A curiosidade – muitas vezes seguida pelo assombro – e uma pergunta, que sempre a acompanha, são características marcantes no desenvolvimento de uma criança. Boa parte da sociedade, no entanto, tende a considerar que isso passa com os anos, em vez de aceitar que essa sequência curiosidade/assombro/pergunta mostra que toda criança nasce cientista. Algumas se salvam, pois algumas famílias, por uma ou outra razão, não se irritam com tanto questionamento. Mas, à medida que os anos passam, o número de crianças que mantém firme a sua curiosidade diminui porque o sistema educacional tende a inibir as perguntas, especialmente aquelas que contestam a autoridade do professor.
É o assombro permanente frente à natureza, em especial perante aquilo que não encontra uma explicação racional, que desperta a curiosidade dos que, por terem sobrevivido a desestímulos e a alguma censura, se tornam cientistas.
A ilusão da Lua, coleção de artigos escritos por Marcelo Knobel, mostra um cientista que nos traz “ideias para decifrar o mundo por meio da ciência e combater o negacionismo”. O livro está dividido em três partes. A primeira nos apresenta a ciência ao nosso redor, segue, na segunda parte, uma discussão sobre o pensamento científico e a obra termina com um tema que, desafortunadamente, está em nosso cotidiano nessa pandemia: a pseudociência, o negacionismo e suas trágicas consequências.
Na primeira parte do livro o autor analisa, em artigos que mostram ao mesmo tempo conhecimento, humor e profundo respeito pelo leitor leigo, fenômenos do cotidiano que vão desde a linguística até o problema da temperatura da sopa. Aliás, o autor possivelmente já se enganou com a temperatura da sopa quando, antes de se tornar cientista, saboreou um caldo de galinha que, por não mostrar vapor, parecia estar em uma temperatura relativamente baixa. Em “Ciência ao redor”, Knobel trata de assuntos diversos como a forma da Lua, a culinária, a física dos cobertores, o mistério dos sons e as complexidades do magnetismo – esse último fonte inesgotável de tendências científicas juvenis.
A cultura do autor bem como suas experiências como cientista e gestor levam-no a analisar o pensamento científico na segunda parte do livro. Em 10 artigos, ele examina, de várias formas, o que é a ciência fundamental, como avaliar seu impacto e qual a relação entre a produção de conhecimento e o diálogo com a sociedade. Sempre claro, destaca a beleza da criação científica, sem esquecer a tênue ligação entre a produção de conhecimento e a sociedade que nos rodeia. A dissociação existente entre a qualidade do conhecimento gerado, o uso que dele se faz na tecnologia nacional e sua serventia para a sociedade também são objeto de análise. Essa reflexão se faz cada vez mais necessária. A dissociação entre geração de conhecimento e sociedade permite, como estamos presenciando hoje, ataques reiterados contra a ciência e a cultura produzidas, sobretudo, pelas universidades públicas. Especial ênfase na divulgação científica e no papel dos museus levanta um problema que, apesar de universal, é especialmente agudo no Brasil, onde os canais de divulgação científica e os espaços museológicos de ciência são escassos.
Knobel trata de pseudociência, negacionismo e suas consequências em artigos da terceira parte do livro. Neles consegue apontar os problemas mais fundamentais e, como humanista que é, deixar o leitor com um raio de esperança. Nesses tempos de pandemia, em que estamos presos simultaneamente a um governo federal negacionista, é imperativo responder à pergunta que o autor nos coloca: “Dá para escapar da pseudociência?”. Knobel conclui, coberto de razão, que um mínimo de cultura científica é essencial em toda sociedade, o que leva a um debate ao mesmo tempo urgente e prioritário. A despeito da gravidade da situação, Knobel termina sua coletânea de artigos lembrando que, até mesmo no Brasil de 2021, as evidências às vezes triunfam.
Por se tratar de uma coleção de artigos informativos que chamam à reflexão, mas são relativamente curtos, recomenda-se a leitura de pelo menos um por dia. Seria demasiado ingênuo imaginar que, em Brasília, muitos dos ocupantes do poder pudessem fazê-lo no café da manhã?
Hernan Chaimovich é professor emérito do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP).
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