Imprimir Republicar

IMUNOLOGIA

Vacina do Butantan contra a dengue reduz em 80% o risco de adoecer

Cerca de 10,2 mil voluntários receberam o imunizante, aplicado em dose única, e foram acompanhados por dois anos

Técnico do Butantan analisa frascos do lote de testes da vacina contra a dengue

Renato Rodrigues / Comunicacão Instituto Butantan

Agora é oficial. A formulação candidata a vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan, de São Paulo, é segura e tem eficácia considerada alta em crianças, adolescentes e adultos. Aplicada em uma única dose de 0,5 mililitro (mL), ela reduziu, em média, em 79,6% o risco de adoecer em consequência da infecção por esse vírus, transmitido pela picada de mosquitos do gênero Aedes – no Brasil o mais comum é o Aedes aegypti.

O desempenho do composto, chamado de Butantan-DV, foi apresentado em um artigo publicado hoje (1º de fevereiro) na revista médica The New England Journal of Medicine. A eficácia observada agora é a mesma que havia sido registrada em uma análise preliminar divulgada em dezembro de 2022 (ver Pesquisa FAPESP nº 324).

“Os resultados são os mesmos, dessa vez com detalhes que não tínhamos naquela época, como o nível de proteção por faixa etária”, explica o médico e virologista Maurício Nogueira, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), coordenador de um dos centros de testagem da Butantan-DV e coautor do artigo.

No trabalho, equipes de 16 centros brasileiros avaliaram o efeito protetor da formulação em um estudo com 16.235 voluntários com idades variando de 2 a 59 anos. Selecionados por meio de um sorteio aleatório, 10.259 tomaram a Butantan-DV, enquanto os outros 5.976 receberam uma substância inócua (placebo).

Dois anos após a aplicação, a proporção de pessoas que teve dengue no primeiro grupo foi 79,6% menor do que no segundo. Trinta e cinco das 10.259 pessoas tratadas com Butantan-DV adoeceram. O mesmo ocorreu com 100 dos 5.976 voluntários que integravam o grupo do placebo.

O nível de proteção foi maior (89,2%) entre as pessoas que haviam tido dengue antes da vacinação e menor (73,6%) entre os que jamais haviam sido infectados pelo vírus. Efeito semelhante havia sido observado nos estudos das outras duas vacinas contra a dengue já licenciadas no Brasil – a Dengvaxia, da empresa farmacêutica francesa Sanofi Pasteur, e a Qdenga, do laboratório japonês Takeda. “A Butantan-DV teve o mesmo perfil de segurança em ambos os grupos, representando uma vantagem em relação a outros disponíveis no mercado privado que são indicados preferencialmente para pessoas com infecção prévia”, afirma o infectologista Esper Kallás, diretor do Instituto Butantan e primeiro autor do estudo.

Entrevista: Esper Kallás
00:00 / 15:38

A Butantan-DV apresentou um nível de eficácia importante (80,1%) entre as crianças com idades entre 2 e 6 anos, que compunham cerca de um terço dos participantes. Essa faixa etária é considerada prioritária para imunização por apresentar menor probabilidade que as demais de ter tido uma infecção prévia pelo vírus e desenvolvido anticorpos protetores. A taxa de proteção contra o adoecimento foi de 77,8% no grupo dos 7 aos 17 anos, que formava outro terço da amostra, e de 90% no dos adultos (18 a 59 anos).

A proporção de pessoas que apresentou eventos adversos sistêmicos foi maior (58,3%) no grupo imunizado com Butantan-DV do que no tratado com placebo (45,6%). Os problemas mais comuns foram dor de cabeça, cansaço e manchas vermelhas pelo corpo. Houve apenas três casos de eventos graves no grupo vacinado e dois no que recebeu placebo. Ao longo dos dois anos de acompanhamento, foram registradas 16 mortes: 9 no grupo da vacina e 7 no do placebo. Segundo os autores do estudo, nenhuma delas provocada por dengue nem por efeitos decorrentes da vacinação ou do uso do placebo.

Desenvolvida pelo Butantan a partir de um protótipo criado pelo grupo do pesquisador Stephen Whitehead, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, a candidata brasileira a vacina contra a dengue é um imunizante à base de vírus vivos atenuados, que conservam a capacidade de se multiplicar, mas não de causar doença.

Ela foi projetada para proteger contra os quatro sorotipos do vírus da dengue (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). Como os dois últimos não circularam no país durante o período de testes, ainda não se sabe quão eficaz pode ser contra eles. Testes em curso na Ásia com um composto semelhante à Butantan-DV podem trazer essa resposta.

“Por causa da maneira como é formulada, a Butantan-DV deveria, teoricamente, produzir uma proteção mais baixa contra o sorotipo 2, mas se saiu muito bem. Não espero que apresente um desempenho pior contra os sorotipos 3 e 4”, diz Nogueira.

A Butantan-DV resulta de mais de uma década de trabalho de pesquisadores brasileiros. Seu desenvolvimento já consumiu ao menos R$ 300 milhões, financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pela FAPESP, pela Fundação Butantan, pelo Ministério da Saúde e, mais recentemente, por uma parceria com o laboratório Merck Sharp & Dohme (MSD).

O ensaio clínico atual, dito de fase 3 e detalhado no artigo do The New England Journal of Medicine, representa a última fase de testes em seres humanos antes do pedido de registro em uma agência sanitária. Ele deve ser concluído em junho deste ano, quando se completam cinco anos de acompanhamento de todos os participantes.

“Após o término, os dados serão revisados e publicados em revista científica”, explica Kallás. Na sequência, o Butantan deve submeter o pedido de registro à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que é esperado para o segundo semestre deste ano. “A expectativa do Instituto Butantan é que a vacina contra a dengue possa começar a ser produzida em 2025”, afirma o diretor do Butantan. “No entanto, não é possível cravar datas pois o processo depende da aprovação da Anvisa e da sua incorporação no Sistema Único de Saúde pelo Programa Nacional de Imunizações.”

Projeto
Dengue: Produção de lotes experimentais de uma vacina tetravalente candidata contra dengue (nº 08/50029-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa; Programa de Pesquisa para o SUS – Pite; Pesquisador responsável Isaías Raw (Instituto Butantan); Investimento R$ 1.926.149,72.

Artigo científico
KALLÁS, E. G. et al. Live, attenuated, tetravalent Butantan-dengue vaccine in children and adults. The New England Journal of Medicine. 1º fev. 2024.

Republicar