Pesquisa FAPESP oferece aos leitores nesta edição um material de inequívoca consistência para o debate atualíssimo – e vital para o Brasil – a respeito de como se transforma com eficácia conhecimento científico em produtos de alto valor agregado e em outros bens socialmente úteis. Em termos estritos, a reportagem de capa elaborada por nosso editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, trata a partir da página 20 do papel dos escritórios de transferência de tecnologia de grandes universidades. Diga-se logo que, neste momento, de Harvard às universidades estaduais paulistas, esse papel vem sendo repensado, reformado e ampliado em função da necessidade de intensificar e tornar mais e mais eficiente a articulação dos centros produtores de conhecimento com os produtores de bens e serviços. A sociedade do conhecimento desdobra-se para encurtar e aplainar o caminho entre uns e outros.
Conforme diz Fabrício, depois de relatar dados resultantes da reforma recente por que passou o Escritório de Desenvolvimento Tecnológico (OTD) de Harvard, o movimento feito por essa universidade de classe mundial é exemplar do fenômeno que se esboça em outros escritórios semelhantes mundo afora. Reproduzo suas palavras: “Além das tarefas rotineiras, que consistem em identificar descobertas com potencial econômico e protegê-las por meio de patentes, esses escritórios abraçam várias outras atividades, como fomentar colaborações de pesquisa de longo prazo entre empresas e laboratórios, auxiliar na criação de empresas baseadas em tecnologias nascentes, arregimentar investidores privados para financiá-las, oferecer a consultoria de pesquisadores para a indústria e estimular o empreendedorismo já entre os estudantes de graduação”. São vários os escritórios cujas práticas nesse sentido estão esmiuçadas na reportagem. E, para além da relevância do tema que ela traz e das reflexões que seja capaz de suscitar quanto à necessidade de se multiplicar no país experiências parecidas com as desses escritórios, a reportagem tem em seu próprio texto, orgânico, fluente e vigoroso, uma razão a mais para ser lida.
Outra reportagem muito diferente atravessou todo o mês de junho como objeto preferencial da capa da revista e só perdeu a posição, na última hora, pela força que a matéria dos escritórios de transferência de tecnologia revelou. Refiro-me aqui à reportagem do editor de ciência, Ricardo Zorzetto, sobre uma nova e audaciosa proposição teórica no campo neurológico/psiquiátrico, elaborada por um pesquisador gaúcho, bem plantado sobre o conhecimento desenvolvido nos últimos anos por colegas de outras partes do mundo a respeito da depressão e do transtorno bipolar. A hipótese em questão vê as crises de depressão e de mania típicas dessas doenças como responsáveis, a partir de um determinado número de ocorrências, por uma ação tóxica sobre o organismo como um todo, para além dos danos já conhecidos que produzem sobre a capacidade de raciocínio, planejamento e aprendizagem, e sobre o humor dos que as sofrem. É uma abordagem cientificamente bem embasada, que traz, com novas evidências, a psique para o corpo, a doença mental para seu substrato biológico e para seus efeitos sobre o corpo inteiro, devolvendo unidade e organicidade ao que tão longamente o conhecimento tentou separar. Vale a pena conferir a partir da página 40.
Por fim, destaco nesta edição a entrevista do professor Eduardo Moacyr Krieger (página 28) sobre sua trajetória e seus trabalhos científicos seminais no campo da hipertensão, seu papel na organização de um dos grupos de pesquisa mais importantes nesta área e sua incansável militância em instituições de cientistas como a Academia Brasileira de Ciências, destinada a dar relevância à comunidade científica brasileira nos foros internacionais. Acrescente-se que o professor Krieger, 84 anos, é dono de uma conversa extraordinariamente estimulante para quem gosta de ouvir sobre caminhadas singulares pela construção do conhecimento e pela vida. Boa leitura a todos!
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