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Cienciometria

Vantagens comparativas

Artigo analisa os caminhos trilhados pela ciência do Brasil e da Coreia do Sul e indica espaços para parcerias

Num artigo publicado na revista Scientometrics, um grupo de pesquisadores do Brasil e da Coreia do Sul investigou a evolução recente da produção científica dos dois países – que são antípodas não apenas na geografia, mas também em seus modelos de desenvolvimento. A conclusão foi que os sul-coreanos, apesar de sua vocação para a tecnologia, conseguiram na década passada melhorar o equilíbrio na distribuição de artigos por outros campos do conhecimento, enquanto os brasileiros melhoraram em áreas em que já eram fortes, como ciências agrárias e naturais. “O Brasil parece ter perdido uma oportunidade de investir mais em áreas capazes de dar suporte ao setor produtivo, como engenharias e computação”, diz Daniel Fink, autor principal do estudo, que é chefe do setor de ciência e tecnologia da Embaixada do Brasil em Seul. “A ciência do Brasil ainda tem dificuldade em interferir na política industrial, ao contrário do que acontece na Coreia do Sul.” O artigo, escrito em parceria com três pesquisadores sul-coreanos, é resultado do doutoramento de Fink no Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia (Kaist), na cidade de Daejeon.

Os sistemas de ciência e tecnologia do Brasil e da Coreia do Sul desenvolveram-se nas últimas décadas com investimentos concentrados em certas disciplinas. O Brasil segue um modelo semelhante ao de países desenvolvidos, com grande destaque para a medicina e um peso significativo de disciplinas como química, física, botânica e zoologia – uma especificidade brasileira é que as ciências agrárias ocupam um espaço superior ao da média mundial. Já a Coreia do Sul segue o chamado modelo japonês, com um papel mais proeminente das engenharias – incluindo a ciência da computação – e da química, com destaque para a ciência de materiais. O estudo liderado por Fink buscou comparar o que aconteceu com a quantidade e a qualidade da produção científica dos dois países em dois períodos distintos, de 2000 a 2004 e de 2005 a 2009. A análise foi feita com base nos National Science Indicators, da empresa Thomson Reuters, que contêm dados agregados por países. As variáveis incluíram o número total de publicações e citações do Brasil, da Coreia do Sul e do mundo de 2000 a 2009 – em seguida, os dados foram divididos por campos do conhecimento. O estudo concentrou-se em parte desses campos e excluiu alguns, como ciências sociais e economia, cuja produção na forma de artigos científicos não foi considerada representativa – há mais tradição na publicação de livros e capítulos nessas áreas.

Ambos os países aumentaram o número de artigos publicados e viram crescer seu quinhão na produção mundial. A participação da ciência brasileira avançou na maioria das áreas, exceto em algumas como ciência da computação e física, enquanto a Coreia cresceu em todas as áreas sem distinção. No caso da agricultura, a participação do Brasil subiu de 3,1% do total mundial no primeiro período para 6,8% no segundo. Também avançou em áreas como zoologia e botânica, ambiente e ecologia, e farmacologia e toxicologia, reforçando sua posição num modelo conhecido como “bioambiental”. Mas perdeu espaço em ciências espaciais e física. “Embora os pesquisadores brasileiros nas áreas de física e ciências espaciais tenham mantido o mesmo nível de publicações em números absolutos, perderam terreno em termos comparativos. Isso porque não conseguimos acompanhar o ritmo do aumento de produção de outros países”, diz Fink. Em campos da ciência em que o Brasil já não tinha vantagens comparativas, como ciências da computação, engenharias e ciência dos materiais, a produção retroagiu. “O Brasil dificilmente conseguirá ganhar força em tecnologia da informação e na indústria de manufaturas num futuro próximo”, afirma o autor. Em relação a citações, o Brasil melhorou também em agricultura, botânica e zoologia, e farmacologia e toxicologia, e piorou numa área em que era forte, a matemática. Em ecologia e ambiente, a visibilidade da ciência brasileira diminuiu, apesar do aumento da produção. Reveses semelhantes foram observados nas citações de engenharias, ciência dos materiais e ciências da computação.

Em relação à Coreia do Sul, não foram observados grandes saltos. Em relação à produção científica, as áreas em que houve maior crescimento foram ciência da computação, seguida de agricultura e farmacologia e toxicologia. Mas foram mantidas as características do chamado modelo japonês. Em comparação com a produção científica global, a Coreia não conseguiu acompanhar o crescimento em engenharias, química e ciência de materiais, embora tenha mantido a competitividade nesses campos. Mas o país conseguiu amenizar seus pontos fracos com desempenho melhor em áreas como ciência espacial, biologia molecular e genética. Em relação a citações, perdeu desempenho em áreas como ciência de materiais, engenharias, física e ciência da computação. Mas aumentou o impacto em agricultura, ciência espacial, microbiologia e biologia molecular e genética. “Essa transição mostra que a Coreia está conseguindo alcançar um estágio mais equilibrado, aprimorando áreas deficientes sem deixar de ser referência em áreas onde já possuía competência”, diz Fink.

A estrutura disciplinar da produção científica relaciona-se com as estratégias de desenvolvimento econômico de cada país, observa Peter Schulz, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, que publicou no ano passado na mesma revista Scientometrics um artigo sobre a evolução do perfil dos sistemas de ciência e tecnologia de diversos países (ver Pesquisa FAPESP nº 198). Segundo ele, contudo, algumas das conclusões do artigo de Fink precisam ser confirmadas por novos estudos antes de serem tomadas como tendências. Ele lembra que aumentou o número de revistas científicas brasileiras indexadas na base Thomson Reuters na segunda metade da década de 2000. Isso pode ter criado um viés sobre a percepção de que o Brasil ficou mais forte em algumas áreas, sem que a especialização tenha, de fato, aumentado. “O artigo mostra uma estagnação da produção brasileira na área de física, que é consistente com outros indicadores. Mas a percepção pode ter sido reforçada pelo fato de haver poucas novas revistas de física brasileiras indexadas na década passada, em comparação com o que ocorreu em outras áreas”, afirma Schulz. Ele também observa que a perda relativa do desempenho da Coreia do Sul em áreas consolidadas, como ciências de materiais, pode ter sido influenciada pelo aumento da produção científica da China nessas disciplinas, que fez crescer o total mundial de artigos. Feitas tais ressalvas, Schulz afirma que o estudo de Fink tem o mérito de levantar áreas do conhecimento em que os dois países se complementam. “É importante sabermos em quais áreas os dois países são fortes ou estão aumentando sua produção e impacto para estimular parcerias”, afirma.

030-033_Ind Brasil Coreia_211_CEssa, aliás, é uma das preocupações da pesquisa de Daniel Fink. Também como resultado de seu doutorado, ele se dedica a esquadrinhar as colaborações científicas entre o Brasil e a Coreia. O primeiro artigo em coautoria de pesquisadores dos dois países foi publicado em 1991 e, até 2000, não mais do que 10 papers com autores brasileiros e sul-coreanos eram publicados por ano. Em 2011 o número chegou a 72 artigos. As colaborações foram impulsionadas de duas maneiras diferentes. A principal é a inserção de grupos de pesquisa brasileiros e sul-coreanos em grandes colaborações internacionais, em geral lideradas por norte-americanos. A segunda delas é composta por colaborações bilaterais, formadas pelo interesse de pesquisadores dos dois países em trabalharem juntos. Grupos da Universidade de São Paulo se destacam em todo tipo de colaboração, mas nas bilaterais há uma frequência maior de grupos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em áreas como química e ciências de materiais. “As colaborações bilaterais ocorrem quando há excelência dos dois lados. Já as colaborações multilaterais podem atingir áreas em que os dois países ainda buscam se consolidar e se associam a pesquisadores de um terceiro país, em geral os Estados Unidos, para ganhar experiência”, afirma o pesquisador. Uma colaboração recente envolveu o grupo do físico Marcelo Knobel, professor da Unicamp, que trocou amostras e dados com pesquisadores da Universidade Nacional de Changwon, em artigos sobre nanoestruturas magnéticas publicados no Journal of the Korean Physical Society. A ponte entre o Brasil e a Coreia, nesse caso, foi o indiano Surender Kumar Charma, que fez seu pós-doutoramento no grupo de Knobel entre 2007 e 2011 com bolsa da FAPESP, e tinha vínculos com os sul-coreanos. “É uma área em que os dois países têm tradição”, diz Knobel, que já publicou outros artigos em colaboração com pesquisadores da Coreia do Sul. “Creio que a tendência é ter cada vez mais colaborações, não só pela clara presença coreana aqui no Brasil como também pela importância crescente dos dois países no cenário mundial da ciência.”

As colaborações entre brasileiros e sul-coreanos envolvendo grandes empresas ainda não tiveram impacto na produção científica dos dois países. “A Samsung, por exemplo, tem um laboratório dentro da Unicamp, mas o impacto é pequeno na geração de artigos”, diz Daniel Fink. Marcelo Knobel lembra que a presença de empresas coreanas no Brasil ainda é recente e ressalta que nem tudo o que é pesquisado vai para a empresa. “Os laboratórios, como o da Samsung na Unicamp, estão se estabelecendo, e os resultados demoram um tempo para acontecer, não são imediatos”, afirma. Existe uma tendência de intensificar as relações entre a ciência dos dois países a partir de pequenas e médias empresas sul-coreanas, observa Fink. Um exemplo é a HT Micron, joint-venture brasileira e coreana de encapsulamento de chips que abriu uma fábrica na cidade gaúcha de São Leopoldo, aproveitando incentivos fiscais. “Eles se comprometeram em investir 5% em pesquisa e desenvolvimento, sendo que 1% vai para uma universidade, a Unisinos, na criação de um instituto de semicondutores”, diz Fink. O interesse da Coreia no Brasil deve estimular esse tipo de aliança nos próximos anos, afirma o pesquisador.

Formado em engenharia elétrica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Daniel Fink mudou-se para a Coreia do Sul em 2006, ao obter uma bolsa oferecida pelo Kaist. “Há uma carência enorme de brasileiros nas universidades coreanas e fui um dos primeiros a vir”, afirma ele, que já no mestrado iniciou uma linha de pesquisa comparando os sistemas de tecnologia do Brasil e da Coreia. Em 2007 escreveu um artigo num jornal local falando das oportunidades para empresas e pesquisadores coreanos com a implantação da TV digital no Brasil. O embaixador brasileiro em Seul chamou-o para conversar e desse contato surgiu um convite para se tornar assessor em ciência e tecnologia na embaixada. Nos próximos meses, ele e pesquisadores sul-coreanos de seu grupo virão ao Brasil entrevistar cientistas brasileiros com colaborações com colegas da Coreia do Sul para investigar a dinâmica dessas parcerias.

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