. “Mas os resultados obtidos até agora pelos meios químicos foram modestos”. Em países de clima quente como o Brasil, o aumento da temperatura em estufas agrícolas diminui a produtividade do cultivo. Para que isso não ocorra, são utilizados sistemas evaporativos de resfriamento, que consomem energia elétrica, além do recobrimento plástico com mantas de sombreamento para reduzir as temperaturas. Mas esse sistema também reduz a iluminação e retarda o crescimento das plantas.
Como no Brasil ainda não existem equipamentos para fazer as deposições a vácuo por pulverização catódica em filmes plásticos, Lambert está adaptando uma máquina para trabalhar exclusivamente com essa tecnologia, já que a importada custa cerca de US$ 2 milhões. Por enquanto, a ideia dos sócios é fornecer os filmes plásticos tratados para as empresas que licenciarem os produtos desenvolvidos pela VacuoFlex. No futuro, eles poderão fabricar as máquinas, por encomenda, para as empresas licenciadas.
O Projeto
Otimização do desempenho térmico de cortina termorrefletora, visando à redução de energia consumida em condicionamento térmico (nº 01/13310-0); Modalidade Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Antônio Sérgio Assunção Tavares – VacuoFlex; Investimento R$ 74.900,00 (FAPESP)