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Física

Uma forma rara de colisão que ocorre no acelerador LHC poderia produzir partícula candidata a ser a matéria escura

Segundo estudo, choques entre prótons e núcleos de chumbo seriam os mais indicados para gerar partículas tipo áxion

Colisão de prótons e núcleos de chumbo no acelerador LHC, em 2016, que pode ter produzido pistas sobre uma partícula escura

CMS-CERN

Em artigo publicado no final de outubro na revista científica Physical Review Letters (PRL), uma equipe de físicos teóricos das universidades federais do ABC (UFABC) e do Rio Grande do Sul (UFRGS) propõe uma forma alternativa de usar o Grande Colisor de Hádrons (LHC) – o maior acelerador de partículas do planeta, situado em Genebra, na fronteira entre a Suíça e a França – para procurar pela natureza da misteriosa matéria escura. De acordo com o estudo, promover o choque entre feixes de prótons e núcleos do átomo de chumbo no acelerador operado pela Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (Cern) poderia produzir evidências da existência de partículas tipo áxion (ALP).

Variantes dos áxions, uma hipotética partícula proposta na década de 1970, as ALP (assim como os próprios áxions) são previstas por muitas teorias, como a das cordas, que vão além do Modelo Padrão da física de partículas. São também um dos vários candidatos a serem os constituintes da matéria escura, cuja presença fornece gravidade suficiente para manter a coesão das estruturas visíveis do Universo, como as galáxias e os sistemas planetários. A matéria escura é invisível e cinco vezes e meia mais abundante do que a matéria normal, de que são feitos os corpos celestes. Mesmo que as ALP, se eventualmente existirem, não tenham relação com a matéria escura, elas podem fazer parte das chamadas “partículas escuras” porque interagem muito pouco com a luz.

As condições que, de acordo com o grupo brasileiro, poderiam produzir as ALP são uma raridade na história do LHC. Os experimentos feitos no acelerador trabalham normalmente com colisões entre dois feixes de prótons. Esse é seu regime padrão de funcionamento. Uma vez por ano, são produzidos choques entre prótons e feixes de partículas muito mais pesadas, como núcleos de chumbo ou outros íons.

Além de uma sessão de testes em 2013, o LHC promoveu colisões próton-chumbo apenas uma vez, no final de 2016. “Mas, na ocasião, ninguém procurou por ALP nesse experimento”, comenta o físico Sylvain Fichet, da UFABC, um dos autores do estudo. “Por isso, defendemos a ideia de que os dados produzidos quase 10 anos atrás no LHC deveriam ser reanalisados a partir da proposta que fizemos em nosso trabalho.” As pesquisas que resultaram no artigo foram financiadas pela FAPESP, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Segundo o trabalho, não seria possível detectar no interior do acelerador as próprias ALP eventualmente resultantes das colisões próton-chumbo, mas apenas indícios indiretos de sua presença, como a produção de um certo conjunto de partículas elementares, os quarks, que não apresentam subdivisões internas. As ALP poderiam ser emitidas por prótons que viajam a velocidades próximas à da luz no interior do acelerador e colidir com partículas de luz (fótons), emitidas por núcleos de chumbo acelerados na direção oposta.

Um dos produtos mais prováveis dessa trombada ALP-fótons, de acordo com o trabalho, seria a criação de duas partículas chamadas de quark top e quark charm, que deixariam sinais bem conhecidos em três dos principais instrumentos detectores de partículas do LHC: o Atlas, o CMS e o LHCb. A detecção simultânea das duas formas de quark seria a prova de que as ALP foram originadas pelas colisões próton-chumbo.

NASA / ESA / M. J. JEE / H. FORD (UNIVERSIDADE Johns Hopkins)Calculado matematicamente sobre um aglomerado de galáxias, o anel azul-escuro indica a possível localização da matéria escuraNASA / ESA / M. J. JEE / H. FORD (UNIVERSIDADE Johns Hopkins)

Cálculos e simulações feitos pelo grupo da UFABC e UFRGS indicam que a probabilidade de detectar ALP em colisões próton-chumbo seria muito maior do que nos choques habituais promovidos pelo LHC, do tipo próton-próton. Isso devido à própria natureza das partículas envolvidas no primeiro tipo de experimento.

Os prótons acelerados tenderiam a emitir partículas tipo áxion de forma abundante, enquanto os núcleos de chumbo, muito pesados, quase não produzem ALP, mas geram muitos fótons. Essa situação torna mais provável que ALP e fótons se choquem e produzam os dois tipos de quark que podem ser detectados pelos instrumentos do LHC.

Por meio de simulações computacionais, os autores do artigo dizem ter encontrado a situação perfeita para observar o resultado das colisões entre ALP e fótons no LHC. Seria quando um próton, que está emitindo muitas ALP, chega bem perto de um núcleo de chumbo, que, por sua vez, está irradiando muitos fótons. Nesse momento, as condições seriam ideais para produzir a dupla de partículas quark que funciona como uma assinatura do processo.

“A proposta do artigo é engenhosa, mas não acredito que essa abordagem seja competitiva em relação a outros métodos existentes”, disse a Pesquisa FAPESP o físico Simon Knapen, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, nos Estados Unidos. Para ele, que estuda matéria escura e não participou do trabalho, limites impostos por experimentos anteriores tornam improvável detectar o processo descrito pelos brasileiros no LHC.

O grupo da UFABC-UFRGS discorda da avaliação e pretende analisar as informações produzidas pelas colisões próton-chumbo promovidas em 2016 no acelerador europeu. Até hoje, ninguém fez essa revisão. “Vai ser um esforço grande analisar esse conjunto enorme de dados, obtidos há quase 10 anos”, diz o físico Gustavo Gil da Silveira, da UFRGS, que faz parte da colaboração internacional que trabalha com o detector CMS.

A comunidade de físicos de partículas tem discutido a possibilidade de realizar novas colisões próton-chumbo no LHC em 2026. Mas, por ora, essa questão ainda não está definida. Silveira conta que os dados gerados por futuros experimentos desse tipo no acelerador europeu serão mais precisos do que os obtidos em 2016. O LHC conta atualmente com um espectrômetro de prótons de precisão (PPS), um instrumento que pode ajudar a identificar e medir as propriedades dos prótons relacionados às colisões entre ALP e fótons. Embora tenha sido instalado em 2016, o PPS só entrou em operação depois do término das colisões próton-chumbo produzidas naquele ano.

Os áxions e as ALP estão entre as partículas escuras mais investigadas por físicos e astrofísicos, que tentam detectá-las de maneiras muito diversas. A abordagem com o emprego do acelerador LHC proposta pelo novo trabalho adiciona um método a essa busca.

A reportagem acima foi publicada com o título “Na trilha do invisível” na edição impressa nº 358 de novembro de 2025.

Artigo científico
BARBOSA, S. et al. LHC as an Axion-Photon Collider. Physical Review Letters. 30 out. 2025.

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