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Energia

Usinas versáteis

Reaproveitar água em hidrelétrica eleva o abastecimento e o fornecimento de eletricidade para São Paulo e Baixada Santista

Usina Henry Borden: água desce 720 metros para gerar energia em Cubatão

EMAEUsina Henry Borden: água desce 720 metros para gerar energia em CubatãoEMAE

Localizada no sopé da serra do Mar, em Cubatão, a usina hidrelétrica Henry Borden é uma importante fonte geradora de energia elétrica. Por meio de tubulações ela capta água da bacia do rio das Pedras, que está interligada à represa Billings, na Região Metropolitana de São Paulo, a 720 metros de altura, para mover o conjunto de turbinas projetado para gerar energia até 880 megawatts (MW) de potência. O empreendimento, no entanto, opera desde a década de 1990 apenas parcialmente, porque a captação da água está limitada, principalmente, pela proibição de reversão contínua das águas dos rios Tietê e Pinheiros para a Billings. Para permitir um aproveitamento maior da usina, o engenheiro civil Sadalla Domingos, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), propõe a transformação da Henry Borden em uma hidrelétrica reversível. Essa possibilidade tem sido debatida no país – no fim do ano passado a Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil), uma das subsidiárias da Eletrobras, reuniu em Brasília 235 especialistas de Brasil, Portugal, França, Alemanha e Áustria e discutiu aspectos regulatórios e econômicos relacionados a esses empreendimentos.

As usinas hidrelétricas reversíveis têm, além do reservatório principal (superior), um segundo lago (inferior), localizado depois da casa de força onde é gerada a energia elétrica. De dia, durante o período de maior consumo energético, a hidrelétrica usa água do reservatório superior para gerar eletricidade, como qualquer outra usina, e a armazena no inferior, etapa inexistente em usinas não reversíveis. À noite, quando o consumo cai, ela bombeia parte da água que passou pelas turbinas de volta para o reservatório superior. Estabelece-se, assim, uma espécie de circuito fechado, com reaproveitamento contínuo da água.

Existem atualmente mais de 127 mil MW gerados em usinas reversíveis no mundo – o equivalente ao potencial de nove usinas do tamanho de Itaipu, que tem capacidade de geração de 14 mil MW. “Estados Unidos, Japão, China, Itália e França são os países líderes nesse tipo de empreendimento, criado por volta de 1890 na Europa”, relata o engenheiro Carmo Gonçalves, responsável pela área de tecnologia da Eletronorte e especialista em usinas hidrelétricas reversíveis. O Brasil tem apenas duas hidrelétricas do gênero, de pequeno porte, ambas no rio Pinheiros – a Usina Traição, com 22 MW, e a Usina Pedreira, com 108 MW.

Durante o Seminário Técnico sobre Usinas Hidrelétricas Reversíveis no Setor Elétrico Brasileiro, realizado em Brasília, em 2014, foi apresentado o único estudo abrangente sobre o potencial dessa fonte de energia no país. “A Cesp [Companhia Energética de São Paulo] realizou um trabalho de pré-inventário no início dos anos 1980 mostrando que o potencial técnico desse tipo de empreendimento no estado de São Paulo era cerca de 200 mil MW”, destaca o engenheiro civil Paulo Sérgio Franco Barbosa, professor da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Embora não tenham sido realizados estudos de viabilidade econômica para implantação das usinas reversíveis – o que pode reduzir essa estimativa –, o potencial é grande.”

070-073_Hidrelétrica_236O engenheiro explica que uma das principais vantagens das reversíveis é sua contribuição para o sistema elétrico do país, que funciona de maneira interligada. “Essas usinas poderiam fornecer maior potência ao sistema no horário de pico, evitando oscilações de voltagem e frequência na rede, que ocasionam, muitas vezes, quedas no fornecimento”, explica Barbosa. Além disso, esse tipo de hidrelétrica pode dar suporte à expansão de fontes renováveis intermitentes de energia, compensando os períodos de ausência ou redução da geração elétrica por falta de luz solar (em dias nublados e durante o período noturno) ou vento na produção das usinas solares e eólicas, cada vez mais utilizadas no país. “Por esses motivos, as hidrelétricas reversíveis são vantajosas, mesmo que seu balanço energético seja negativo ao consumir mais energia – para fazer funcionar a estação de bombeamento – do que gerando”, conta o professor da Unicamp. Ele informa que o balanço energético negativo apresentado pelas reversíveis está entre 15% e 25%. Segundo o pesquisador, o grande desafio para sua inserção no Sistema Interligado Nacional (SIN) é o estabelecimento de bases regulatórias e de sua viabilidade econômica.

Viabilidade e adequações
“A transformação da usina Henry Borden em uma hidrelétrica reversível possibilitaria o uso pleno de sua capacidade e pouparia até 7,5 mil litros de água por segundo da Billings, melhorando o abastecimento na região metropolitana de São Paulo”, afirma Sadalla, autor da proposta. “É uma solução importante para o momento atual, de crise no abastecimento, e resolveria um antigo conflito nesse sistema, entre geração de energia e fornecimento de água.” A proposta foi apresentada em junho e agosto na Poli-USP e no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e foi recebida pela Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), órgão do governo estadual responsável pela operação e pela manutenção da Henry Borden. “O projeto parece interessante, mas é preciso estudos que comprovem sua viabilidade econômica, técnica, institucional e ambiental”, afirma o engenheiro mecânico Fernando José Moliterno, gerente do Departamento de Planejamento e Engenharia da Emae. Para Sadalla, o custo e os benefícios de deixar reversível a Henry Borden vão depender de um detalhado plano ambiental, econômico e de engenharia.

Pela proposta do pesquisador da USP, seria preciso fazer duas adequações principais para transformar em uma hidrelétrica reversível o complexo Henry Borden, que é formado por duas usinas, uma externa e outra subterrânea, escavada na rocha. A primeira providência seria construir o reservatório inferior para armazenar a água usada para mover as turbinas – atualmente, essa água é direcionada para rios da região. A outra seria instalar uma estação de bombeamento e uma adutora para mandar a água de volta para o sistema Billings, no alto da serra (ver infográfico). “Já temos tecnologia para isso”, garante Sadalla, acrescentando que o reservatório inferior seria construído entre os canais de fuga já existentes, usados para escoar a água da Billings.

Rio das Pedras no alto da serra do Mar com vista do início das tubulações que levam a água para Cubatão

EMAERio das Pedras no alto da serra do Mar com vista do início das tubulações que levam a água para CubatãoEMAE

O complexo da Henry Borden foi iniciado em 1926 e entre as décadas de 1930 e 1960 teve sua potência ampliada até atingir os 880 MW. Para obter uma vazão de água compatível com sua capacidade, o engenheiro Asa White Billings, que projetou a hidrelétrica, concebeu o sistema de reversão do fluxo do rio Pinheiros, que nasce na Billings, cruza a cidade de São Paulo e deságua no rio Tietê. O sistema de reversão permitiu o caminho contrário: as águas do Tietê podem ser desviadas para a represa. Essa obra, que levou mais água para a Billings, realizada nos anos 1940, proporcionou uma importante oferta de energia para a Baixada Santista, impulsionando o crescimento das indústrias de Cubatão e da cidade de São Paulo.

Nos anos 1990, no entanto, a crescente poluição dos mananciais da Grande São Paulo levou o governo estadual a restringir o sistema de reversão, a fim de evitar a contaminação da Billings pelas águas dos rios Tietê e Pinheiros. Concebida originalmente para fornecer água para o funcionamento da Henry Borden, a Billings, com o tempo, passou a ser empregada também para o fornecimento de água para a capital e cidades vizinhas. Em 1992, um dispositivo legal, inserido na Constituição paulista, determinou que o bombeamento das águas do Pinheiros para a Billings só poderia ser feito em situações excepcionais, entre elas, para controlar as cheias do rio. Com isso, a vazão de água destinada ao complexo Henry Borden foi drasticamente reduzida, impactando a geração de energia. Quando o sistema de reversão operava plenamente, as usinas produziam em torno de 470 MW e, com a redução da vazão, ela passou a gerar apenas 108 MW médios. Com a proposta de tornar a Henry Borden reversível, a água captada seria enviada de volta – permitindo, assim, aumentar a vazão de retirada e, consequentemente, ampliar a geração de energia. “Parece ser uma ideia interessante, com vantagens tanto para as indústrias e moradores da Baixada Santista quanto para a população da região metropolitana de São Paulo”, afirma Barbosa, da Unicamp.

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