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Computação

Vidas programadas

Projetos buscam melhorar o trânsito para o usuário do transporte coletivo

EDUARDO CESARPrograma reduz escala de ônibus e horários de partida nos pontosEDUARDO CESAR

Melhorar a vida do usuário do transporte coletivo e das operadoras de ônibus é a proposta de dois estudos realizados em universidades que estão prontos para serem aplicados. Um deles, fruto de um projeto desenvolvido por pesquisadores da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), utiliza rastreadores nos ônibus para oferecer um serviço diferenciado ao usuário. O outro, criado no Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tem como base um programa que faz desde a tabela dos horários de veículos até a escala de serviço dos motoristas e dos cobradores e, como resultado, distribui mais racionalmente a operação da frota e o trabalho dos funcionários.

O projeto da Coppe foi concebido para funcionar em linhas especiais de ônibus urbano com clientes cadastrados que ligam para uma central de atendimento, em um esquema similar ao dos radiotáxis, mas sem a mesma flexibilidade porque o atendimento é feito de forma simultânea com outros usuários. Os atrativos para o cliente incluem preço menor que o cobrado em uma viagem de táxi e a economia do tempo gasto nas viagens em comparação com o carro particular, já que o ônibus trafega em faixas exclusivas.

“É uma opção de transporte mais segura, oferecida para veículos que operam com menor capacidade, como microônibus de 25 a 30 lugares”, diz o professor Ronaldo Balassiano, do Núcleo de Planejamento Estratégico de Transportes (Planet) da Coppe, coordenador do projeto, que recebeu financiamento de R$ 16 mil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e de R$ 28 mil da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). O fator segurança é um diferencial vantajoso também para as operadoras. Como é um veículo rastreado, qualquer anormalidade ou mudança não programada no trajeto é detectada pela central.

Controle preciso
O sistema de rastreamento utiliza um chip que emite dados com as coordenadas geográficas da posição dos veículos. Os sinais emitidos são captados por antenas distribuídas pelas cidades – as mesmas utilizadas para a transmissão de sinais para o celular – e retransmitidos para uma central de controle. A tecnologia permite adicionar uma série de dispositivos acoplados ao sistema de rastreamento que ajudam a operadora a ter um quadro mais detalhado do funcionamento da frota que está nas ruas. Entre eles está o monitoramento do fluxo de passageiros na entrada e na saída, o número de passageiros em trechos específicos da área servida pelos ônibus, o consumo de combustível e a maneira como o motorista está conduzindo o veículo.

Como é um sistema dinâmico, em vez de os ônibus operarem vazios fora dos horários de pico, eles podem ser redirecionados para atender a outros chamados. “Os microônibus podem operar, por exemplo, em áreas onde comercialmente não é interessante trabalhar com um veículo comercial comum, como bairros onde as moradias ficam mais dispersas, com intervalos predefinidos”, diz Balassiano. São áreas em que o serviço regular não atende de forma adequada porque não há demanda suficiente o dia todo.

EDUARDO CESARO público-alvo é bem amplo e inclui pessoas que usam carros nos deslocamentos diários ou esporádicos, usuários da terceira idade com dificuldades de locomoção ou visão, adolescentes que fazem várias atividades no dia-a-dia e dependem de alguém que os transporte, além dos portadores de deficiências. As rotas podem ser estabelecidas de duas maneiras, ponto fixo de origem ou origem flexível. O ponto fixo de origem, como o próprio nome diz, é um local onde os passageiros se concentram para, em horários predeterminados, pegar o ônibus e serem transportados para destinos flexíveis, ou seja, em locais diferentes. Pela rota origem flexível, o ônibus passaria nas proximidades ou na casa de cada passageiro, que seria levado a um destino fixo, um ponto central e favorável a todos. Como os veículos são rastreados, tanto se poderia alterar o trajeto da linha de acordo com os imprevistos do percurso quanto mudá-lo segundo o desejo dos passageiros.

Uma pequena amostra do projeto está funcionando experimentalmente no campus do Fundão, dentro da Cidade Universitária do Rio de Janeiro, em uma frota composta por nove ônibus, três dos quais são reservas, usados apenas em caso de problemas com os veículos da frota principal. Seis ônibus da linha reitoria-alojamentos que atendem gratuitamente cerca de 10 a 15 mil usuários estão circulando com aparelhos rastreadores. As informações captadas são retransmitidas para os computadores da Coppe, de onde é possível acompanhar, num mapa local, o trajeto e a localização dos veículos. “A nossa idéia é que o usuário da universidade possa, da sua sala, acessar o computador e saber exatamente onde o ônibus se encontra”, diz Balassiano. A previsão é que até o final do ano essa informação esteja disponível para o usuário.

Novos produtos
Os equipamentos rastreadores instalados nos veículos são da marca Geocontrol, uma empresa fabricante de equipamentos que se tornou parceira efetiva no projeto. Na atual fase, a empresa está encarregada do desenvolvimento ou adaptação de softwares para os novos produtos que estão sendo concebidos na universidade a partir do projeto original. O pesquisador ressalta que mais importante do que ter os aparelhos instalados é o uso que se pode fazer dessa ferramenta no planejamento urbano. A experiência do campus do Fundão será estendida para a cidade de Vitória, no Espírito Santo, que começará a testar o sistema na sua frota de cerca de 300 ônibus municipais que circulam diariamente. O acordo foi fechado com a prefeitura e teve a participação da Geocontrol, empresa prestadora de serviços para as secretarias de Segurança Pública do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

Com os resultados do projeto, Balassiano quer oferecer transporte de qualidade e, como conseqüência, tirar das ruas parte dos automóveis particulares hoje em circulação. “O transporte público também tem sido prejudicado pela lentidão do trânsito”, diz. A velocidade média do transporte por ônibus é inferior a 20 quilômetros por hora em um grande número de municípios brasileiros. “A idéia que estamos propondo, de oferecer um sistema de transporte sob demanda, já vem sendo aplicada em alguns casos experimentalmente e em outros de forma definitiva em cidades de menor porte da Europa”, diz.

Tabelas e escalas
O outro projeto para melhorar o transporte coletivo, coordenado pelo professor Arnaldo Moura, da Unicamp, já foi testado na Serra Verde e na Pioneira, duas empresas de ônibus urbano de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e na Metra, de São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista. O projeto começou com uma dissertação de mestrado de Tallys Yunes, apoiada pela FAPESP, para a construção de escalas de ônibus urbanos na capital mineira. “O programa tinha que alocar a frota e o pessoal, com os horários de saída já predefinidos”, diz Moura.

Para responder a essas questões empregaram-se modelos matemáticos. Em um deles usou-se a Programação Linear, técnica clássica que trabalha com modelos compostos de variáveis de decisão e tem as restrições expressas por equações e inequações lineares. No outro usou-se a Programação por Restrições, linguagem que permite tratar de problemas mais complexos.

O estudo feito em Belo Horizonte teve continuidade com duas bolsas de iniciação científica de André Ciré e Tony Lopes, orientados por Moura. Nessa fase o desafio foi ampliado. Era necessário otimizar a programação da Metra, empresa de ônibus urbano de São Bernardo do Campo, uma tarefa mais difícil do que a anterior, pois os horários de partida não eram predeterminados, mas também tinham de ser calculados. Foi desenvolvido um programa que tem como entrada as demandas de transporte de passageiros nos dois sentidos da linha (bairro-centro e vice-versa) por faixa horária, os tempos de percurso do ônibus por faixa horária e por sentido, a qualidade de serviço (número de passageiros transportado por cada ônibus) e os tempos de percurso do ponto até a garagem dos ônibus por faixa horária.

O software processa esses dados e produz uma escala dos ônibus que vão fazer os percursos, uma escala das duplas de motoristas e cobradores que vão operar os ônibus e os horários de partida nos pontos. “É uma programação completa para cada linha da frota”, diz Moura. Para conseguir a melhor solução para tantas variáveis, foram utilizados algoritmos genéticos, que tentam imitar o processo de evolução natural, e um método tipo busca tabu, que guarda informações sobre buscas anteriores para guiar o processo de pesquisa usando memória de longo prazo.

Técnicas similares às que foram usadas para as escalas de ônibus urbanos serviram de base para a criação de dois outros softwares de escalas. Um deles, em uso há dois anos no Hospital das Clínicas da Unicamp, responde pela escala de serviço mensal de cerca de 1.500 funcionários que trabalham na enfermagem da instituição. O outro, que trata do escalonamento de atividades de engenharia no processo de preparo de poços de petróleo em águas profundas, ficou com o terceiro lugar na categoria produção do Prêmio Petrobras de Tecnologia de 2005.

Desenvolvido por Rômulo Albuquerque Pereira, sob orientação de Moura e do professor Cid Carvalho de Souza, também do Instituto de Computação, o software faz o escalonamento de tarefas que serão executadas para perfurar e colocar um campo de petróleo em produção. “As operações têm de seguir uma ordem predeterminada para que não haja desperdício de recursos alocados para executar essas tarefas, como barcos-sonda especiais e plataformas de perfuração”, diz Moura.

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