Um grupo de 20 engenheiros mecânicos, químicos e mecatrônicos criou um sistema inédito no país capaz de gerar, simultaneamente, energia elétrica e água destilada. A equipe de pesquisadores, todos do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), desenvolveu um demonstrador tecnológico que recupera o calor desperdiçado por painéis de energia solar e o reutiliza para aquecer a água que vai alimentar um dessalinizador via destilação por membranas. Alternativamente, essa energia térmica pode ser usada em processos de refrigeração de ambientes. Um protótipo foi instalado em maio deste ano na Cidade Universitária, na capital fluminense.
Segundo Carolina Palma Naveira-Cotta, líder do projeto e professora do Programa de Engenheira Mecânica da Coppe, o sistema, batizado de Ilha de Policogeração Sustentável, pode ajudar a descentralizar a produção de energia elétrica no país, mas sua proposta vai além. “Nossa ideia é conjugar a geração de eletricidade, água e outros insumos. No nosso protótipo, o calor é recuperado de painéis solares de alta concentração e usado na produção de água potável”, diz.
A tecnologia tem potencial para atender localidades que não estão conectadas à rede elétrica nacional, como comunidades do semiárido nordestino, campos de óleo e gás próximos à costa (nearshore), ilhas e áreas em conflito ou que sofrem com desastres ambientais.
O extenso nome dado ao sistema tem fácil explicação. “Ilha vem da possibilidade de gerar energia de forma descentralizada, isoladamente; poli relaciona-se a suas múltiplas possibilidades de uso; cogeração tem a ver com os insumos a serem gerados em conjunto, simultaneamente; e sustentável porque a ilha é energeticamente autossustentável”, esclarece a pesquisadora, que coordena o Laboratório de Nano e Microfluídica e Microssistemas (LabMEMS) da Coppe.
O demonstrador instalado na UFRJ ocupa uma área de 200 metros quadrados (m²) e é dotado de um painel solar fotovoltaico de alta concentração com capacidade para gerar 5 quilowatts (kW) de energia elétrica e 8 kW de energia térmica. Dispõe, ainda, de três conjuntos de coletores solares para aquecimento complementar de água. “Parte da energia da radiação solar é perdida e dissipa-se no ambiente na forma de calor durante o processo de conversão da energia solar em elétrica nos painéis. Uma parcela da energia que seria perdida é recuperada e usada em um processo secundário”, conta Naveira-Cotta (ver infográfico).
“A eficiência comumente encontrada em painéis solares comerciais é de até 30%. Isso significa que só um terço da energia solar captada vira eletricidade. O restante é jogado fora em forma de calor”, diz. Para recuperar parte dessa energia térmica, foi instalado atrás dos painéis um sistema de microtrocadores de calor. Esses dispositivos são dotados de microcanais por onde passa um fluido refrigerante que resgata parcela do calor que seria desperdiçada.
“No nosso demonstrador, o calor recuperado é usado em um processo secundário de destilação de água. Ele tem potencial para produzir cerca de mil litros de água potável por dia a partir da água salgada”, detalha a pesquisadora. A água produzida pode ser direcionada ao consumo humano ou a atividades agroindustriais. “Em dias ensolarados, o calor recuperado do painel é suficiente para aquecer a água que vai ser usada na dessalinização”, afirma. “Os coletores complementam o aquecimento da água em dias nublados.”
O engenheiro mecânico João Alves de Lima, do Centro de Energias Alternativas e Renováveis da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), avalia como positiva a iniciativa da Coppe e destaca sua importância para atender regiões com escassez hídrica ou de energia elétrica, mas faz uma ressalva. “A produção de água por esses processos térmicos ainda é baixa comparada a outras tecnologias de dessalinização”, diz. “Por outro lado, a metodologia proposta pela equipe da UFRJ permite trabalhar com salinidades muito maiores do que as do método tradicional de dessalinização, por osmose reversa.”