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Parcerias

Uma lei bem-intencionada

Carlos Américo Pacheco avalia efeitos da Lei de Inovação

A Lei de Inovação foi uma tentativa de utilizar o modelo da Parceria Público-Privada (PPP) na área de Ciência e Tecnologia. O objetivo, entre outros, era enfrentar os desafios institucionais do sistema de inovação brasileiro, empreitada das mais difíceis. “Mexer nas instituições é um trabalho de risco”, afirma o secretário adjunto do Desenvolvimento de São Paulo, Carlos Américo Pacheco. Dois anos depois de promulgada, a lei não se revelou “eficaz”, como ele diz, para gerar novos modelos de parceria entre os setores públicos e privados, entre eles o de criação de Empresa de Propósito Específico (EPE). Essa constatação, para Pacheco, se traduz em frustração: ele, quando secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, foi um dos arquitetos da legislação. Nesta entrevista, Pacheco avalia os problemas da legislação.

Quais os principais problemas institucionais que a Lei de Inovação pretendeu resolver?
O espírito da lei era exatamente ampliar a parceria público-privada. A interface entre os setores público e privado não se dá apenas no âmbito das redes de pesquisa, mas também na relação jurídica entre as partes. A propriedade intelectual, por exemplo, é um aspecto central da relação jurídica. Era preciso melhorar o relacionamento entre parceiros no que diz respeito ao licenciamento de patentes, ter clareza sobre como repartir os benefícios e flexibilizar o licenciamento de patentes para tornar mais ágil a parceria.

Qual o maior obstáculo para essa modalidade de parceria?
O gargalo dessa parceria estava essencialmente no setor público, e não no privado. Trata-se de um problema de direito administrativo: o setor público só pode fazer aquilo que está autorizado em lei e a empresa não pode se associar a uma instituição pública com as mesmas regras do mundo privado. Assim, a lei é uma lei de PPP para melhorar a performance do sistema de inovação. Foi nesse âmbito que a lei autorizou a criação de EPEs para desenvolver projetos em parceria com sócios privados.

Se a EPE está prevista na lei, por que tantas dificuldades?
A lei tem o espírito correto, mas desafortunadamente – e digo com pesar porque tive responsabilidade nisso – revelou-se de baixa eficácia jurídica. Ela foi mais importante como instrumento de propaganda da inovação e para chamar atenção para aspectos institucionais. É bem-intencionada, mas a sua redação criou algumas dificuldades. A previsão de um edital para licenciamento e para comercialização de patentes, por exemplo, acabou se transformando numa minilicitação. O problema mais crítico talvez seja a EPE, que deveria permitir que instituições públicas organizassem de maneira mais profissional os empreendimentos em parceria com o setor privado, viabilizando o aporte de recursos em projetos de pesquisa. As EPEs deveriam ser subsidiárias das instituições de pesquisa e, no futuro, permitir que elas contassem com o rendimento proveniente desse tipo de inovação. O caso mais emblemático são as oportunidades em agroenergia e a tentativa da Embrapa de criar uma EPE com sócios do setor privado para realizar pesquisa de alto retorno e grande capacidade de mobilização de recursos. A Embrapa enfrenta um enorme desafio.

Qual a origem dessas dificuldades?
É um problema constitucional. O capítulo da Ordem Econômica diz que a criação de uma empresa precisa de lei específica. Toda vez que o Estado entra na órbita econômica, de empresa, precisa de lei. A Petrobras tem lei que lhe permite criar subsidiárias. O Banco do Brasil tem lei para subsidiárias.Quando a lei é genérica – como foi o caso da Lei de Inovação, que diz apenas que as instituições de pesquisa estão autorizadas a criar EPE para fins de pesquisa – fica uma dúvida se essa autorização, sendo genérica demais, tem eficácia jurídica. Essa divergência de interpretação gerou um debate jurídico: a lei seria tão abrangente que perde a eficácia jurídica. Sem falar no risco de ter a sua constitucionalidade contestada. Sem amparo legal, as áreas jurídicas das empresas e a Advocacia Geral da União (AGU) não têm como fazer, apesar de a lei dizer que precisa de autorização do presidente da República. Valeria a pena o Ministério da Ciência e Tecnologia fazer uma avaliação da eficácia disso.

Quais seriam os principais beneficiários dessa nova modalidade de parceria?
A EPE desenhada na Lei de Inovação deveria beneficiar três grandes instituições com qualidade de pesquisa para empreendimentos desse tipo: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Fiocruz e Embrapa. Eram candidatos naturais a usar esse instrumento para ampliar o escopo da pesquisa com a iniciativa privada. Falta agressividade das agências de fomento em abrir linha para viabilizar. A Finep e o BNDES deveriam ser acionistas e entrar com aporte de capital em EPE em áreas centrais para o Brasil. É preciso rever a lei para que tenha eficácia jurídica e que as agências apóiem. A idéia de que a lei é auto-aplicável não existe.

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