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Artes

Vocação natural

Recém-lançada, plataforma digital busca oferecer maior visibilidade a coleções e museus universitários do país

No site, é possível navegar por uma diversidade de instituições e conteúdos

Reprodução / Júlia Cherem

A relação profissional do historiador Mauricio Candido da Silva com museus universitários remonta à década de 1990. Desde então, ele já trabalhou em espaços como os museus de Zoologia (MZ) e o de Arqueologia e Etnologia (MAE), ambos da Universidade de São Paulo (USP). “Em geral, os museus universitários possuem coleções científicas, artísticas, arqueológicas e históricas de grande importância”, afirma o atual coordenador técnico do Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (MAV-FMVZ), também da USP. “Entretanto, uma grande parcela deles permanece desconhecida até mesmo dentro das instituições de ensino e pesquisa que os abrigam. Entre outras coisas, precisam de visibilidade para ser valorizados.”

Foi pensando nisso que Silva coordenou o desenvolvimento da recém-lançada plataforma digital da Rede Brasileira de Coleções e Museus Universitários (RBCMU), entidade sem fins lucrativos que ajudou a articular em 2017 e que hoje conta com cerca de 300 integrantes, entre técnicos, professores universitários, pesquisadores e estudantes de museologia. De livre acesso, a plataforma estruturada ao longo dos últimos quatro anos reúne artigos científicos, agenda de eventos e um banco de dados com ferramenta de busca que mapeia cerca de 500 museus, coleções e outros espaços de memória situados em instituições de ensino superior, públicas e privadas, de todo o país. “A ideia é não apenas oferecer subsídios para pesquisadores interessados no tema, como também contribuir para a elaboração de políticas públicas relacionadas a esses espaços no país”, explica.

Da lista fazem parte instituições de grande porte como o Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ou o Museu de Arte Contemporânea (MAC), que pertence à USP. No entanto, de acordo com o pesquisador, tais exemplos não correspondem à realidade brasileira. “A maioria dos museus universitários do país é de pequeno porte”, informa. “O que não quer dizer que não tenham um papel importante na disseminação da ciência.”

Realizado ao longo de três anos com a colaboração de bolsistas do MAV, o banco de dados deve crescer, prevê Silva. “A meta é que outras instituições se cadastrem na plataforma”, diz. “Estamos lidando com um campo muito dinâmico, onde espaços surgem, fundem-se e desaparecem com frequência para reaparecer em outras formações museológicas.”

A historiadora Lígia Ketzer Fagundes, diretora do Museu da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), concorda. “Cada um dos museus e coleções tem uma história e eles estão organizados em configurações diferentes nas universidades a que pertencem. Por isso é difícil defini-los”, observa. “Os museus universitários, por exemplo, devem contemplar ensino, pesquisa e extensão, mas isso nem sempre acontece de forma homogênea.”

Na opinião dos especialistas ouvidos pela reportagem, a falta de diretrizes gera confusão na hora de definir a identidade desses espaços. “Não existe um comitê ou órgão oficial voltado para os museus universitários no Brasil”, lembra Silva. Além disso, segundo Fagundes, grande parte das universidades brasileiras tampouco possui políticas de gestão capazes de abarcar as características e especificidades desses locais. “O resultado é que apesar de se chamarem museus, muitos desses espaços estão distantes das características necessárias para tal e seriam mais bem definidos como coleções universitárias, núcleos de pesquisa, acervos de laboratórios ou acervos didáticos”, constata a historiadora.

Laboratórios de pesquisa
O elo entre museus e universidades não vem de hoje: o Ashmolean Museum, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, por exemplo, foi inaugurado em 1683, a partir das coleções do polímata inglês Elias Ashmole (1617-1692). “No Brasil, os museus nasceram antes das universidades”, conta a geóloga Maria Margaret Lopes, professora do programa Interunidades em Museologia do MAE-USP. O pioneiro foi o Museu Nacional, fundado em 1818, no Rio de Janeiro. No mesmo século XIX apareceram outras instituições do gênero. É o caso do Museu Paulista, inaugurado em 1895, em São Paulo, como museu de história natural e transformado em museu histórico na década de 1930. “Os museus de história natural que surgiram no século XIX funcionaram como laboratórios de pesquisa e contribuíram para a consolidação das ciências naturais no país”, prossegue a especialista.

Não por acaso, parte desses museus acabou sendo incorporada às universidades, que começaram a surgir no Brasil na primeira metade do século XX. Em 1946 o Museu Nacional integrou-se à estrutura acadêmica da então Universidade do Brasil, hoje UFRJ, configurando-se assim como museu universitário. Já o Museu Paulista passou a fazer parte da USP oficialmente em 1963. “Ambos foram absorvidos pelas universidades já com grandes coleções constituídas”, observa Fagundes. Mas não se trata de regra. “Em geral, as pesquisas geram coleções que acabam ficando com as universidades e assim originam museus”, observa. “As universidades têm uma vocação natural para abrigar esses espaços.”

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