Começam a surgir soluções para a mais cruel doença da citricultura brasileira conhecida por um complicado nome em chinês, huanglongbing, ou ainda greening, em inglês, que já se mostrou mais agressiva que outras enfermidades dos laranjais como o cancro cítrico ou a clorose variegada dos citros. Novas formas de combatê-la são muito bem-vindas, porque a indicação hoje é simplesmente arrancar a planta com raiz e fazer severas pulverizações de inseticidas. Já foram erradicados cerca de 14 milhões de plantas de laranjeiras de 2005 a 2011.
A mais nova solução para conter essa epidemia agrícola prevê o combate ao inseto transmissor da bactéria Liberibacter, que causa a doença. Conhecido como psilídeo (Diaphorina citri), ele pode ter sua população diminuída por meio de manejo ecológico com o uso de uma vespa, a Tamarixia radiata, que não causa danos à agricultura e ao homem. Essas vespas parasitam os psilídeos ainda jovens – quando estão na fase de ninfa e não voam – ao colocar ovos no corpo do inseto transmissor da doença. As vespas depois de saírem do ovo destroem o ser parasitado. O ciclo de reprodução da Tamarixia e do psilídeo foi obtido por uma equipe do professor José Roberto Postali Parra, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). Em estudos realizados no município de Araras (SP), a soltura da vespa em pomares da região teve resultados entre 51% e 72% de eliminação das ninfas do inseto.
O domínio da técnica se completou em 2011, por meio de estudos desenvolvidos pela equipe de entomologia da Esalq, que conta com 10 pesquisadores, num projeto financiado pelo Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), entidade mantida pelos produtores. Atualmente, para manter o experimento, são produzidos de 60 mil a 100 mil vespas por mês na Esalq. Elas são liberadas no campo em áreas com altas populações de Diaphorina citri, numa relação de 400 vespas por hectare.
O problema com esse tipo de manejo já verificado em estudos preliminares pelo professor Parra, que tem parcerias também com o Instituto Agronômico (IAC), o Instituto Biológico de São Paulo e a Universidade da Califórnia, em Davis, nos Estados Unidos, é que a vespa migra e morre em áreas onde existe a aplicação de produtos químicos para controle da praga. Assim, enquanto continua a aplicação maciça de inseticidas em áreas comerciais, as liberações estão sendo realizadas em áreas de murta (Murraya paniculata), uma planta ornamental usada em cercas vivas e pertencente à mesma família dos citros, também hospedeira da doença, em pomares abandonados e áreas de plantações orgânicas de citros.
“Em função dos resultados da pesquisa, é possível recomendar como tática de controle do psilídeo a aplicação de inseticidas apenas no período de repouso vegetativo (período de menor atividade metabólica da planta com queda de folhas) das plantas cítricas”, diz Parra. A adoção dessa técnica permite que a liberação de Tamarixia radiata possa ser realizada também em áreas com aplicação de inseticidas, atuando de forma complementar à ação desses produtos.
Uma série de alternativas para eliminar o psilídeo ainda está em estado inicial de estudo. “Uma delas é o uso de bactérias que interferem no comportamento e na biologia dos insetos, além de fungos que podem ser utilizados como agentes de controle”, diz Parra. Esse tipo de controle biológico é feito de forma semelhante a inseticidas industriais com a aplicação de fungos misturados à água, sobre os insetos e nas plantações. O fungo é inerte para os vegetais e ao homem, mas parasita tanto o inseto adulto como as ninfas, deixando-os secos como se estivessem mumificados. A equipe de Parra leva em conta possível isolamento de feromônios sexuais, substâncias secretadas pela fêmea para atrair insetos machos, que poderiam ser usados em armadilhas para diminuir a população do psilídeo.
Nas goiabeiras reside uma outra possível solução para barrar a investida do transmissor da bactéria. “Elas produzem algumas substâncias voláteis que repelem o inseto, como foi observado inicialmente no Vietnã, onde se plantam goiaba e laranja nos mesmos pomares, de forma intercalada”, diz o agrônomo José Belasque Júnior, pesquisador do Fundecitrus. A pesquisa encontra-se na fase de identificação química dos compostos repelentes para os psilídeos. Estudos para identificação e síntese dessas substâncias voláteis da goiabeira estão sendo feitos pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Semioquímicos na Agricultura, financiado pela FAPESP e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que tem sede na Esalq e é coordenado pelo professor Parra. “A ideia é produzir essas substâncias no futuro nas próprias laranjeiras por meio de técnicas de transgenia com o objetivo de repelir o inseto”, explica.
O huanglongbing (HLB) foi identificado no Brasil pela primeira vez em 2004 por pesquisadores do Centro de Citricultura Sylvio Moreira, vinculado ao Instituto Agronômico (IAC), e do Fundecitrus. A rápida expansão da doença pode ser percebida em um experimento realizado pela equipe do agrônomo Marcos Machado, diretor do Centro de Citricultura, em um projeto financiado pela FAPESP, entre 2005 e 2008, com a parceria do Fundecitrus, para estudo da bactéria em relação ao diagnóstico, à biologia e à forma de combatê-la. O pesquisador Renato Bassanezi, do Fundecitrus, isolou um pomar novo de laranjas em Araraquara com 10 mil plantas sem HLB, cercada por plantações de cana e distante um quilômetro de qualquer outro pomar.
Foi feito o controle químico com inseticidas, com diferentes tipos de aplicação. Depois de três anos, 15% das plantas tinham a doença. A conclusão foi que, mesmo com intenso controle químico dentro do pomar, não foi possível evitar a entrada de insetos contaminados de outras áreas. “A situação não é simples, porque é possível que tenham chegado ali vários insetos, mas se apenas um estivesse contaminado a transmissão da doença poderia ocorrer”, diz Machado. Em 2009, o experimento havia sido todo dizimado pelo HLB.
O nome em chinês huanglongbing é traduzido como doença do dragão amarelo ou doença do ramo amarelo, porque deixa as folhas amareladas e os frutos verdes, deformados e imprestáveis para o consumo ou para o processamento industrial. “A infecção é severa. Não adianta cortar galhos, é preciso arrancar a árvore, inclusive com a raiz, com uma máquina para que não volte a brotar”, diz Machado.
Atualmente, existem cerca de 160 milhões de árvores de citros no estado de São Paulo e o período de produção de cada uma é de até 20 anos. Em 2011, segundo o Fundecitrus, o greening estava presente em 53,38% dos talhões (em média 2 mil plantas) paulistas. Outras doenças importantes, como a clorose variegada, atacava 40,3% do parque citrícola enquanto o cancro cítrico, 0,99% das plantas. O HLB também está presente em municípios de Minas Gerais e do Paraná. Os três estados são responsáveis por quase 90% da produção nacional de frutas cítricas e 60% da produção mundial de suco concentrado congelado, o produto mais importante do setor, que rendeu US$ 2 bilhões em exportações em 2010.
A doença é relatada na Ásia desde o século XIX, continente de origem dos citros. Foi primeiro descrita na China e mais tarde ganhou também o nome greening na África do Sul, que se refere aos frutos que não amadurecem e ficam verdes. No Brasil, segundo Machado, o HLB pode ter chegado por meio material de propagação vegetativa, há mais de dez anos. O inseto que dissemina a bactéria é um velho conhecido dos agricultores brasileiros. O psilídeo foi registrado no Brasil pela primeira vez no início da década de 1940 e deve ter chegado provavelmente no meio de mudas infestadas. Ele se adaptou bem ao clima, mas não era considerado uma praga, porque não produzia danos, embora estivesse relacionado à transmissão da bactéria causadora do HLB na China e em outros países da Ásia. Os olhares dos citricultores brasileiros em relação ao Diaphorina citri, que mede de 2 a 3 milímetros de comprimento, só mudaram com a confirmação do HLB em São Paulo. Ele adquire e transmite as bactérias de plantas doentes quando se alimenta nos vasos do floema, o sistema de circulação da seiva da planta.
A importância desse vetor no âmbito da doença logo acionou Parra que apresentou um projeto sobre o inseto à FAPESP ainda em 2004. “Até aquele momento, o inseto não havia sido estudado profundamente. O nível populacional não justificava estudos e um controle maior por parte do produtor”, diz. “Com o temático, conseguimos conhecer melhor o Diaphorina e indicar medidas biológicas, comportamentais e recomendar o uso de inseticida de forma racional sem desequilibrar o ambiente e sem matar os seus inimigos naturais, como algumas pequenas vespas”, explica. “Identificamos que o inseto se desenvolve melhor em outras árvores, principalmente na murta.”
A fêmea coloca os ovos nas brotações dessas plantas. Nos citros, ela coloca uma média de 160 ovos, enquanto em outras chega até a 348. “Estabelecemos parâmetros climáticos e zonea-mento dos lugares onde a praga ocorre mais intensamente. A maior prevalência acontece nos municípios de São Carlos, Bariri, Botucatu, Lins e Araraquara.” O professor Parra realiza há mais de 40 anos pesquisas com insetos ligados à agricultura e sente que o desafio de entender e combater o grenning é grande, talvez o maior de sua carreira. “O inseto é de difícil manejo na criação. Há também o problema das populações que são variáveis ao longo do ano, das estações e de condições de temperatura e chuva, o que nos impediu de estabelecer modelos de sua presença no campo”, diz.
Se o inseto é complicado, as bactérias não são menos. Elas foram identificadas em laboratório na França, em 1970, no grupo do professor Joseph Bové, do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica. Ainda hoje elas não têm uma identificação taxonômica ou nome científico definitivo, porque há dificuldades em cultivá-las em meio de cultura nos laboratórios. Por isso recebem a denominação de Candidatus Liberibacter (Ca.L.) e três espécies estão associadas ao HLB, a Ca. L. asiaticus, responsável por mais de 90% da doença no Brasil e causadora da infecção mais deletéria, a Ca. L. africanus, mais amena e ausente dos pomares brasileiros, e a Ca. L. americanus, muito pouco presente no país.
Para cultivar a Liberibacter é preciso um caldo de que ela goste, e isso é feito por meio de sequências de tentativa e erro”, diz Elliot Kitajima, professor da Esalq e especialista em microscopia eletrônica. Ele e Francisco Tanaka, também professor da mesma universidade, fizeram imagens da Liberibacter em um floema da vinca ou maria-sem-vergonha [Catharanthus roseus], uma planta ornamental usada como hospedeiro alternativo da bactéria. “A concentração na laranjeira é muito baixa, não é possível fazer imagens como a obtida com a vinca”, diz. “Não existe a relação entre o número de bactérias e o estrago no floema”, diz Machado. Mesmo assim, as poucas bactérias devem secretar toxinas que prejudicam a funcionalidade do floema. “Rapidamente, em cerca de meia hora depois que o inseto portador da bactéria pica a planta, ela se torna infectada, mas a evolução é lenta e os sintomas podem se manifestar até um ano depois”, diz Parra.
O combate ao HLB também deve contar no futuro com o conhecimento do genoma da bactéria. O sequenciamento genético da Ca. Liberibacter asiaticus foi finalizado em 2008 pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. A espécie asiática possui um genoma pequeno, com cerca de 1,2 milhão de pares de base, enquanto a bactéria Xylella fastidiosa, que causa a clorose variegada, tem 2,4 milhões de pares, e a Xanthomonas axonopodis citri, bactéria causadora do cancro, possui 4,5 milhões de pares.
O menor genoma da Liberibacter significa que ela é ainda mais especializada que as outras. Pode indicar que o parasitismo da bactéria em relação à planta é obrigatório porque ela é incapaz de viver livre”, diz Machado. Ele coordena também o recém-criado Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Genômica para Melhoramento de Citros, que engloba institutos e universidades em São Paulo, Bahia, Paraíba e na Flórida, nos Estados Unidos. Esse estado norte-americano também é atacado pelo greening, onde a doença foi identificada em 2005. A Flórida, com mais de 60 milhões de pés de laranja, é o segundo produtor mundial, atrás de São Paulo, com quase 78% do total de frutas do Brasil. Flórida e São Paulo somados são responsáveis por cerca de 80% da produção mundial de suco.
Os próprios agricultores é que têm de combater a doença. No Brasil, uma lei federal os obriga a eliminar as árvores doentes mas nem sempre isso ocorre. “Metade dos citricultores, principalmente os pequenos não pulverizam as plantações com inseticidas. Embora fácil, esse procedimento não é barato”, diz Armando Bergamin Filho, professor da Esalq-USP e coordenador de outro projeto financiado pela FAPESP que aborda a infestação do greening, iniciado em 2008. “O controle tem que ser regional, não adianta um produtor pulverizar com inseticidas e o vizinho não fazer o mesmo.”
Para Bergamin, a doença é controlável quando em uma região ampla exista uma colaboração entre agricultores para erradicar as plantas doentes, pulverizar e fazer as inspeções, de preferência mensalmente, nos pomares. No projeto, Bergamin e seu grupo, que inclui pesquisadores da Fundecitrus, estudaram a disseminação da doença em função do tempo, a rapidez como a infecção atinge as plantações e o inseto, averiguando hábitos de voo do psilídeo, que pode ser levado pelo vento a centenas de metros, tudo com base em análises moleculares nas várias etapas da doença.
Leds nas folhas
Um dos problemas dos agricultores é identificar o HLB pelos sintomas, porque eles se parecem muito com os de outras doenças dos citros. Uma inspeção mais eficaz e segura pode estar disponível em breve, como mostram pesquisas realizadas com sistemas de detecção fotônica que estão em desenvolvimento por dois grupos de pesquisadores de São Carlos. Os experimentos utilizam o princípio da fluorescência que utiliza a emissão de luz pela folha após ter sido iluminada por um diodo emissor de luz (Led) ou por um laser.
Um estudo é conduzido por Luís Gustavo Marcassa, professor do Instituto de Física de São Carlos da USP, como uma sequência de outro estudo em que os pesquisadores usaram laser para identificar o cancro cítrico (ver Pesquisa FAPESP nº 80). “Agora com o greening não uso o laser, que requer mais cuidados e é mais caro, mas Leds (diodos emissores de luz) de alta potência. Ao analisarmos as folhas, chegamos a um acerto de 90% das amostras comprovadas com exames moleculares”, diz Marcassa.
O estudo consiste em iluminar a folha com a luz de um led e captar com uma câmara fotográfica a fluorescência alterada pela bactéria. Os dados enviados a um computador mostram em um gráfico a possibilidade de a planta estar infectada. Além de São Paulo, Marcassa, em parceria com Reza Ehsani, professor do Centro de Pesquisa e Educação em Citrus (Crec, sigla em inglês), da Universidade da Flórida, fez estudos também em plantações de laranjas naquele estado norte-americano. “Mas os testes na Flórida mostraram resultados diferentes e o índice de acerto lá foi de 61%. Os colegas dos Estados Unidos acreditam que a diferença se deva às condições ambientais das plantas, como adubação e nutrientes distintos, em relação a São Paulo”, diz Marcassa.
O segundo experimento é conduzido pela pesquisadora Débora Milori, da Embrapa Instrumentação Agrícola, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, em São Carlos (SP), que estuda o uso de feixes de laser e leds para diagnosticar precocemente o HLB. Débora e sua equipe inventaram um equipamento portátil que lança um feixe de luz sobre as folhas e consegue diagnosticar o greening e a clorose variegada com taxa de acerto de 95%. No caso do HLB, o equipamento consegue o diagnóstico positivo mesmo em fase assintomática. O sistema teve depósito de patente no Brasil e no exterior e em 2011 foi licenciado para a empresa Opto Eletrônica, também de São Carlos, que, em parceria com os pesquisadores da Embrapa, desenvolve o primeiro protótipo para uso no campo.
“Hoje a inspeção visual pode levar a erros de 30 a 60%, inclusive na confusão com outras doenças que apresentam sintomas semelhantes”, diz Débora. “Em laboratório, com calibração do aparelho para cada variedade de citro, os índices de acerto são elevados e o resultado sai em alguns segundos. O desafio agora é testá-lo em campo.” Este estudo recebe apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de São Carlos, um dos centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP.
Os projetos
1. Bioecologia e estabelecimento de estratégias de controle de Diaphorina citri Kuwayama (Hemiptera: Psyllidae), vetor da bactéria causadora do greening nos citros (nº 2004/14215-0) (2005-2009); Modalidade Projeto Temático; Coordenador José Roberto Postali Parra – USP; Investimento R$ 462.875,46.
2. Estudos da bactéria Candidatus Liberibacter spp., agente causal do huanglongbing (ex-greening) dos citros: diagnóstico, biologia e manejo (nº 2005/00718-2) (2005-2010); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Marcos Antonio Machado – IAC; Investimento R$ 1.418.367,25.
3. Epidemiologia molecular e manejo integrado do huanglongbing (asiático e americano) no estado de São Paulo (nº 2007/55013-9) (2007-2012); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Armando Bergamin Filho – USP; Investimento R$ 1.175.226,06.
4. Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de São Carlos (subprojeto: Óptica aplicada à agricultura e ao meio ambiente) (nº 1998/14270-8) (2000-2012); Modalidade Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Coordenador Débora Milori – Embrapa; Investimento R$ 38.622.748,13
5. Imagem de fluorescência aplicada em doenças de citros no campo (nº 2010/16536-9) (2010-2012); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coordenador Luís Gustavo Marcassa – USP; Investimento R$ 85.260,51.
Artigo científico
Bassanezi, R.B. et al. Epidemiologia do huanglongbing e suas implicações para manejo da doença. Citrus Research & Technology. v.31, n.1, p. 11-23, 2010.
De nosso arquivo
A luta contra o dragão amarelo – Edição nº 162 – agosto de 2009