Em quase cinco décadas de carreira, o médico e pesquisador Ricardo Renzo Brentani produziu cerca de 150 artigos científicos em revistas internacionais que evidenciam uma trajetória irrequieta. Já no terceiro ano do curso da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que concluiria em 1962, Brentani assinou com o professor Michel Rabinovitch um artigo na revista Nature, sobre a atividade de uma enzima, a ribonuclease. Sob a liderança de Rabinovitch, que hoje é professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Brentani fazia parte de um grupo de jovens pesquisadores que ganharia destaque no ambiente acadêmico, ao lado de Nelson Fausto, hoje professor da Universidade de Washington, Thomas Maack, que teve de deixar o Brasil em 1964 e fez carreira na Universidade Cornell, e Sérgio Henrique Ferreira, professor da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto e ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O início de carreira estudando a estrutura e a atividade do RNA, então um campo novo da ciência, levou Brentani a interessar-se por proteínas das membranas celulares, como colágenos e lamininas. Esse interesse geraria um artigo seminal, publicado na revista Science em 1985, mostrando que receptores de laminina estavam presentes nas membranas de estafilococos patogênicos. O estudo, escrito em parceria com José Daniel Lopes, mostrou pela primeira vez como a bactéria Staphylococcus aureus deixava a circulação sangüínea para fazer abscessos a distância. Depois desse achado descobriu-se que outras bactérias e também protozoários patogênicos usavam o mesmo mecanismo. A descoberta abriu caminho para a busca de novas estratégias de desenvolvimento de drogas microbianas e quimioterápicas e recebeu 300 citações em outros artigos.
Outros artigos marcariam a carreira irrequieta do pesquisador, que nasceu em Trieste, na Itália, e radicou-se em São Paulo na infância. Ele trata com carinho especial três artigos que assinou na Nature em 1964, 1967 e 1997. Os dois primeiros, no campo da bioquímica, foram feitos em parceria com sua mulher, a professora da FMUSP Maria Mitzi Brentani (um deles, aliás, resultou de sua tese de doutorado, sob orientação de Isaias Raw, que provou a ação do nucléolo no processamento do RNA-mensageiro). O artigo mais recente tem entre os autores a psiquiatra Helena Paula Brentani, terceira dos quatro filhos do cientista, e trata de aspectos da doença psiquiátrica causada por príons, proteínas que se multiplicam como um ser vivo, que produz a doença incurável no cérebro conhecida como mal da vaca louca. A identificação de um receptor celular ligado à doença da vaca louca foi o mote de outro artigo publicado em 1997, esse em parceria com Vilma Martins, uma das pupilas de Brentani no Instituto Ludwig. “O Brentani é um pesquisador que pertence a uma categoria rara. Em vez de se enterrar num mesmo assunto a carreira inteira, como faz a maioria, teve a capacidade de descobrir problemas originais diversos para estudar e envolveu alunos e assistentes na busca por respostas”, define o professor Isaias Raw. “Conheci-o ainda estudante e ele já demonstrava uma notável capacidade de fazer pesquisa.”
Os sinais da influência acadêmica de Brentani vão muito além do elenco de papers que publicou. Em 1981 tornou-se o primeiro professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e também do Brasil numa jovem especialidade, a oncologia, e foi um dos principais artífices da criação do serviço de oncologia no Hospital das Clínicas de São Paulo. Responsável pelo Laboratório de Oncologia Experimental, um dos 62 laboratórios de investigação médica da faculdade, Brentani foi convidado por sucessivos diretores da FMUSP a presidir várias vezes a Comissão de Pesquisa da instituição.
Na USP e à frente do braço brasileiro do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer entre 1982 e 2005, Brentani estimulou o florescimento de uma geração de pesquisadores, entre os quais Roger Chammas, hoje professor do Departamento de Radiologia da FMUSP, o epidemiologista Eduardo Franco, que trabalha na Universidade McGill, no Canadá, e a bioquímica Luiza Villa, sucessora de Brentani na direção do instituto. Franco e Luiza coordenam o estudo longitudinal Ludwig/McGill, um dos maiores já feitos sobre a infecção de HPV e câncer cervical em mulheres. “Se não tivesse vindo trabalhar conosco, talvez o Eduardo não tivesse conquistado a realização profissional que obteve. A Luiza desenvolveu uma linha de pesquisa que foi crucial para o desenvolvimento de uma vacina contra o papilomavírus que já está no mercado e vai erradicar 5% dos tumores que atingem os humanos”, orgulha-se Brentani.
No período em que o cientista esteve à frente do Ludwig, o instituto dedicou-se intensivamente a pesquisas voltadas para compreender as causas do câncer e identificar alvos de diagnóstico e intervenção terapêutica. A parceria do Ludwig com o Hospital do Câncer – Fundação Antônio Prudente, em cujas instalações o instituto funcionou até recentemente, ajudou a alcançar marcos importantes. No âmbito do Projeto Genoma Humano do Câncer, uma rede de pesquisadores de 30 instituições liderados por Brentani conseguiu identificar, em menos de um ano, 1 milhão de seqüências de genes de tumores mais freqüentes no Brasil e abriu caminho para a procura de novas formas de diagnóstico e tratamento do câncer a partir do estudo de genes expressos.
A partir de 1990, o cientista passou a dirigir também o Hospital do Câncer, que, sob sua batuta, tornou-se um centro de referência internacional. “Eu achava que o hospital devia ser mais que um hospital. Devia ser um centro de ensino e pesquisa. Em 1996 credenciamos uma pós-graduação no MEC. Trata-se do único hospital privado que tem pós na área no MEC. A primeira avaliação foi 4, a segunda 6 e a terceira 7, a nota máxima. Foi um dos dois com 7 na área médica”, diz o professor. “Essa visão de centro de ensino e pesquisa foi a redenção para o problema de recursos. Hoje é um hospital financeiramente sadio.” Agora o comando do hospital está a cargo de um executivo, mas Brentani segue como diretor presidente do Conselho Administrativo.
Em abril de 2005 assumiu o cargo de diretor presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP. “É uma posição honrosa que representa o coroamento de uma carreira”, disse o pesquisador. Aposentado na USP desde o último dia 21 de julho, quando completou 70 anos, Brentani viu-se, depois de muito tempo, longe de laboratórios. Mas não se queixa. “Passei minha carreira ajudando a formar pessoas e estimulando-as a progredir. Não tem sentido, a essa altura, competir com a cria”, explica. “Hoje prefiro me limitar a conversar com os garotos e dar palpites.”
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