Raramente as conclusões de algum estudo científico resultam em imediato impacto econômico ou rápidos ganhos sociais. Mas um desses casos raros ocorreu com o projeto temático, financiado pela FAPESP, “Métodos de Avaliação do Impacto de Estratégias de Imunização contra Doenças de Transmissão Direta”, coordenado pelo epidemiologista Eduardo Massad, titular de Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, USP.
A garantia dada por Massad de que; para se obter uma cobertura ótima de imunidade contra sarampo, cachumba e rubéola, bastaria vacinar a população na faixa etária entre um e 10 anos -contrariando a recomendação da Organização Panamericana de Saúde, OPAS, de vacinar toda a população entre 9 meses e 15 anos -, permitiu ao Governo do Estado de São Paulo economizar cerca de US$15 milhões na última grande campanha de vacinação contra essas viroses, em 1992. E vale registrar que o financiamento concedido pela FAPESP para o projeto temático em questão foi de pouco menos de R$143 mil, entre 1992 e 1995.
“Naquela campanha foram usadas 7 milhões de doses da vacina tríplice viral. Se ela tivesse se dirigido à população de até 15 anos seriam necessárias mais ou menos 12 milhões de doses. Foi desse modo que o custo da campanha ficou em cerca de US$20 milhões, em lugar dos aproximadamente US$35 que custaria, se as recomendações da OPAS tivessem sido seguidas”. E o que é melhor: do ponto de vista de saúde pública, seus resultados foram excelentes. Obteve-se uma efetividade da campanha de 98%, efetividade da vacinação de rotina nos postos de saúde, desde então, de 95%, controle efetivo da síndrome da rubéola congênita e fortes indicações de que entre as crianças paulistas na faixa abaixo de 10 anos já não está mais circulando o vírus da rubéola. “Na Capital isso é verdadeiro”, assegura Massad, que concluiu o projeto em setembro do ano passado.
O premiado pesquisador paulista de 43 anos naturalmente estava embasado em convicções científicas poderosas para ter a coragem de fazer recomendações, que envolviam a saúde de milhões de pessoas, contrariando não somente a OPAS, mas toda uma extensa literatura sobre o assunto. São convicções originárias de seu já longo trabalho com modelos matemáticos dinâmicos, em Medicina e, especialmente, em doenças infecciosas.
Modelos dinâmicos
“Em nossa linha de trabalho é fundamental encontrar instrumentos com capacidade preditiva para o estabelecimento de estratégias de controle das doenças infecciosas. Os modelos dinâmicos, e não os estatísticos, são instrumentos desse tipo”, explica Eduardo Massad. No campo das doenças infecciosas, completa, a situação é diferente daquela que envolve as não infecciosas, cujo estudo de comportamento em uma determinada população exige sobretudo o estabelecimento de fatores de risco e relações causais, que respondem muito bem a tratamentos estatísticos.
“Para facilitar o entendimento do uso dos modelos matemáticos em relação às doenças infecciosas, pode-se imaginar uma população distribuída em três compartimentos: o dos suscetíveis, o dos infectados e o dos recuperados”, diz o pesquisador. Partindo-se do pressuposto de que as pessoas vão mudando de compartimento, para cada transição entre um e outro pode-se estabelecer uma equação. “Assim, posso obter, por exemplo, quantos dos suscetíveis e em que unidade de tempo, ou com que idade, vão mudar para a categoria dos infectados; como será a transição para o compartimento seguinte e uma infinidade de outros dados”.
A elaboração e a condução de experimentos com modelos matemáticos lançam mão da simulação de um sistema real, o que é necessário para compreender seu comportamento ou para avaliar as possíveis estratégias para operar esse sistema. Por isso mesmo não há uma oposição entre modelos estatísticos e matemáticos em epidemiologia, na medida em que o sistema real é composto por estatísticas. “Todo o tratamento matemático de uma epidemia ou endemia inicia-se a partir de um tratamento de dados de incidência e prevalência. O trabalho de amostragem, o ajuste de dados a uma função contínua e as estimativas de parâmetro são tratamentos de natureza fundamentalmente estatística e são, muitas vezes, condição sine qua non para o eventual tratamento matemático posterior”, escreveu Massad em artigo na revista Informática em Saúde, em maio de 1993.
Resultados sólidos
Lidando com seus modelos dinâmicos e trabalhos epidemiológicos de campo, Massad já tinha obtido resultados muito sólidos num estudo sobre rubéola, conduzido num projeto de pesquisa individual, em 1990, quando iniciou o temático de 1992. “No primeiro trabalho tínhamos conseguido determinar a intensidade de transmissão da rubéola e a idade média em que a população não vadnada pega a doença, ou seja, seis anos. Também determinamos a idade ótima para as crianças pegarem a vacina, que é de um ano, porque a curva de eficiência da vacina vai crescendo dos seis meses até um ano”, diz Eduardo Massad. E continua: “determinamos a curva de extinção dos anticorpos matemos no organismo da criança, que vai de zero a seis meses.
Por fim, e mais importante, conseguimos determinar a idade ótima para vacinar as crianças, o que se relaciona com a cobertura da vacinação: se for acima de 90% da população alvo, 13 meses é o ideal e, à medida em que desce esse percentual de cobertura, é preciso fazer a vacinação mais cedo, sempre considerando o limite mínimo de seis meses”.
O projeto temático de 1992 propunha-se a avaliar o impacto da estratégia de uma grande campanha de vacinação com a tríplice viral, seguida de vacinação rotineira nos postos de saúde em crianças de 15 meses, através de tratamento matemático de dados sorológicos. Mas graças à base de conhecimento anterior de que Eduardo Massad já dispunha, o projeto começou, de fato, com uma intervenção prática nos planos da Secretaria de Saúde: a proposta de alteração da população alvo da campanha.
“O Ministério da Saúde havia decidido fazer uma grande campanha de vacinação contra sarampo para todas as crianças de 9 meses a 15 anos. São Paulo resolveu aproveitar a mobilização nacional para introduzir também a vacina contra rubéola. Havia, no entanto, dois problemas: por um lado, o contingente muito grande de crianças entre 10 e 15 anos tornaria economicamente inviável a cobertura da população de nove meses a 15 anos, proposta pelo Ministério da Saúde. De outro lado, sabíamos que na faixa de 10 a 15 anos havia um contingente não desprezível de meninas grávidas, o que é uma indicação formal para a vacinação”, explica Massad. Que fazer? “Conseguimos demonstrar que a cobertura para a faixa de um a 10 anos era, de fato, suficiente”.
Os estudos sorológicos foram realizados anualmente, a partir da campanha de 1992, até 1995, com coleta de amostras de sangue de cerca de 3 mil crianças matriculadas em creches e escolas da rede pública de São Paulo. Os resultados foram os já citados e Eduardo Massad destaca como o mais importante a dramática redução dos casos de Síndrome de Rubéola Congênita, responsável por mais da metade dos casos de surdez em crianças. no país, por muitos casos de cegueira, retardamento mental e outros males. Vale observar que os dados de 92 refletem a situação antes da adoção oficial da vacina contra rubéola.
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