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Integridade

USP cria Escritório de Integridade e Proteção da Pesquisa

Os objetivos do órgão são prevenir conflitos de interesse e dar respaldo a docentes empreendedores

Colors Hunter – Chasseur de Couleurs / Getty Images

A Universidade de São Paulo (USP) criou um órgão encarregado de analisar a conformidade tanto das atividades empreendedoras de seus docentes como das colaborações de pesquisa com empresas ou outras instituições. O objetivo é dar segurança a quem promove a inovação no ambiente acadêmico e garantir que a cooperação com o setor privado não seja comprometida por conflitos de interesse e desvios éticos. O Escritório de Integridade e Proteção da Pesquisa tem duas vertentes de atuação. Uma delas busca dar respaldo institucional a pesquisadores que abrem empresas, comercializam tecnologias ou mantêm parcerias com o setor industrial. “A ideia é que os docentes procurem o escritório e informem o escopo das iniciativas que querem desenvolver. Se não houver problemas, receberão a chancela da universidade para suas atividades”, diz o físico Paulo Alberto Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP.

Segundo ele, a intenção é remover constrangimentos da rotina dos docentes empreendedores. “Pesquisadores que abrem negócio ou fazem parcerias com empresas às vezes são tratados como bandidos por colegas, como se estivessem prejudicando a população. Isso é uma falácia. Eles geram riqueza, devolvem o dinheiro que a sociedade investiu neles na forma de impostos e merecem ser apoiados pela universidade”, diz o pró-reitor, que quer reduzir incertezas no empreendedorismo acadêmico.

Uma segunda missão do escritório é garantir que as pesquisas na USP sigam padrões internacionais de integridade e proteção de dados, também definindo regras e avaliando a conformidade de projetos. “Em uma colaboração, ninguém quer ser o elo no qual informações sensíveis vazam. Para a USP permanecer relevante em cooperação internacional, precisamos seguir os mesmos mecanismos de proteção do conhecimento dos nossos parceiros”, contextualiza Nussenzveig. Ele cita como exemplo a necessidade de proteger informações sobre biodiversidade. “Somos instados a informar o patrimônio genético usado em nossas pesquisas, mas a forma como tratávamos isso até recentemente era inadequada. Abria-se um documento no Google e se pedia aos colaboradores que enviassem as informações por um canal sem nenhuma segurança. Era como dizer: biopiratas do mundo, as informações estão centralizadas aqui para que vocês peguem tudo de uma vez só.” O propósito também é que o escritório atue em caráter consultivo, analisando demandas de pesquisadores sobre proteção de dados e exigências de redes internacionais.

De acordo com Nussenzveig, a criação do escritório é resultado da incorporação do tema da inovação aos propósitos da Pró-reitoria de Pesquisa da USP, que ocorreu em 2022. Ele e o pró-reitor-adjunto de inovação, o engenheiro Raúl González Lima, visitaram várias universidades para ver como tratar a questão da inovação e observaram que elas tinham escritórios com essas características.

Um exemplo foi um órgão do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, encarregado de avaliar e atenuar os riscos das atividades de seus pesquisadores: ele analisa se existem conflitos de interesse em colaborações e estabelece controle sobre a transferência de tecnologia a entidades de outros países. Também confere se a cooperação está em conformidade com regulamentações federais: não são permitidas parcerias com países que sofrem sanções dos Estados Unidos, como Coreia do Norte, Irã e Cuba.

O objetivo do escritório é dar respaldo à interação da universidade com o setor privado

Visitas de pesquisadores do MIT a esses países devem ser informadas previamente e uma série de medidas de segurança precisam ser seguidas. Não se deve levar computadores ou celulares de uso pessoal, para evitar vazamento de informações – o instituto fornece equipamentos seguros para uso temporário. “Participei de uma conferência sobre integridade e proteção de dados nos Estados Unidos e fiquei impressionado com a agenda, que parecia da época da Guerra Fria. Depois me dei conta de que estávamos sendo ingênuos em relação à segurança das nossas informações”, relata Nussenzveig.

Os primeiros processos analisados pelo escritório tratam de casos de complexidade baixa. Uma das câmaras do escritório, a de conflito de interesses e conformidade, está debruçada sobre dois casos. Um deles é o de um professor que abriu uma empresa e gostaria de continuar atuando na USP como docente em regime de tempo integral, embora tenha de dividir seu tempo com os afazeres privados. O caso está sendo avaliado, mas existe uma provisão no estatuto da universidade permitindo que isso seja feito, desde que haja uma declaração de interesse da universidade.

“Como não havia nenhuma instância que fizesse esse tipo de declaração, o escritório deve assumir essa tarefa, em consonância com outras instâncias da universidade”, diz o pró-reitor. Outro caso é o de um pesquisador que mantém uma parceria com uma empresa sobre a qual pesam acusações de comportamentos questionáveis e desvios éticos. A câmara está analisando os benefícios da parceria versus dano reputacional que ela pode causar. O desafio, diz o pró-reitor, é estimular colaborações, evitando que empresas com comportamentos duvidosos usem a respeitabilidade da USP para limpar sua imagem.

Para Angela Kaysel Cruz, pesquisadora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, interessada em integridade científica, a criação do escritório é uma iniciativa bem-vinda, porque trata de problemas importantes da universidade. “Conheço o caso de um professor com dedicação em tempo integral que tinha uma empresa e agora enfrenta um processo na Justiça”, afirma. Ela considera, contudo, que uma estrutura robusta como a do escritório poderia tratar de assuntos abrangentes relacionados à integridade científica, como casos de plágio e de fraude. É certo que a USP mantém desde 2017 um comitê de Boas Práticas Científicas, para promover ações educativas, enquanto casos de má conduta são avaliados por comissões de ética. “É preciso investir ainda mais no fortalecimento da cultura de integridade. Já vi professores da USP demitidos por má conduta, mas, em outros casos que envolveram falhas graves, incluindo quem defendia tratamentos sem comprovação científica na pandemia, não aconteceu nada”, afirma.

O escritório, que é pioneiro no país, está sendo acompanhado por outras instituições. “A iniciativa da USP se antecipa e oferece resposta a uma preocupação crescente das universidades que mantêm parcerias com empresas. É fundamental garantir a conformidade de projetos na área de inovação”, afirma Jorge Audy, superintendente do Parque Científico e Tecnológico da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Tecnopuc), que planeja criar uma estrutura semelhante na instituição gaúcha.

Além de criar o escritório, a USP é cofundadora do Consórcio Sul-americano de Segurança na Pesquisa (Sarsec), que reúne universidades do Brasil, Argentina, Chile e Peru. No país, as universidades Estadual de Campinas (Unicamp) e Federal de São Paulo (Unifesp) participam do consórcio. O primeiro encontro dos representantes do consórcio ocorreu, em maio, no campus da USP, e discutiu temas como segurança de pesquisa, transferência de tecnologia, precauções na assinatura de documentos legais e segurança em sistemas críticos.

A reportagem acima foi publicada com o título “Blindagem na inovação” na edição impressa nº 352, de junho de 2025.

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